SÁBADO

JOÃO PEREIRA COUTINHO

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FUGIRAUMEX­AME,

não entregar um ensaio: quem atira a primeira pedra? No meu tempo de estudante, quando ainda não pensava que um dia ia escrever “no meu tempo”, a doença era a desculpa ideal. Para um hipocondrí­aco como eu, ideal e erudita: era capaz de justificar os meus males com tal precisão científica que o professor ficava a tremer, antes de me dar a sua bênção.

Já não sou doente. Sou docente. Pouca diferença haverá, eu sei, apenas um “c” entre vogais. Mas vejo com agrado que as moléstias continuam a ser usadas e abusadas pelos mancebos. Também já encontrei desculpas que não estavam no cardápio: há uns anos, um aluno dizia-me que não tinha escrito o ensaio porque estava apaixonado. Quando ele se preparava para me relatar os sintomas, absolvi-o de imediato e marquei um novo prazo. Que ele voltou a não cumprir. Imagino que se matou, ou casou, entretanto.

Mas que dizer da Universida­de de Sheffield, que seguiu a de Nottingham, ao dispensar de exames ou ensaios os alunos que se sentem “desconfort­áveis” com os temas sob avaliação? Mais: informa o The Times que os alunos não precisam de justificar o “desconfort­o”. Basta que questões de raça, identidade de género, política, incesto, VIH/sida, fé, religião, sexualidad­e, saúde mental, pedofilia, droga, álcool, aborto, violação, suicídio, violência sexual (ou doméstica), deficiênci­a, tortura, morte ou luto façam disparar um qualquer alarme interior. Ainda segundo o jornal, a decisão foi tomada depois de episódios traumático­s no curso de Estudos Literários, quando os alunos foram expostos a um livro de Toni Morrison. À primeira vista, o horror perante Morrison até seria compreensí­vel. Por motivos literários, não extraliter­ários.

Porque, aqui entre nós, se os únicos livros que os alunos toleram têm de ser limpos dos vícios supra citados, não sei o que sobra. Mas sei que se abrem aqui várias oportunida­des de carreira: produzir romances tão ocos como as cabeças dos estudantes.

Pela minha parte, só lamento que esta doutrina não tenha aparecido mais cedo. Sobretudo com o meu talento para recriar ataques de pânico. Tenho a certeza que teria feito o curso na posição de que mais gosto: a horizontal.

SONDAGEM APÓSSONDAG­EM

,oPS espreita a maioria absoluta. Mas não a atinge. Bizarro. À direita, o PSD destróise nas suas guerras e mediocrida­des e o CDS, até prova em contrário, não dá sinais de vida. À esquerda, é o deserto: os parceiros estagnaram e estão reduzidos à sua expressão habitual. Perante este charco, não admira que António Costa e Carlos César, novamente em sintonia, tenham como ambição rapar dos dois lados da travessa. Como? Apresentan­do o PS como o grande partido nacional (e virginal) por contraposi­ção aos oportunism­os da esquerda e da direita. O PS não é despesista, respeita as regras europeias, não discrimi- na entre funcionári­os públicos e não tem ansiedades pré-eleitorais.

O PS, em rigor, não é deste mundo; ele paira acima da baixa política e dos baixos políticos – e se houver justiça no coração dos portuguese­s, eles saberão distinguir a selva da civilizaçã­o. Primeiro, nas europeias; depois, nas legislativ­as. Desconheço se o PS vai pedir a maioria absoluta com todas as letras. É indiferent­e. Mudando as palavras, o PS já está a pedi-la ao semear a ideia de que é melhor governar sozinho do que mal acompanhad­o.

AMINISTRA DA CULTURA continua

a deslumbrar. Directamen­te do México, disse a senhora que a grande vantagem de estar no estrangeir­o era não ler os jornais portuguese­s.

O pensamento despertou no auditório memórias funestas de Cavaco Silva. Não era o ex-primeiro-ministro que dizia que não dedicava mais do que 5 minutos à imprensa?

Acontece que a comparação está errada: o dr. Cavaco, pelo menos, ainda passava os olhos pela prata da casa. A srª Fonseca, que só por piada tutela a Comunicaçã­o Social, prefere uma abstinênci­a zelosa. À sua pequena escala, faz lembrar Donald Trump e a hostilidad­e do cavalheiro ao jornalismo doméstico. A mesma atitude de enxovalho e desdém, tão própria de almas pouco democrátic­as.

Verdade que o nosso Donald atinge uma boçalidade que não é para qualquer um. Mas não nos devemos perder em questões de estilo quando a náusea é semelhante.

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Politólogo, escritor João Pereira Coutinho

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