Deve o Estado apoiar os media?
Considerando a questão lançada há dias pelo Presidente da República na sua mais pura abstracção – se o Estado não tem obrigação de apoiar os media –, é óbvio que não deve ser aberta nenhuma porta que conduza a uma intervenção política na comunicação social. Em Portugal já sabemos como funciona. Os governos, mais ou menos atreitos a controlar a mensagem, acabam sempre por querer condicionar a independência dos media. Foi assim com os governos do PS, sobretudo com Sócrates, com os governos de Cavaco Silva e todos os outros. Proença de Carvalho, presidente de um grupo de media, foi ministro da Comunicação Social no IV Governo Constitucional, de iniciativa presidencial (Ramalho Eanes) e liderado por Mota Pinto, ficou mesmo conhecido por “ministro da propaganda”. Hoje, com um riquíssimo currículo nas artes da manipulação, Proença permanece um teórico do jornalismo dito sério, que é ouvido obedientemente em alguns meios por uma audiência caladinha, que adora fazer o factchekingdo inimigo ideológico ou mesmo ser a guarda pretoriana do antigo ministro da propaganda. É espantoso como se levam a sério. O lucro é o único caminho para a independência, mesmo que isso custe muito a alguns sectores jornalísticos, que pugnam por um mecenato maquilhado por nobres mas virtuais declarações e pactos de intenções. Basta pensar no mundo do GES/BES, que, acobertado pelas mesmas proclamações de boas intenções, metia quem queria no bolso quase ao preço do croquete. Ainda hoje consegue varrer os seus processos judiciais, do amigo Sócrates e de alguns amigos de Angola das primeiras páginas dos jornais onde ainda mandam. Com cumplicidade silenciosa, diga-se, de uma boa parte da classe jornalística, que se especializou no maniqueísmo moral.
Discutir um regime de apoios tem, portanto, muitos escolhos no caminho mas é uma conversa que vale a pena ter porque nem tudo tem de ser subsidiação directa nos media. Podemos pensar, por exemplo, num sistema de ajudas à indústria contratualizado à luz do direito civil, por exemplo, e não em ineficazes protocolos.
Em França, o sistema de apoios tem uma raiz histórica com mais de 200 anos, que recua a 1796 com a instauração de um regime especial de tarifas postais. A estrutura legal da medida foi evoluindo, sempre com alguma polémica associada, mas teve sempre como matriz essencial a protecção do pluralismo mediático e a garantia de uma escolha real dos leitores no amplo mercado de ideias e informação criado pelo jornalismo. O sistema reparte-se por ajudas directas, definidas por um critério relacionado com tiragens e quotas de receitas publicitárias que não ultrapassem os 25% da receita, mas também apoia a modernização da distribuição; a gestão informática das vendas e respectivo reforço; a criação de redes próprias de distribuição de assinaturas com entrega directa em casa e sem dependência dos serviços postais. A lista é extensa, e nem falámos no que há a fazer em matéria de direitos de autor e de combate aos corsários da Internet. Repete-se noutros países, sobretudo nórdicos, onde existem políticas concretas, escrutinadas e avaliadas pelos tribunais de contas. Não devemos matar, por isso, uma discussão que pode ser muito importante na construção de uma sociedade mais livre e mais empenhada no plano cívico. Estes objectivos são muito mais importantes do que os preconceitos ideológicos à esquerda e à direita que a podem matar. É uma questão demasiado importante para ficar entre as trincheiras do Bloco de Esquerda e da direita liberal que mata tudo o que lhe cheire a Estado. Sobretudo, pode salvar-nos da farsa que é ter ministros com tutela da comunicação social que, na realidade, não sabem nada do sector nem querem saber. Não são, sequer, leitores de jornais!