Pegar o toiro pelos cornos
UMADASNOTÍCIAS mais reconfortantes dos últimos dias foi a hipótese de dois deputados socialistas apresentarem um projecto-lei no parlamento que introduza o velcro nas touradas à portuguesa (que passariam assim a ser toiradas “à americana”, de acordo com as regras vigentes na Califórnia). Até Manuel Alegre e o PAN apreciaram a ideia e, em declarações à Rádio Renascença, um dos proponentes visionários, Pedro Delgado Alves, descreveu o seu sonho de “espectáculos tauromáquicos sem bandarilhas”, onde o sangue do animal passaria a ser uma miragem pagã de tempos bárbaros e desconcertantes. Já aqui escrevi que não gosto de toiradas, nelas não descortinando sombra de “espectáculo” – a maioria dos amantes das “corridas” parece concordar comigo, já que o número de frequentadores de praças de toiros diminuiu 45% na última década, o que as aproxima a galope da extinção. Mas aplaudo com as duas mãos – e se mais tivesse, com mais ímpeto aplaudiria – esta versão light do embrutecido show taurino.
Não podemos é ficar por aqui. Torna-se urgente aproveitar o ímpeto reformista destes heróis PC do PS, aprovando salas de cinema sem som (sabe-se que mais de 90 decibéis provocam incómodo auditivo e lesam a cóclea, é preciso proteger a cóclea), concertos do NOS Alive e do Super Bock Super Rock só para praticantes de ioga e homens-estátua – os pulos da audiência prejudicam as placas tectónicas que se com- primem ao largo da costa lusitana, acentuando o risco de terramotos –, ópera sem tenores e sopranos abaixo dos 70 quilos (a obesidade mórbida é um dos grandes flagelos do século XXI), restaurantes com pratos desprovidos de cebola, alho, pimentos, bacalhau, caril, queijo ou marisco – o mau odor de qualquer dos produtos pode ferir a sensibilidade de algum cliente mais fofo e vegan –, futebol sem bola (toda a gente sabe que o couro, o poliuretano e o PVC são substâncias nocivas) e circo sem animais (já acabaram com isso, mas nunca fiando), palhaços, contorcionistas, malabaristas e trapezistas, todos potencialmente lesivos para a saúde física e mental dos espectadores. Este movimento hipstercleanecoglutenfreedeviaalastrar-seàvidaprivadadoscontribuintes: se há tourada sem bandarilhas, porque não banho sem água, conversas sem diálogo e beijos sem lábios?