SÁBADO

Entrevista

Colaborado­r do maior jornal israelita, o Yedioth Ahronoth , e do The New York Times, para escrever o seu oitavo livro investigou a história da Mossad. O resultado foi Ergue-tee Mata Primeiro, A História Secreta dos Assassínio­s Selectivos de Israel, editad

- Por Cátia Andrea Costa

O jornalista israelita Ronen Bergman fala sobre a “eficiente e letal” Mossad

Foi contactado pela Random House em 2010 para escrever um novo livro sobre os serviços de inteligênc­ia de Israel, a “eficiente e letal” Mossad. O prazo de entrega terminava em 2012, mas só ao fim de seis anos foi publicado. A SÁBADO falou com Ronen Bergman, de 46 anos, por telefone, numa entrevista com alguns percalços: o trabalho do jornalista em Israel levou a que fosse dividida por dois momentos, separados por mais de uma semana.

Demorou cerca de oito anos a escrever o livro… “Não há um único evento, nos últimos 70 anos, que não tenha tido autorizaçã­o da Mossad”

Não quero que pensem que sofri, foi muito agradável. Houve algumas decisões que causaram este horrível atraso. A principal foi ter ignorado quase tudo o que já tinha sido escrito sobre o tema. A intenção era colocar tudo num contexto histórico e político. Quando fazes as perguntas certas às pessoas certas consegues as respostas certas. Entreviste­i cerca de mil pessoas, só fontes credíveis, corroborei todas as histórias.

Como chegou a essas fontes?

Abordei grande parte dos entrevista­dos na altura certa, era a última chance para contarem a verdade dos devido à idade. Algumas dessas fontes guardaram documentos secretos, que se “esqueceram” de devolver. Fui muito afortunado por aceitarem partilhá-los comigo. Demorei cinco anos a convencer o antigo chefe das operações especiais da Mossad, Mike Harari, por exemplo.

Ficou surpreendi­do com o que reuniu?

Há cerca de três anos, percebi que tinha um conjunto significat­ivo de material novo e fiquei muito feliz. Por exemplo, descobri que Ariel Sharon [então ministro da Defesa] mandou o exército abater um avião de passageiro­s no qual se pensou que ia o líder da Organizaçã­o para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat. A força aérea não cumpriu a ordem.

Porque acha que a Mossad nunca matou Arafat?

Houve dezenas de tentativas falhadas, fosse porque Arafat era muito esperto ou muito sortudo. Além disso, a Mossad concluiu – e convenceu o primeiro-ministro – que Arafat se tornara uma figura política e não devia ser assassinad­o.

Sentiu pressão governamen­tal antes ou depois de lançar o livro?

Bem... prefiro não responder. O livro está na rua e recebi vários comentário­s bons.

Israel seria o que é hoje sem a Mossad?

Não há um único evento, nem uma única decisão, nos últimos 70 anos, que não tenha tido autorizaçã­o e participaç­ão da inteligênc­ia israelita. Para o bem e para o mal. Não é possível entender a história do Médio Oriente sem entender este dado.

Os membros da Mossad são heróis nacionais?

São vistos como os protectore­s do Estado, os guardiões do mundo. Não há profissão, estrutura governamen­tal ou agência que tenha mais popularida­de.

O livro mudou o pensamento dos israelitas sobre os serviços secretos?

Espero que surjam questões sobre os preços moral e político que o país pagou por avançar com medidas como os assassinat­os estratégic­os.

O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e a Mossad têm uma boa relação?

Israel é uma democracia, logo, Nethanyahu é o chefe da Mossad e não existe um desafio à sua autoridafa­ctos

de, só divergênci­as pontuais. O actual chefe, Yossi Cohen, é muito próximo do Governo.

A Operação Eichmann, em 1960, é a mais importante da agência?

Não, não. Foi uma operação simbólica: Eichmann, um dos principais rostos do Holocausto, era apenas um homem em fuga. Também ajudou a mostrar ao mundo o poder da Mossad – foi a primeira operação que se tornou pública.

Assim sendo, qual foi a operação mais espectacul­ar?

Talvez a que permitiu matar, em 2008, o comandante militar do Hezbollah, Imad Mughniyeh. Foi uma das mais complexas operações da Mossad, brilhante e dramaticam­ente concretiza­da. Era o inimigo que mais danos causara a Israel e durante quase 30 anos os serviços de espionagem e defesa tentaram matá-lo.

Diz que os serviços secretos preferiram “deixar escapar” Josef Mengele, médico das SS de Hitler. Porquê?

A Mossad pôde capturá-lo duas vezes, em 1962 e 1968, e deixou-o ir porque preferiu usar os seus recursos limitados em ameaças reais e não a “capturar fantasmas do passado”.

Recrutar Otto Skorzeny, o nazi que era o “homem mais perigoso da Europa”, prova que não há impossívei­s para a Mossad?

A agência conseguiu recrutar Skorzeny devido ao seu prestígio. A Mossad tornou a capacidade de recrutar agentes, mesmo inimigos, uma arte.

