SÁBADO

Blind date

Lídia e João lideram as maiores federações partidária­s de jovens e nunca se tinham falado até a SÁBADO os juntar. Touradas e geringonça foi o que mais os separou.

- Por Sara Capelo

Apresentám­os os portuguese­s que lideram as maiores juventudes europeias

Ele adicionou-a no Facebook, ela aceitou, mas ainda não tinham conversado – nem sequer naquela rede social. Conheceram-se no estúdio da SÁBADO: um olá, dois beijinhos, seguido de um pedido de Lídia Pereira (LP), 27 anos, para fazer um telefonema. Neste final de tarde chuvoso de quinta-feira, dia 22, a nova líder da organizaçã­o de jovens do Partido Popular Europeu, o YEPP, tem um problema urgente: decidiu retirar o apoio ao candidato no Fórum Europeu da Juventude, que iria a votos no dia seguinte. O vídeo que preparara tinha de ser retirado. “Espero que ainda vá a tempo.”

Com um tom simpático, mas provocatór­io, João Duarte Albuquerqu­e (JDA), 31 anos, ainda sugere um apoio de última hora à sua candidata, que é vice-presidente do YES, a organizaçã­o que agrega os jovens socialista­s europeus e que ele lidera. A resposta de Lídia é vaga, mas marca o tom para a conversa na próxima hora a meia: há muito que separa os dois portuguese­s – os primeiros a liderar estas federações partidária­s. A SÁBADO desafiou-os a conhecerem-se numa espécie de blind date com cinco perguntas sobre as suas ligações ao PSD e ao PS, os seus ídolos ou a geringonça. Com espírito jornalísti­co, apesar de ser economista, Lídia acrescenta­ria outra pergunta:

Talvez ao contrário do PS, [no PSD], quando discordamo­s há sempre um grande tumulto e eu gosto dessa dinâmica Lídia Pereira

LP: Vais na lista às europeias?

JDA: O PS é lento nesse processo. Só saberemos lá para Fevereiro, Março.

Gostariam de ser eurodeputa­dos, insistirá a SÁBADO mais tarde. João, que estudou Ciência Política, sublinha que “é um erro – e já milito há 13 anos, quase 14, tenho visto isso acontecer muitas vezes – quando as ambições pessoais são por cargos”, Lídia acena, está de acordo: “Nunca foi um objectivo.” Apesar de chutar a ambição para fora de campo, o socialista admite que “é um desafio que gostaria de abraçar”: “O percurso que tenho traçado dá-me alguma experiênci­a ao nível da percepção do que são os problemas europeus e dos principais desafios que encaramos como jovens.” A social-democrata diz que se chegasse ao Parlamento Europeu poderia ali “ter capacidade de influencia­r ainda mais a política europeia e conseguir implementa­r mesmo a filosofia do YEPP, ver plasmado em acções concretas aquilo que discutimos”. Sente a falta de acesso às instituiçõ­es europeias, mais do que aos líderes: “Facilmente chegamos a primeiros-ministros, a chancelere­s”, conta.

LP: Porque é que és do PS? JDA: Sempre tive uma participaç­ão cívica muito activa, na escola, nas associaçõe­s de estudantes e quando

fiz 18 anos achei que era o partido com o qual me identifica­va mais fortemente. Considero-me um social-democrata convicto, não no sentido português, mas europeu, e acho que há uma história muito forte que o PS desempenho­u em Portugal. E tu, porque é que és do PSD?

LP: Não me filiei cedo. Foi já quando tinha 21 anos. Mas é sobretudo pela matriz social-democrata portuguesa com que mais me identifico, pelos valores da liberdade, da democracia e pela essência do partido, em que, talvez ao contrário do partido socialista, quando nós discordamo­s há sempre um grande tumulto e eu gosto dessa dinâmica.

JDA: [risos] Não é bem assim, mas podemos falar disso mais tarde.

Não acho que a política possa ser encarada como profissão. Tenho muitas outras coisas para fazer João Duarte Albuquerqu­e

Há quase 14 anos, à medida que a maioridade se aproximava, João sabia que queria militar num partido. “A minha indecisão era se estaria mais próximo do Bloco ou do PS e acabei por achar, depois de alguma reflexão, que me identifica­va mais com o PS.” Foi à sede do partido no Barreiro, onde nasceu e cresceu, que estava fechada. Enviou a ficha e só depois conheceu os jovens socialista­s locais. Em Coimbra, os amigos próximos de Lídia eram da Juventude Social Democrata: com eles, “acabei por começar a ser mais activa civicament­e e, portanto, foi quase uma decisão natural filiar-me”.

JDA: O meu ídolo político é cliché: não há pessoas em Portugal que sejam do PS e não se identifiqu­em com a figura do Mário Soares e a importânci­a dele no período revolucion­ário e democrátic­o. Mas tenho outro ídolo, que preconiza o que é a minha visão do que poderia ser a social-democracia europeia: Olof Palme.

LP: Para mim, a referência é Francisco Sá Carneiro. É das referência­s primordiai­s do PSD, à época PPD.

Neste ponto não há discordânc­ia: ambos apoiam os actuais líderes. Lídia apoiou Rui Rio, “o rosto da transparên­cia”, na corrida à liderança do PSD e acredita que “daria um excelente primeiro-ministro” e que “vai surpreende­r”. António Costa,

Q diz João, “é uma pessoa com capacidade ímpar de liderança política”.

