Os negócios, as aulas, as conferências: os sete ofícios do ex-político
Desde que saiu da política, move-se no mundo dos negócios. Mas garante que não é lobista. “Fazer lóbi seria pedir favores e eu fui educado a não os pedir”, diz o homem que é professor, orador, consultor, executivo, vice-presidente da Câmara do Comércio e
Saído da política para o mundo global dos negócios, Paulo Portas é hoje um homem dos sete ofícios: dá aulas, é vice-presidente da Câmara do Comércio e Indústria, presidente do Conselho Consultivo Estratégico da Mota-Engil para a América Latina, conselheiro independente da Mex Gas Internacional, sócio da consultora Vinciamo, orador em conferências da Thinking Heads e comentador da TVI. Se é preciso fôlego para enumerar todas estas sete tarefas, é preciso mais ainda para aguentar as viagens a que elas obrigam. Portas é agora um cidadão do mundo, com trabalhos que no ano passado o levaram a passar 180 dias fora de Portugal. México, Abu Dhabi e China são destinos frequentes para o homem que no anterior governo liderou a diplomacia económica e hoje ajuda empresas nacionais e estrangeiras a internacionalizar os seus serviços e produtos. Com uma carteira de contactos impressionante e o cartão-de-visita de ter sido ministro da Defesa, ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro, não é difícil perceber a mais-valia de o contratar e não falta quem questione a passagem da política para os negócios. Portas não esconde que “o muito estudo e os contactos” são o que lhe permite estar à vontade para aconselhar empresas ou fazer seminários sobre “grandes tendências mundiais para empresas multinacionais e dirigentes”. Mas recusa o rótulo de lobista. “De todo. O meu trabalho como consultor é de análise estratégica e avaliação de riscos e oportunidades. Em termos práticos, fazer lóbi seria pedir favores
e eu fui educado a não os pedir, para não os ficar a dever.” Sabendo do valor da discrição no mundo dos negócios, Paulo Portas evita hoje expor-se, depois de 16 anos sob os holofotes mediáticos na liderança do CDS. Os amigos dizem que está “a aproveitar a privacidade” e “muito feliz” com a sua nova vida. O próprio, que nunca mais deu entrevistas e só faz comentários sobre política internacional, diz que está a fazer o que prometeu quando deixou de ser líder partidário, sendo um “ex-presidente amigo do partido”, que ajuda quando é preciso “sem qualquer interferência” na actual liderança. “Em suma, ao cabo de 16 anos na política, voltei a fazer o que sempre fiz: trabalhar no sector privado. Vivo do meu trabalho e sou avaliado pela sua qualidade e pelos resultados. As simple as
that”, afirma à SÁBADO.
Facturação de 690 mil, um salário de 1.500 euros líquidos
Na sua nova vida, Paulo Portas criou, em sociedade com a mãe, Helena Sacadura Cabral, uma consultora, em que trabalha “com empresas que necessitam de aconselhamento profissional nos seus processos de internacionalização”. A Vinciamo Consulting tem centrado a sua actividade essencialmente na América Latina, no Norte de África e no Golfo Pérsico e em 2017 as suas contas mostram uma facturação de mais de 690 mil euros e resultados líquidos de cerca de 389 mil euros. Números impressionantes para uma empresa com dois anos de actividade, onde trabalham três pessoas e que foi fundada com um capital social de 30 mil euros. Paulo Portas garante, porém, que isso não faz dele um homem rico. “Nem rico nem pobre”, lança, com uma gargalhada e a explicação de que não gosta de falar de dinheiro. Abre, contudo, uma excepção para explicar que da Vinciamo tira mensalmente 2.500 euros brutos. “Mais ou menos 1.500 euros líquidos”, que obviamente não são o seu único rendimento, já que é remunerado pelas conferências e aulas, mas também pelo trabalho que faz na Mota-Engil, na Pemex (a empresa petrolífera mexicana) ou na TVI. No ano passado, recebeu ainda o resultado de uma distribuição de dividendos da Vinciamo “muito prudente”, já que manter “uma gestão austera e eficiente” da empresa foi um dos motivos que o levou a escolher ter a mãe como sócia.
Portas diz que a opção de sociedade com Helena Sacadura Cabral foi feita “pela mesma razão que leva a maioria das empresas portuguesas a serem familiares: confiança” e destaca a formação de economista “brilhante” da mãe. Portas tem também funções que não são remuneradas, mas que lhe dão acesso a um mundo de contactos e negócios. É vice-presidente da Câmara do Comércio e da Indústria e faz parte de uma rede de 33 conselheiros da consultora de comunicação Llorente & Cuenca, que está presente em Portugal, Espanha e América Latina.
