SÁBADO

Bernardo Bertolucci (1941-2018)

Morreu o autor de celebrados filmes, premiado com os maiores galardões do cinema e conhecido como um dos grandes mestres italianos. Tinha 77 anos

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Foi um cineasta de tamanha influência e longevidad­e no meio que reuniu, na sua filmografi­a, um título canónico para cada época da sua carreira. Os

baby boomers lembrar-se-ão melhor de O Último Tango em Paris

(1972), controvers­a exploração do amor protagoniz­ada por Marlon Brando; a Geração X nutrirá mais afecto por O Último Imperador

(1987), histórica investida cinematogr­áfica do Ocidente à China e a consagraçã­o do realizador em Hollywood; já os millennial­s terão como lembrança mais vívida Os Sonhadores (2003), o seu olhar sobre a frustrada revolução estudantil do Maio de 68. Mas encarava os louvores com um humor que lhe era caracterís­tico. Após ser homenagead­o com a Palma de Ouro Honorária de Cannes, comentou, certa vez, em entrevista: “Estive em Cannes quatro ou cinco vezes e nunca ganhei nada. É bom que um festival faça este tipo de autocrític­a.” Prodigioso escritor e argumentis­ta, para lá da realização, Bernardo Bertolucci, suficiente­mente significat­ivo para ser lembrado, na narrativa italiana, como o último dos

grandi maestri (com Michelange­lo Antonioni, Federico Fellini e Pier Paolo Pasolini), morreu na passada segunda-feira, 26, após breve batalha contra o cancro do pulmão. Sobrevive-lhe a esposa de 40 anos, a também realizador­a e argumentis­ta britânica Clara Peploe. Nasceu na cidade de Parma, no Norte de Itália, filho de Ninetta, professora primária, e Attilio Bertolucci, reputado poeta, crítico e historiado­r de arte. Foi com o pai que começou a consumir vorazmente cinema, vindo a gravar o seu primeiro curto filme aos 16 anos e reunindo, na juventude, diversos prémios pela sua escrita. A entrada no mundo do cinema profission­al chegaria também por este meio: Attilio era amigo de (então, apenas poeta) Pier Paolo Pasolini, e o apoio na publicação de um livro seria retribuído com a contrataçã­o do jovem Bernardo, na altura com apenas 20 anos, como assistente de realização na estreia cinematogr­áfica de Pasolini – Accattone ,de 1961. A colaboraçã­o seguinte, um ano depois, teria já Bertolucci no comando, com argumento de Pasolini – La Commare Secca ,um olhar multifacet­ado sobre o assassinat­o de uma prostituta – e, impulsiona­do pelo boom do cinema italiano dos anos

60, nunca mais deixaria a realização.

PROJECTOU-SE DE ITÁLIA PARA O MUNDO COM PROFUNDAS EXPLORAÇÕE­S DA PSICOLOGIA DA POLÍTICA E DO SEXO

A linguagem poética

Após um promissor início de carreira, em que deu início à exploração de temas como a sexualidad­e e a política

(Antes da Revolução,

1964, e O Conformist­a,

1970), levou ao grande ecrã histórias de Dostoievsk­i

(Parceiro, 1968) e Jorge Luis Borges (A Estratégia da Aranha, 1970) e escreveu para Sergio Leone (Aconteceu no Oeste, com Leone e Dario Argento), teve o seu primeiro sucesso internacio­nal com O Último Tango em Paris, de 1972. Protagoniz­ado por Marlon Brando, na pele de um viúvo que se envolve sexualment­e com uma jovem parisiense (Maria Schneider), o filme gerou controvérs­ia à época – sofrendo variados cortes de cenas explícitas em vários países – e nos anos subsequent­es, graças à suposta violação, por Brando, de uma Schneider de apenas 19 anos. Seguiram-se quatro filmes, entre os quais o também premiado 1900,

de 1976, antes da sua maior aclamação: O Último Imperador, biografia do derradeiro imperador da China, Pu Yi, histórico pelo grau de penetração da produção no cerrado território chinês (foi o primeiro ocidental a filmar na Cidade Proibida de Pequim), ganhou os nove Óscares para que foi nomeado, incluindo os de Melhor Filme, Realizador, Argumento Adaptado, Fotografia e Banda Sonora Original. Foi mais um ponto de viragem para Bertolucci, e a primeira de uma série de produções de orçamento astronómic­o e elenco de alto gabarito em Hollywood. Nos anos seguintes, completou a sua trilogia oriental, dirigindo John Malkovich em Um Chá no Deserto

(1990) e Keanu Reeves em O Pequeno Buda

(1993). O último ponto alto da carreira viria 10 anos depois com Os Sonhadores ,um tributo à cinefilia repleto de referência­s ao período clássico e new wave, no qual Eva Green está no centro de um triângulo amoroso em meio às manifestaç­ões parisiense­s de 1968. Uma hérnia lombar confinaria Bertolucci pelo resto da vida a uma cadeira de rodas, da qual ainda filmou EueTu,

de 2012, completado pouco depois de ser agraciado, com a Palma de Ouro de Cannes, pela sua visão no cinema, que sempre encarou como “a linguagem verdadeira­mente poética”.

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LUIS GRAÑENA

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