JDA: Eu vou-te deixar responder a esta primeiro [risos].

LP: Sobre a geringonça, o que é que eu acho? A geringonça tem funcionado. É um acordo parlamenta­r, funciona. Não concordo [risos]. É muito estranho ver, sobretudo no plano europeu, partidos à esquerda do PS, como o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, a apoiarem um Governo que acaba por seguir a filosofia que tanto criticaram durante muitos anos e que consegue eleger até um presidente do Eurogrupo.

JDA: A geringonça tem muito mérito no percurso que Portugal percorreu nestes últimos três anos. Sobretudo para nós, enquanto socialista­s portuguese­s e numa perspectiv­a europeia, tem o condão de mostrar às instituiçõ­es europeias que há uma alternativ­a à forma como as políticas são implementa­das. A geringonça ainda tem muitas pernas para andar.

LP: Discordo profundame­nte [risos].

Odesempreg­o jovem em Portugal ainda é dos mais altos na Europa (já descontada a sazonalida­de, estava nos 19,5%, em Agosto). João, que é adjunto do ministro da Administra­ção Interna, sublinha o nós, do governo, do PS: “Temos conseguido reduzir de forma consistent­e e acentuada o desemprego jovem. Mas continua a ser um problema: os salários mínimos e baixos, comparativ­amente com os outros países da Europa. “Tenho falado e tentado perceber o que seria factor de atracção para os jovens voltarem a Portugal e há uma cultura de trabalho que é desincenti­vadora (trabalhamo­s muitas horas, de forma pouco produtiva, com separação vida pessoal, trabalho)”, diz João. Lídia respondeu-lhe: “É preciso também não diabolizar os que estão fora porque querem estar fora. É uma possibilid­ade que a União Europeia nos deu.” Ambos fizeram Erasmus e ficaram marcados por esta liberdade europeia de mobilidade. João já trabalhou no estrangeir­o e decidiu regressar. Depois de concluir o mestrado em Bruges, Lídia fez um estágio num banco no Luxemburgo e agora trabalha numa consultora em Bruxelas. Tudo foi “acidental” no seu percurso. À frente do YEPP – onde está a juventude partidária do Fidesz do primeiro-ministro húngaro Viktor Óban – ela tem a missão mais difícil, mas sempre coordenada com o PPE, que até à data não

A minha indecisão era se estaria mais próximo do Bloco ou do PS João Duarte Albuquerqu­e A geringonça tem funcionado. É um acordo parlamenta­r, funciona. Não concordo [risos] João Duarte Albuquerqu­e

avançou com nenhum processo de expulsão deste partido de extremadir­eita: “Enquanto há margem para diálogo, não vamos estar a tomar medidas drásticas. Pode dificultar a mensagem, mas o YEPP é claro, somos a favor dos valores europeus. Não há um YEPPxit.”

LP: O que te preocupa na Europa?

JDA: É a ascensão da extrema-direita, os partidos que se têm assumido abertament­e xenófobos, racistas, que raiam uma ideologia neofascist­a e neonazi, em alguns casos. Vários países têm traçado esse percurso recentemen­te (a Hungria, a Polónia). Outra coisa que me preocupa muito é a relação com o Reino Unido.

LP: Nisso concordo contigo, preocupa-me o extremismo que paira em toda a Europa, mas acho que enquanto houver abertura para o diálogo, não temos de fechar portas, nem deixar cair soluções.

JDA: Gostavas de fazer da política a tua profissão?

LP: Hum... Eu encaro a política como uma missão, que durará um determinad­o período de tempo e nunca vi como a minha profissão. Vi sempre como algo que posso devolver à sociedade.

JDA: [Risos] Eu diria exactament­e o que disse a Lídia. Não acho que possa ser encarada como uma profissão. É um dever cívico, acima de tudo. O exercício deste tipo de cargos, que ocupam muito tempo e que exigem uma grande dedicação, será sempre limitado no tempo. Tenho muitas outras coisas para fazer [risos]. E, portanto, como profissão, não.

Já tinham saído do estúdio onde a conversa decorreu quando João viu uma notícia numa televisão sobre o IVA nas touradas. Perguntou a Lídia: “O que pensas das touradas?” A social-democrata respondeu: “Sou a favor.” Ele: “Sou totalmente contra.” O debate continuou pelo corredor fora, com cada um a lançar argumentos sobre a tradição versus o sofrimento dos animais. Na hora e meia que estiveram juntos, não houve tema em que discordass­em tanto. Despediram-se, já na rua, com dois beijinhos. “Gostei de te conhecer.”

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 ??  ?? Lídia Pereira É de Coimbra, estudou Economia e chegou no início de Novembro à liderança do YEPP. Vive e trabalha em Bruxelas: mas as suas decisões de carreira foram até agora “um acaso” João Duarte Albuquerqu­e O barreirens­e, de 31 anos, estudou Ciência Política, já trabalhou no estrangeir­o, mas vive em Lisboa, onde trabalha como adjunto do ministro da Administra­ção Interna
Lídia Pereira É de Coimbra, estudou Economia e chegou no início de Novembro à liderança do YEPP. Vive e trabalha em Bruxelas: mas as suas decisões de carreira foram até agora “um acaso” João Duarte Albuquerqu­e O barreirens­e, de 31 anos, estudou Ciência Política, já trabalhou no estrangeir­o, mas vive em Lisboa, onde trabalha como adjunto do ministro da Administra­ção Interna

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