Mas era um passo arriscado…

O mais importante foi a capacidade da Mossad de decidir que o queria recrutar, que os desafios eram mais importante­s que o passado. Não sei quantos países seriam capazes de pensar assim “fora da caixa”.

Existem vários mitos sobre a Mossad. Quais os mais curiosos?

Há vários mitos sobre a captura de nazis e Israel apanhou apenas dois. A eliminação de todos os responsáve­is pelo ataque aos atletas olím-

picos em Munique, em 1972, também não é verdade. O livro lida apenas com factos e sei que alguns deles desapontam as pessoas.

Qual foi o falhanço mais importante da agência?

Devemos falar em decisões estratégic­as. O falhanço táctico mais importante foi a captura de Eli Cohen, espião israelita em Damasco, em 1965 [n.d.r.: depois de a Síria descobrir o seu trabalho de contra-espionagem]. Mas também há o assassinat­o por engano de um empregado de mesa chamado Ahmed Bouchiki em Lillehamme­r, na Noruega, em 1973 [ndr: confundido com Ali Hassan Salameh, do grupo terrorista Outubro Vermelho]. Ou a tentativa de matar o líder do Hamas Khaled Meshaal em 1997, na Jordânia. E o assassinat­o de Mahmoud Abdel Rauf al-Mabhouh (Hamas), no Dubai, em 2010.

Esta última operação é das mais polémicas. O que correu mal?

Sentiram-se tão superiores à polícia que negligenci­aram princípios básicos. Usar os mesmos passaporte­s, nas operações de vigilância e no momento final, foi o erro que desencadeo­u todos os outros.

Entrevisto­u pessoas como Robert Hatem, libanês que diz ter ordenado a morte de cerca de três mil pessoas. Foi difícil?

A primeira coisa que fiz, depois da entrevista, foi tomar banho. Não consigo explicar quão doente me senti. Mas é preciso falar com estas pessoas, apesar de qualquer julgamento moral.

Como é que a Mossad se tornou tão famosa?

A fama advém de se ter mantido secreta, pelo menos, até à publicação deste livro. [Risos] Israel, ao contrário da maior parte dos países ocidentais, não hesita em ter atitudes pró-activas e agressivas contra os inimigos. A Mossad não só recolhe informação, como entra em acção. Depois, as poucas missões que se tornaram públicas criaram a ideia de uma agência eficiente e letal, tudo com o objectivo de defender o país.

Porquê o título Ergue-te e Mata Primeiro?

Durante as entrevista­s, muita gente citou o Talmude da Babilónia que diz “se alguém aparecer para te matar, levanta-te e mata-o primeiro”. Ou seja, se estás sob ameaça deves reagir. É uma combinação entre as lembranças do Holocausto e as ameaças que Israel enfrenta desde que nasceu, em 1948.

Os assassinat­os selectivos funcionam?

Entre 2001 e 2004, o Hamas e a jihad lançaram uma campanha de bombistas-suicidas em Israel. A única maneira de parar estes elementos foi levar a cabo a maior operação de assassinat­os selectivos de sempre. Quando Israel começou a matar os mandantes, estes passaram a pensar duas vezes. É uma prova concreta de como os assassinat­os selectivos podem, nalguns casos, mudar a história e salvaram Israel de entrar em guerra contra a Autoridade Palestinia­na.

Quais são os próximos desafios da inteligênc­ia de Israel?

Um deles é a situação na Síria, a aliança militar ali estabeleci­da, tentando criar uma nova frente para o Hezbollah, que não apenas no Líbano. O outro desafio é o controlo de Gaza por parte do Hamas.

Poderá a Mossad ter de mudar de estratégia?

A Mossad está envolvida no Líbano e na Síria e não em Gaza, mas agora não se tratada da Mossad. Israel não pode ganhar a guerra e eliminar por completo o inimigo e é preciso perceber que, periodicam­ente, teremos um novo round de confrontaç­ão. Temo que a única maneira de haver paz no Médio Oriente seja com a boa vontade de Deus.

Como comenta o caso de Jamal Khasoggi, morto pelos serviços secretos da Arábia Saudita?

Foi o assassinat­o de um jornalista que não representa­va qualquer ameaça para o reino. Foi uma decisão muito estúpida.

Depois de quase oito anos de pesquisa, diria que o mundo da espionagem é tão interessan­te como um filme do 007?

O007éum one-man show e faz tudo sozinho – hackeia os PCs, explica ao MI6 a informação que encontrou, segue os alvos, salta de telhados, atira-se de helicópter­os, corre pelos supermerca­dos, atinge os maus e chega a casa a tempo de estar com as mulheres mais bonitas e beber um Martini agitado, mas não mexido. No mundo real, tudo isto engloba por vezes centenas de pessoas. É muito mais interessan­te.

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Bergman diz que a Mossad concluiu que Yasser Arafat se tornara uma figura política relevante e não devia ser assassinad­o
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Pedidos de Bergman para aceder a arquivos do Estado aumentaram as cláusulas de confidenci­alidade de 50 para 70 anos

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