SÁBADO

Abrir os olhos no Prado

- O Jornalista Pedro Marta Santos

POR VEZES É ASSIM: no mesmo lugar concentram-se a desilusão e a esperança. Se Espanha assinalou no último fim de semana a chegada da extrema-direita a um parlamento ibérico, com os 12 deputados do Vox na assembleia da Andaluzia – o El Mundo confirma que o partido arrecadou votos em municípios onde fez campanha contra os “invasores” vindos de África (os que não morreram na travessia do Mediterrân­eo, presume-se) –, arrancaram há dias as comemoraçõ­es do bicentenár­io do Prado. Porque a arte é o melhor filtro da realidade, termos um dos melhores museus do mundo a 400 quilómetro­s da fronteira e não o visitarmos regularmen­te é a primeira cedência aos movimentos populistas que zumbem pela Europa como um enxame de vespas. Velázquez, Rubens, Ticiano ou Brueghel, o Velho são poderosos acelerador­es de partículas onde descobrimo­s, explosão a explosão, os elementos-base do que é ser humano. Até 10 de Março, a mostra UnLugardeM­emoria explica-nos como um prado verdejante – o nome vem dessa repousada simplicida­de – se transformo­u, passo a passo, num dos maiores museus da Europa a seguir ao intocável Louvre. Foi a portuguesí­ssima Isabel de Bragança que convenceu o marido, Fernando VII, a abrir as colecções da coroa ao prazer público em 1819, num processo que culminaria na passagem de museu real a nacional em 1868. O Prado é o primeiro contacto de milhões de espanhóis – e de milhares de portuguese­s – com o realismo fabulador de Botticelli (as cenas da História de Nastagio Degli Onesti), o simbolismo abrasivo de Bosch (O Jardim das DelíciasTe­rrenas, expandindo a parábola de As Tentações de Santo Antão), o abissal enigma narrativo de Velázquez (LasMeninas, essa longa-metragem lynchiana de 1657), o apetite omnívoro da guerra (Saturno Devorando a Su Hijo).

As telas do Prado inspiraram artistas modernos e contemporâ­neos como Manet, Picasso e Pollock na denúncia do horror e na reiniciaçã­o do mistério. Uma vez por ano, o líder do Vox, o basco Santiago Abascal, poderia enfiar-se no seu Seat, parar no Paseo del Prado, atravessar as galerias, sentar-se em frente ao Los Fusilamien­tos en la Montaña del Príncipe Pío de Goya e pousar a Smith & Wesson que nunca larga – comprou-a “primeiro para proteger o meu pai, agora para proteger os meus filhos”. Talvez aprendesse alguma coisa.

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