Estivemos em Londres a assistir ao show de Michelle Obama
Michelle esteve em Londres para um encontro sobre o seu livro Becoming, A Minha História. Houve longas filas, gargalhadas, elogios a Barack e alfinetadas a Trump.
Para ver a rainha, como muitos a apelidam enquanto esperam na fila de 500 metros, encasacados para resistir aos 8 oC, chegaram a estar inscritas 58 mil pessoas. Pouco tempo depois de serem colocados à venda, os bilhetes, com preços entre os 33 e os 140 euros, esgotaram. Automaticamente surgiram avisos sobre a venda ilegal – que atingiu os 80 mil euros por entrada. Apesar disso, à porta do auditório do Royal Festival Hall, no South Bank Centre, em Londres, não há polícia nem segurança ostensiva. A entrada obriga a três zonas de controlo, comprovativo de compra, cartão de identidade e nome no bilhete. O espectáculo de dia 3 de Dezembro tem outra restrição: só entram maiores de 14 anos, os mesmos que Nadia Rattan cumpriu em Agosto e que lhe permitiram acompanhar a mãe e duas tias. “A Michelle demonstra que ser diferente não nos torna inferiores”, conta à SÁBADO a adolescente indiana, que confessa que chorou quando soube que ia assistir à sessão de perguntas e respostas entre a antiga primeiradama e a autora do livro Todos Devemos ser Feministas, Chimamanda Ngozi Adichie.
O show Obama anda na estrada desde 13 de Novembro para apresentar Becoming, A Minha História, que é já o livro mais vendido de 2018: 2 milhões de cópias só nos Estados Unidos e Canadá. Logo, não é de estranhar o frenesim em torno da ex-primeira-dama Michelle Obama na primeira paragem na Europa. Demoramos uma hora a entrar na sala. Na fila, havia quem ligasse a cancelar reservas em restaurantes, há muitas selfies, directos para o Instagram e animadas conversas onde se chegou a comparar o evento com Michelle a assistir a um chá com Isabel II. Foi talvez o nome que mais vezes se ouviu nos momentos antes do espectáculo: “Vamos ouvir a rainha.” “Este momento é histórico”, diz à SÁBADO uma das mulheres à entrada. Samantha Reed não tem dúvidas: “Michelle representa tudo o que uma mulher quer ser, independentemente da sua cor e origem.” Combinado para as 19h30, o programa Obama teve um atraso de 10 minutos. Lá dentro, as 3 mil pessoas – maioritariamente mulheres – são recebidas por um cenário simples. O ecrã gigante transmite a conversa tranquila entre as duas mulheres sentadas ao redor de uma pequena mesa. Mas antes surgiu o aviso: nada de fotografias.
Vestida de branco, Michelle regressa a casa – a mais de 6 mil km, em Chicago, nos EUA – na sua conversa para falar da infância dura, dos sacrifícios familiares e da dignidade do pai, que morreu novo e não assistiu às conquistas da filha. Mas assegura que foi com os pais que aprendeu que a sua voz era “relevante”, os seus pensamentos “importantes” e a sua “raiva e frustração eram reais”.
A noite começa com um pequeno filme sobre a vida de Michelle, uma espécie de resumo alargado do livro. Ouvem-se a mãe e o irmão. Até o marido, que confidencia o que lhe disse o sogro na primeira vez que o viu: “Pena que vá durar pouco.” Barack explica que a mulher teve alguns namorados na juventude. A advogada diz que a sua construção enquanto ser humano está longe de acabar. E é por isso que reforça constantemente a necessidade de cimentar o amor-próprio como base para todas as conquistas. “Eu gosto de mim”, é uma frase que disse durante uma entrevista a Oprah e que repete em Londres.
Foi essa força que lhe permitiu
construir um casamento tão duradouro. “Deixem-me falar-vos da Michelle e do Barack”, começa. “Há dias em que me apetece atirar o Barack pela janela. Não para o matar, para o aleijar muito. Uma espécie de: ‘Estás a ver?’”, confessa, perante o delírio da assistência. Com frequência, reforça a importância que o marido teve no seu caminho. “Já tinha feito muita coisa antes de ser primeira-dama. Tive de o fazer porque me juntei a alguém que sente ter como missão mudar o mundo.”
“Eles não são assim tão espertos”
As filhas não podiam ficar fora desta história. Sasha e Malia aparecem no vídeo introdutório, onde se ouvem canções de Jackson Five, Chaka Khan, Whitney Houston, Lionel Richie e as TLC, e não escondem a admiração pela mãe. “A influência positiva que tem em pessoas de todo o mundo é impressionante”, diz Sasha. Mas Michelle, de 54 anos, não passa ao lado da actualidade política e do que aprendeu sobre o poder. “O segredo é este: já estive em todas as mesas mais poderosas do mundo, Cimeiras G, Nações Unidas, grandes empresas. E eles não são assim tão espertos. As pessoas fazem de tudo para se manterem nos seus lugares porque não querem partilhar o poder. E que melhor forma de o fazer, se não fazer-te pensar que não pertences ali?”, provoca, referindo-se aos homens poderosos, que temem que as mulheres lhes roubem os lugares de destaque.
Durante uma hora de conversa, houve também tempo para debater problemas linguísticos entre o inglês dos Estados Unidos e do Reino Unido. Da plateia, um homem explicava a Michelle que em terras de sua majestade franja se diz fringe e não bangs. Esta última, na verdade, quererá dizer outra coisa bem diferente: ter sexo. Mas não ficou sem resposta: “Homens, já sabem do que estou a falar quando virem escrito bangs no livro.” Há gargalhadas a soar, as mesmas que se ouvem quando pára para pensar antes de voltar a falar sobre poder – uma maneira de Chimamanda trazer para a mesa o Presidente dos EUA, Donald Trump, sem o referir. Michelle defende que as mudanças nem sempre seguem um caminho a direito, que o caminho que agora se faz terá consequências daqui a duas gerações. “Devemos ter esperança”, defende. Se, nesta altura, é politicamente correcta a responder, antes as alfinetadas ao líder da Casa Branca foram mais directas: primeiro, quando no vídeo diz que apresentar resultados é melhor do que dar opiniões no Twitter; depois, quando diz que o protocolo controlava até o tempo que o marido passava a jogar golfe. “Quem diria...”
Nos EUA, há quem questione se a
tournée é uma rampa de lançamento para defrontar Trump nas eleições de 2020. A pergunta não surgiu em Londres, mas falou-se sobre o futuro. Michelle garante que ainda está a descobrir como é ser antiga primeira-dama e que a Fundação Obama é um dos principais projectos. E tem outra certeza: “A luta pela educação das raparigas será para sempre.” Talvez a Casa Branca tenha de esperar.
“JÁ ESTIVE EM TODAS AS MESAS MAIS PODEROSAS DO MUNDO: E ELES NÃO SÃO ASSIM TÃO ESPERTOS”