SUÉCIA: MOEDA COM FIM À VISTA
Lojas que não aceitam dinheiro físico, consumidores que não levantam dinheiro e uma moeda virtual na calha. Como é a vida num país onde já não se vêem moedas nem notas?
A circulação de moeda e de notas tem diminuído. Até o banco central sueco quer criar a sua própria moeda digital: a E-krona
Quando chegou à Suécia, Joana levantava todos os meses o seu salário e guardava-o num envelope para o poder gerir melhor. A psicóloga punha de lado o necessário para as despesas e ia gastando o resto. Dez anos depois, assume que, tal como a maioria dos suecos, não conhece bem as notas e as moedas. Nem precisa. “Aqui paga-se tudo com cartão, mesmo que seja uma coroa. Só precisamos de moedas para ir às casas de banho públicas e mesmo assim, algumas já aceitam cartões”, conta Joana Demony à SÁBADO.
A Suécia é um dos países onde a população utiliza menos dinheiro físico no dia-a-dia. Se em 2010 quase metade das compras era feita com moedas e notas, em seis anos este valor caiu para os 15%. As alternativas, como os cartões bancários ou as aplicações móveis, passaram a ser os métodos mais comuns. Mas não é uma ocorrência pontual. “É uma tendência, algo que vários países e respectivos bancos centrais têm tentado fazer”, explica à
SÁBADO Duarte Líbano Monteiro, analista da Ebury, empresa especializada em pagamentos internacionais e gestão de câmbio de divisas. “É uma forma de facilitar a vida ao consumidor, bem como de controlar as transacções e monitorizar eventuais branqueamentos de dinheiro, uma vez que fica difícil não declarar vendas.”
E enquanto as alternativas estão nas mãos dos bancos privados, o Estado quer voltar a ter o controlo,
“AQUI PAGA-SE TUDO COM CARTÃO, MESMO QUE SEJA UMA COROA”, DIZ JOANA, QUE VIVE NA SUÉCIA
ao lançar uma moeda digital. Mas se as carteiras dos suecos já só trazem cartões, o que é que pode mudar? Os bancos suecos começaram a reduzir a quantidade de dinheiro disponível nas caixas automáticas ainda nos anos 2000, altura em que se viveu no país uma vaga de assaltos violentos a caixas-fortes e veículos de transporte de valores. Entre 2005 e 2006, os roubos a carros-fortes renderam mais de 130 milhões de coroas suecas, o equivalente a 12 milhões de euros. O assalto mais emblemático deuse em 2009 e envolveu um helicóptero também ele roubado, uma equipa de sete pessoas e um plano tão meticuloso que nem a polícia foi capaz de actuar. Os ladrões levaram 39 milhões de coroas suecas de um banco pelo tecto (3,7 milhões de euros) e a história está agora a ser adaptada para o cinema pela Netflix. A insegurança levou a uma mudança radical na sociedade. As caixas automáticas começaram a ser retiradas das ruas, passou a ser permitido aos negócios recusar pagamentos em dinheiro e as pessoas começaram a utilizar os cartões bancários para tudo. Uma realidade que contrasta com a portuguesa, onde são negados os pagamentos com cartão bancário ou são impostos valores mínimos para a sua utilização. “Quando cheguei à Suécia notei logo que havia mais facilidade em pagar com cartão, ao contrário de Portugal”, conta à SÁBADO Joana Demony. “Mas foi só há cerca de dois anos que comecei a perceber
Q que há mesmo pouco dinheiro a circular.” Segundo o Banco Central Europeu, em Dezembro de 2017 circulavam notas e moedas no valor de 36 mil milhões de coroas suecas, o que corresponde a cerca de 1% do Produto Interno Bruto do país. Alexandre Pinheiro viveu cerca de oito anos na Suécia antes de se mudar para a Dinamarca, onde trabalha no sector da banca. À SÁBADO, recorda que a primeira vez que se deu conta da pouca circulação de divisa física foi quando um colega lhe pagou algo em dinheiro vivo. “Pela primeira vez tive na mão várias notas e moedas de coroas suecas que ainda não tinha visto apesar de já viver há um par de anos na Suécia”, diz.
Agora na Dinamarca, os hábitos não mudaram. “Só levantei dinheiro para comprar algo em particular a colegas ou amigos. De resto, usamos uma aplicação de telemóvel”, explica Alexandre. Também Joana resume as situações em que se utiliza dinheiro na Suécia: “Quem paga em dinheiro ou é mais velho ou não quer que se saiba o que anda a fazer.”
Swishamos a conta?
Não é só por causa dos cartões bancários que os suecos estão a fazer abrandar as impressoras do Riksbank, o banco central sueco. Em 2012, os maiores bancos do país juntavam-se para facilitar as transferências entre os seus clientes, um processo que, como confirma Alexandre, era “bastante limitado”. Daí nasceu outro arqui-inimigo do dinheiro vivo, a Swish.
Esta aplicação, em tudo parecida à portuguesa MBWay, permite aos seus utilizadores fazer transferências e pagamentos na hora apenas com o telemóvel. O número de telefone fica associado a uma conta bancária e é utilizado como forma de pagamento. O método é tão prático que dois terços da população sueca já o utilizam, até os mais velhos.
João Almeida está há pouco mais de um mês no país e também já se apercebeu da frequência com que as pessoas utilizam o Swish. “Desde que aqui cheguei ainda não vi uma nota ou moeda”, reitera o português. A aplicação é tão utilizada que o seu nome já foi transformado em verbo. “Sempre que vou jantar com os meus amigos, um deles paga a conta com o cartão e os outros swisham o dinheiro”, aponta Joana, esclarecendo que swishar é fazer a transferência através da aplicação.
Mas a diminuição do dinheiro em circulação tem causado preocupação ao Riksbank. Como os suecos não estão a utilizar a moeda emitida pelo banco central, a instituição tem cada vez menos controlo do sistema de pagamentos. O poder passou para as mãos dos bancos.
Como tentativa de reaver o controlo sobre a moeda nacional, o Riksbank está a estudar a possibilidade de criar uma versão digital da coroa sueca, acessível a todos. A Ekrona é definida como “um complemento digital ao dinheiro, em que o Governo consegue garantir o valor”, como explicou fonte oficial do banco central sueco à SÁBADO. Esta divisa virtual não tirará o lugar às moedas e às notas, mas tem por objectivo trazer mais estabilidade à economia do país, uma vez que será regulada pelo banco central. “Não é esperado que os privados assumam a responsabilidade de controlar a moeda”, continua o Riksbank, afirmando que, em caso de crise financeira, o banco central é o único capaz de manter estável este activo. O caso está em estudo, não se sabendo ainda quais são as tecnologias a utilizar ou a data em que poderá entrar em circulação. “Adoptar uma posição em relação à introdução da E-krona vai levar tempo. A análise deve prosseguir para que saibamos mais sobre as consequências e os efeitos da moeda”, declara ainda o banco central à SÁBADO.
O regulador da banca não deixa de lado a exclusão digital na avaliação do processo, tendo em consideração os idosos, as pessoas com deficiência e os que estão longe dos grandes centros. “Há grupos na sociedade que já estão a ter problemas à medida que o uso de dinheiro cai porque têm dificuldades com as soluções digitais de pagamento”, aponta o Riksbank. “Para que isto não se observe com a E-krona, temos de criar uma moeda simples e fácil de utilizar.” Para Duarte Líbano Monteiro, as pequenas e médias empresas também sofrerão um golpe com a instituição desta nova moeda, visto que “terão de realizar um investimento adicional para aderir a essa tecnologia de forma eficaz, conseguindo controlá-la e geri-la.” No entanto, e devido ao desenvolvimento tecnológico da região, o analista prevê que a transformação se faça de uma forma suave e segura. Já para consumidores como Joana, Alexandre e João, a E-krona não vai trazer implicações. “É algo que faz parte do dia-a-dia, através dos pagamentos em cartão”, conclui Duarte Líbano Monteiro.