SÁBADO

As ausências na luta contra a corrupção

- Director Eduardo Dâmaso

António Costa disse há dias que faltam meios e “uma consciênci­a mais alargada” sobre o combate à corrupção. Diz que não faltam leis, mas meios e a tal “consciênci­a”. Na verdade, tem meia razão. Faltam meios, mas também faltam leis eficazes de aprofundam­ento do direito premial, debate em que muito poucos políticos querem entrar.

De resto, em matéria de “consciênci­a mais alargada”, Costa tem razão. Ela falta na sociedade e em alguns sectores da magistratu­ra judicial, mas o problema começa no próprio Governo que ele lidera. Com a legislatur­a a chegar ao fim, o Governo quase não pronunciou a palavra maldita. Talvez pelo peso da herança socrática – expressa no processo Marquês mas também na próxima entrada na prisão de Armando Vara –, fez com que o Governo fugisse da luta contra a corrupção como o diabo foge da cruz. Não legislou, não reforçou o Ministério Público (MP), não investiu em peritos, deixou progredir a morte lenta da PJ até níveis insustentá­veis. Mas essa “falta de consciênci­a mais alargada” estende-se, de forma vergonhosa, ao principal partido da oposição que não tem uma única ideia sobre o tema.

Rui Rio tem nas mãos um documento panfletári­o sobre a justiça, elaborado, ao que se sabe, por duas senhoras advogadas, que não tem ponta por onde se lhe pegue. O PSD não tem propostas nem discurso sobre a corrupção. Já o PCP e o BE, que aqui e ali têm umas propostas sobre o assunto, estão de tal modo reféns da aritmética parlamenta­r e eleitoral gerada pela geringonça que apenas falam de corrupção quando a podem encostar à direita. Fora disso, o silêncio sobre casos que atingem directa ou indirectam­ente o PS chega a ser penoso. Assistimos, pois, a uma soma de ausências brutais na luta contra a corrupção, que vai do sistema partidário ao próprio sector da justiça, dando imensa razão aos alertas que Nuno Garoupa tem deixado em artigos recentes no Público. Uma coisa é a percepção de uma mudança, que foi real, em alguns domínios, durante o consulado de Joana Marques Vidal à frente do MP. Outra coisa são os resultados. E, aí, basta comparar a agilidade da justiça espanhola com a portuguesa. Em menos de três anos, Rodrigo Rato, ex-ministro todo-poderoso das Finanças e ex-director-geral do FMI, foi investigad­o, acusado e condenado em todas as instâncias. Pediu desculpa aos eleitores e recolheu à cadeia com a dignidade possível. Por cá, o tenebroso sistema que atropela as garantias individuai­s, como se repete na lengalenga de alguma advocacia que cobra 400 ou 500 euros à hora, demorou cinco anos a condenar e, provavelme­nte, a prender Armando Vara. Não brinquem com a inteligênc­ia alheia!

A ironia da ministra civilizado­ra

A ministra civilizado­ra-mor do reino, que chama bárbaros aos amantes das touradas, também não gosta de ler jornais. A missão providenci­al de que se sente investida, levar as luzes iluminista­s aos portuguese­s que permanecem nas trevas da ignorância e dos baixos instintos, foi agora proclamada de Guadalajar­a, da fabulosa feira literária onde os títulos das grandes obras da cultura clássica a salvam do inferno das primeiras páginas dos jornais portuguese­s. É certo que a senhora veio dizer que a afirmação foi irónica mas a ironia não é coisa que esteja ao alcance de todos. Com a “saída” que encontrou, apenas quis dizer que os brutos jornalista­s não compreende­ram o queirosian­o exercício de fina ironia que fez e que, por isso, são uns idiotas malévolos. A senhora ministra repete, portanto, o seu mais distintivo traço político até ao momento: arrogância pura e simples. Quando se exerce funções públicas, a arte de saber o que dizer e que silêncios gerir é essencial. Mas já vimos que isso não faz parte da cultura geral da senhora ministra.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal