Abrir os olhos no Prado
POR VEZES É ASSIM: no mesmo lugar concentram-se a desilusão e a esperança. Se Espanha assinalou no último fim de semana a chegada da extrema-direita a um parlamento ibérico, com os 12 deputados do Vox na assembleia da Andaluzia – o El Mundo confirma que o partido arrecadou votos em municípios onde fez campanha contra os “invasores” vindos de África (os que não morreram na travessia do Mediterrâneo, presume-se) –, arrancaram há dias as comemorações do bicentenário do Prado. Porque a arte é o melhor filtro da realidade, termos um dos melhores museus do mundo a 400 quilómetros da fronteira e não o visitarmos regularmente é a primeira cedência aos movimentos populistas que zumbem pela Europa como um enxame de vespas. Velázquez, Rubens, Ticiano ou Brueghel, o Velho são poderosos aceleradores de partículas onde descobrimos, explosão a explosão, os elementos-base do que é ser humano. Até 10 de Março, a mostra UnLugardeMemoria explica-nos como um prado verdejante – o nome vem dessa repousada simplicidade – se transformou, passo a passo, num dos maiores museus da Europa a seguir ao intocável Louvre. Foi a portuguesíssima Isabel de Bragança que convenceu o marido, Fernando VII, a abrir as colecções da coroa ao prazer público em 1819, num processo que culminaria na passagem de museu real a nacional em 1868. O Prado é o primeiro contacto de milhões de espanhóis – e de milhares de portugueses – com o realismo fabulador de Botticelli (as cenas da História de Nastagio Degli Onesti), o simbolismo abrasivo de Bosch (O Jardim das DelíciasTerrenas, expandindo a parábola de As Tentações de Santo Antão), o abissal enigma narrativo de Velázquez (LasMeninas, essa longa-metragem lynchiana de 1657), o apetite omnívoro da guerra (Saturno Devorando a Su Hijo).
As telas do Prado inspiraram artistas modernos e contemporâneos como Manet, Picasso e Pollock na denúncia do horror e na reiniciação do mistério. Uma vez por ano, o líder do Vox, o basco Santiago Abascal, poderia enfiar-se no seu Seat, parar no Paseo del Prado, atravessar as galerias, sentar-se em frente ao Los Fusilamientos en la Montaña del Príncipe Pío de Goya e pousar a Smith & Wesson que nunca larga – comprou-a “primeiro para proteger o meu pai, agora para proteger os meus filhos”. Talvez aprendesse alguma coisa.