RADICAIS DE LONGA DATA
A ex-mulher de Sadjo Turé diz que o grupo de portugueses que se juntou ao Estado Islâmico planeava viajar para zonas de conflito desde, pelo menos, 2010.
Aradicalização do grupo de portugueses que partiram de Londres para a Síria, através de Lisboa, começou mais cedo do que até agora se julgava. De acordo com Shima Essanoor, uma britânica de origem somali que esteve casada com Sadjo Turé, desde pelo menos 2010 que alguns membros do grupo faziam planos para viajar para zonas de conflito onde pudessem realizar um sonho: morrer como mártires na jihad.
Numa entrevista ao jornal britânico The Sunday Times – a primeira dada por alguém que pertenceu ao círculo íntimo daquela que se tornou uma célula terrorista portuguesa em Londres –, a mulher, de 30 anos, revelou ainda que alertou as autoridades sobre o grupo muito antes da sua partida para a Síria e confirmou uma suspeita: durante anos eles manipularam o estado social britânico para obterem subsídios de desemprego, de habitação e de estudantes. Foi com esse dinheiro que financiaram as suas actividades e viagens à Síria. Shima Essanoor decidiu contar o que viveu com o grupo de radicais depois de ler na imprensa britânica o resultado da investigação conjunta da SÁBADO edo The Sunday Times,
que revelou as identidades e a presença de várias mulheres de jihadistas portugueses em campos de detenção na Síria. Chamou-lhe a atenque ção a história de Reema Iqbal, mulher de Celso Costa – foi através dela que conheceu Sadjo Turé (cuja fotografia em adulto é pela primeira vez revelada pela SÁBADO).
Shima e Reema tornaram-se amigas em 2005, ainda na escola. Ambas provinham de famílias imigrantes e muçulmanas. Nenhuma era religiosa. Mas, recordou, quando o namorado de Reema Iqbal a deixou ela voltou-se para o islão. “Um dia conheceu um convertido negro que lhe perguntou do nada: ‘irmã, estás à procura de um casamento?’ O tipo estava a emparelhar pessoas… e na cabeça da Reema foi o destino”, diz.
Radicalizados em grupo
O homem que lhe foi apresentado foi Celso Rodrigues da Costa, que se viria a tornar o primeiro português a surgir num vídeo de propaganda do autoproclamado Estado Islâmico (EI). Originário da região de Lisboa, onde nasceu a 15 de Abril de 1986, Celso tinha viajado para Londres entre 2006 e 2007. Aí juntou-se ao amigo de infância, Sadjo Turé, o único muçulmano do grupo e que, nessa época, revelou Shima, era já um admirador do pregador radical Anjem Choudary. Reema e Celso – que tinha adoptado o nome muçulmano Isa, ou Jesus, em árabe – casaram em poucas semanas. A cerimónia realizou-se na casa da família Iqbal. E indiciava o aí vinha. “Não nos misturámos. As mulheres estavam no piso de cima. Só falámos através da porta”, diz Shima.
Foi através de Reema e de Celso que a britânica conheceu Sadjo Turé. “Sei que hoje parece loucura”, contou ao The Sunday Times. Aceitou, diz agora, “para enfurecer o pai”. No Verão de 2010 os quatro já viviam juntos num apartamento que pertencia a Nero Saraiva – que viria a ser considerado o líder do grupo. No dia-a-dia, conta Shima, os não muçulmanos eram classificados como “porcos” e “infiéis”. Ao mesmo tempo, viviam de subsídios: de desemprego, de habitação e de estudantes. Sadjo Turé ganharia também
SHIMA CONTOU O QUE VIVEU DEPOIS DE LER A INVESTIGAÇÃO DA SÁBADO E DO THESUNDAYTIMES
milhares de libras num esquema de fraude com cartões de telemóvel. Todos acreditavam que os ataques terroristas no Reino Unido eram legítimos e discutiam a possibilidade de fazer a jihad no estrangeiro – e sempre que o faziam desligavam os telemóveis e deixavam-nos numa sala diferente para evitar escutas. Para Shima, as coisas começaram a mudar quando engravidou e, mesmo assim, Sadjo insistiu que viajassem para uma zona de guerra. “A Reema disse-me que ficava com um dos bebés. O Sadjo também. Foi quando percebi que estavam doidos”, contou. A 26 de Dezembro de 2010 saiu de casa enquanto os outros dormiam. Pouco tempo depois, contou o que sabia às autoridades. “Avisei a polícia sobre este grupo. Se tivessem feito mais e levado a sério o que eu disse, será que essas decapitações tinham ocorrido?”, questionou.
A decapitação a que Shima se refere, sobretudo, é a do repórter americano James Foley. Várias semanas antes da execução, Nero Saraiva partilhou no Twitter uma informação que indiciava saber o que se viria a passar: “Mensagem para a América: o Estado Islâmico está a fazer um novo filme. Obrigado pelos actores.”
Da Tanzânia para a Síria
Separado de Shima, Sadjo casou com Zara Iqbal, a irmã mais nova de Reema. E foi com a nova mulher grávida que Sadjo viajou no fim de 2011 para a Tanzânia onde, em Fevereiro de 2012, nasceu o primeiro filho do casal, Yusha. Foi nessa zona que vários britânicos tiveram treino terrorista – incluindo Mohammed Emwazi, conhecido por “Jihadi John”.
Nos meses seguintes, de acordo com as informações recolhidas pela SÁBADO, Sadjo Turé terá viajado para a Síria onde, com Nero Saraiva e os irmãos Celso e Edgar Costa, terá estado envolvido no rapto dos jornalistas John Cantlie e Jeroen Oerlemans em Julho de 2012. Entre os sequestradores estaria também o médico Shajul Islam, que era casado com a irmã mais velha de Reema Iqbal e, apurou a SÁBADO, se tornou muito próximo de Celso Costa, que se referia a ele como “o doc”.
O facto é que a 9 de Janeiro de 2013, Sadjo foi preso no aeroporto de Gatwick por suspeitas de envolvimento no rapto de Cantlie. Uma semana depois foi libertado – e começou a preparar a partida. Primeiro enviou a mulher e o filho para Lisboa onde, em Junho de 2013, apanharam um avião para a Turquia, na companhia de Celso Costa, Reema Iqbal e o filho de ambos, Ibraheem. Depois vendeu a casa da família. Só chegou à Síria no fim de Março de 2014. Ofereceu-se para combatente e, de acordo com os registos do EI, disse ter dois filhos – Zara estaria grávida quando viajou. Na Síria viria a nascer uma terceira criança. Já Sadjo terá morrido em meados de 2015.
MESMO COM A MULHER GRÁVIDA, SADJO INSISTIU QUE VIAJASSEM PARA UMA ZONA DE GUERRA