As ausências na luta contra a corrupção
António Costa disse há dias que faltam meios e “uma consciência mais alargada” sobre o combate à corrupção. Diz que não faltam leis, mas meios e a tal “consciência”. Na verdade, tem meia razão. Faltam meios, mas também faltam leis eficazes de aprofundamento do direito premial, debate em que muito poucos políticos querem entrar.
De resto, em matéria de “consciência mais alargada”, Costa tem razão. Ela falta na sociedade e em alguns sectores da magistratura judicial, mas o problema começa no próprio Governo que ele lidera. Com a legislatura a chegar ao fim, o Governo quase não pronunciou a palavra maldita. Talvez pelo peso da herança socrática – expressa no processo Marquês mas também na próxima entrada na prisão de Armando Vara –, fez com que o Governo fugisse da luta contra a corrupção como o diabo foge da cruz. Não legislou, não reforçou o Ministério Público (MP), não investiu em peritos, deixou progredir a morte lenta da PJ até níveis insustentáveis. Mas essa “falta de consciência mais alargada” estende-se, de forma vergonhosa, ao principal partido da oposição que não tem uma única ideia sobre o tema.
Rui Rio tem nas mãos um documento panfletário sobre a justiça, elaborado, ao que se sabe, por duas senhoras advogadas, que não tem ponta por onde se lhe pegue. O PSD não tem propostas nem discurso sobre a corrupção. Já o PCP e o BE, que aqui e ali têm umas propostas sobre o assunto, estão de tal modo reféns da aritmética parlamentar e eleitoral gerada pela geringonça que apenas falam de corrupção quando a podem encostar à direita. Fora disso, o silêncio sobre casos que atingem directa ou indirectamente o PS chega a ser penoso. Assistimos, pois, a uma soma de ausências brutais na luta contra a corrupção, que vai do sistema partidário ao próprio sector da justiça, dando imensa razão aos alertas que Nuno Garoupa tem deixado em artigos recentes no Público. Uma coisa é a percepção de uma mudança, que foi real, em alguns domínios, durante o consulado de Joana Marques Vidal à frente do MP. Outra coisa são os resultados. E, aí, basta comparar a agilidade da justiça espanhola com a portuguesa. Em menos de três anos, Rodrigo Rato, ex-ministro todo-poderoso das Finanças e ex-director-geral do FMI, foi investigado, acusado e condenado em todas as instâncias. Pediu desculpa aos eleitores e recolheu à cadeia com a dignidade possível. Por cá, o tenebroso sistema que atropela as garantias individuais, como se repete na lengalenga de alguma advocacia que cobra 400 ou 500 euros à hora, demorou cinco anos a condenar e, provavelmente, a prender Armando Vara. Não brinquem com a inteligência alheia!
A ironia da ministra civilizadora
A ministra civilizadora-mor do reino, que chama bárbaros aos amantes das touradas, também não gosta de ler jornais. A missão providencial de que se sente investida, levar as luzes iluministas aos portugueses que permanecem nas trevas da ignorância e dos baixos instintos, foi agora proclamada de Guadalajara, da fabulosa feira literária onde os títulos das grandes obras da cultura clássica a salvam do inferno das primeiras páginas dos jornais portugueses. É certo que a senhora veio dizer que a afirmação foi irónica mas a ironia não é coisa que esteja ao alcance de todos. Com a “saída” que encontrou, apenas quis dizer que os brutos jornalistas não compreenderam o queirosiano exercício de fina ironia que fez e que, por isso, são uns idiotas malévolos. A senhora ministra repete, portanto, o seu mais distintivo traço político até ao momento: arrogância pura e simples. Quando se exerce funções públicas, a arte de saber o que dizer e que silêncios gerir é essencial. Mas já vimos que isso não faz parte da cultura geral da senhora ministra.