Reportagem
O manto da Rainha D. Amélia tem milhares de rasgos, perdeu parte do veludo e o bordado em fio de prata oxidou. Está a ser recuperado no Museu dos Coches, em Lisboa.
Como está a ser restaurado o manto da última Rainha de Portugal, D. Amélia
Há dois meses que o manto real de D. Amélia repousa sobre uma mesa enorme na oficina de restauro do Museu Nacional dos Coches. De luvas calçadas e munidas de pinças, duas restauradoras especialistas em têxteis curvam-se sobre ele. “A degradação é evidente: o fio de prata está escuro, o tom do pêlo do veludo rosa acastanhado e há áreas extensas de perda de pêlo”, revela à SÁBADO Madalena Serro. Quando a restauradora pega na gola do manto, um pedaço de fio de prata solta-se e cai na mesa. “Estão sempre a soltar-se fragmentos”, conta.
Com quase quatro metros de comprimento e três metros de largura, a imponência do manto impressiona. Mas os 132 anos que passaram por ele provocaram milhares de rasgões e a peça, classificada como tesouro nacional em 2006, está a ser alvo de um restauro urgente.
Além de tesouro nacional, o manto é uma peça especial para o Museu dos Coches, já que foi oferecido pela própria Rainha, a fundadora da instituição.
Usado apenas duas vezes
A peça, em veludo rosa-argenté e bordado em fio de prata, foi oferecida pela cidade de Paris quando a então princesa francesa, Maria Amélia de Bourbon-Orléans, se casou com o herdeiro português, o príncipe D. Carlos, em 1886. Durante o seu reinado, foi usado apenas duas vezes. A primeira, seis anos depois, na capela do Palácio das Necessidades quando a Rainha foi condecorada pelo Papa Leão XIII com a Rosa de Ouro, entregue a monarcas católicos. A segunda vez foi em 1899 na recepção de gala realizada no Palácio da Ajuda para comemorar os 12 anos do príncipe D. Luís, herdeiro da coroa portuguesa.
Depois disso não há registo de ter sido usado novamente. Após a Implantação da República, em 1910, o manto viajou juntamente com os pertences da família real para Londres, Inglaterra, onde D. Amélia e o Rei deposto, D. Manuel II, se exila-
ram. Mais tarde, em 1922, a Rainha mudou-se para uma mansão em Le Chesnay, perto de Versalhes, em França. Mas o manto não terá sido retirado da sua caixa ou cabide, onde estaria guardado. Por temperamento, a Rainha era pouco dada a luxos e nem mesmo para o casamento de D. Manuel II, em 1913, o usou. Depois, durante a Primeira Guerra Mundial, em que a monarca trabalhou como enfermeira da Cruz Vermelha, não houve ocasiões para tal. O mais provável é que o manto só tenha saído da dita caixa em 1936, quando D. Amélia resolveu doá-lo ao Museu dos Coches, fundado por si em 1905. Pouco depois, o manto seria exposto no antigo picadeiro do Palácio de Belém.
Foi daí que a peça de veludo e prata foi retirada em Setembro para ser restaurada. O projecto é complexo. Qualquer intervenção tem de ser aprovada pelo Laboratório José de Figueiredo, entidade estatal especialista em restauro de bens culturais. E até o transporte – que se limitou a atravessar a rua do antigo edifício ao novo – teve de ser pensado e planeado. “Usaram-se rolos de enchimento em malha de algodão para conseguirmos dobrar o manto sem provocar mais danos, e transportá-lo pelas passagens estreitas do museu antigo”, descreve Madalena Serro. O manto foi depois envolto em pano de algodão e colocado numa carrinha que o levou até à porta da oficina de restauro, a escassos 100 metros de distância. Tudo foi pensado ao pormenor. A mesa na qual o manto foi estendido está revestida por um enchimento de espuma de polietileno, coberto por um pano de algodão e por TYVEK, um material que permite que o tecido deslize sem criar atrito nem electricidade estática.
Veludo com muitos cortes
O manto foi fotografado e as restauradoras fizeram o registo gráfico do bordado para memória futura. Seguiu-se a desmontagem. “Retirámos o forro de cetim e a entretela. Os fios de costura foram cortados em vários pontos. Não podemos puxar o frio para não causar danos.” Foi então que as restauradoras avaliaram os danos. “O veludo tem centenas de lacerações, mas se contarmos com o folho, são aos milhares”, enumera a restauradora Eva Armindo. Às lacerações, termo técnico para rasgões, juntam-se algumas lacunas, áreas em que é necessário pôr uma espécie de remendo. “O peso do bordado metálico propiciou a degradação”, explica Eva Armindo. Mas o estado da peça não surpreendeu as técnicas. “Os materiais degradam-se com o tempo e os têxteis são muito frágeis, mesmo protegidos dentro de vitrinas. O oxigénio e a luz causam danos e até as peças nas melhores condições de preservação envelhecem”, garante a restauradora. “O manto
A RAINHA DOOU O MANTO EM 1936 AO MUSEU DOS COCHES, QUANDO ESTAVA A VIVER EM FRANÇA