O Sul do continente americano é, de resto, hoje um dos centros de interesse para Portas. É aí que se centra o seu trabalho para a Mota-Engil. “Faço análise estratégica (de países e mercados); avaliação de riscos, sejam políticos, económicos, jurídicos, cambiais ou até tecnológicos; procuro assinalar, além dos riscos, as oportunidades, por continente, região, mercado ou sector”, descreve, sublinhando que o seu trabalho “não tem natureza executiva nem é decisório, é de aconselhamento estratégico”. A América Latina tem sido, aliás, um dos mercados-chave para a Mota-Engil, nos últimos anos. Ainda no mês passado, a construtora anunciou novos contratos na Colômbia, Peru e República Dominicana no valor de 200 milhões de euros, num continente onde o volume de obras da empresa já atinge os 500 milhões de euros. Apesar disso, a Mota-Engil não es-
“VIVO DO MEU TRABALHO E SOU AVALIADO PELA SUA QUALIDADE E PELOS RESULTADOS. ASSIMPLE ASTHAT”
teve disponível para falar sobre a importância da contratação de Paulo Portas para esse mercado. As funções executivas que tem na área internacional do grupo Pemex (a Mex Gas Internacional) ajudam a que o México seja um dos destinos mais frequentes de Portas. “A primeira vez que lá estive foi em 2009, para participar numa conferência”, recorda, sublinhando que nessa altura era “apenas líder do CDS”. Foi a primeira de muitas viagens a uma zona do mundo pela qual confessa ter um fascínio especial. “Não se esqueça de que sou descendente do Sacadura Cabral e foi para aí que ele foi”, atira, em tom de graça sem saber explicar melhor o que o fascina.
Nas altas esferas do poder
Uma coisa é certa: como ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas elegeu a América Latina como uma das prioridades. “Se a Espanha tem interesses no Brasil, porque é que Portugal não há-de ter interesses na América Latina?”, pergunta, notando que o México é hoje uma economia em crescimento para a qual é preciso olhar com atenção. Foi o que fez e foi assim que chegou à Pemex, depois de várias deslocações ao México. “Fui convidado pelo então director-geral, que, aliás, só conheci depois da minha saída da vida política”, diz, num sublinhado que faz quase constantemente: afastar a ligação directa entre os cargos que ocupou como governante e os negócios privados que tem hoje. Apesar disso, não é fácil negar que esse currículo o ajuda a ter lugar em altas esferas, onde muitas vezes vai em representação da Câmara do Comércio. Esteve, por exemplo, esta semana na recepção ao presidente da China, Xi Jinping, como já tinha estado no Hotel Ritz com o Presidente angolano João Lourenço. A propósito, Portas nega ter alguma relação especial com Angola. “Não tenho nenhum cliente angolano”, declara.
De resto, Paulo Portas diz que é sobretudo procurado por empresas portuguesas que se querem internacionalizar, na maior parte dos casos “empresas industriais, de serviços ou tecnologia”. Se ser ministro dos Negócios Estrangeiros foi durante anos confessadamente o seu sonho, hoje Portas é feliz nesta diplomacia dos negócios. “Não sinto falta da política. A vida partidária é etapa superada. Sou workaholic, nem dá tempo para saudades (excepto dos meus amigos)...”, confessa, explicando que acompanha a política nacional “à distância regulamentar”. Fá-lo com o interesse de quem foi político profissional, mas também porque uma das suas novas funções passa por manter os investidores informados sobre tendências políticas. Uma obrigação que o levou esta semana, numa conferência sobre as relações entre China e Europa, em Lis-
PORTAS FAZ CONSULTORIA PARA EMPRESAS SOBRE A AMÉRICA LATINA, NORTE DE ÁFRICA E GOLFO PÉRSICO
boa, a admitir que Portugal vive um momento de estabilidade política e que “no essencial, poucas coisas mudaram” com a solução política à esquerda. Não é exactamente o que diria o líder do CDS. “O que era essencial, que era o estatuto dos não residentes, não mudou”, explicaria depois à SÁBADO, lembrando que continua a discordar do recuo de António Costa na reforma do IRC. “Acho que é um erro, porque outros países vão oferecer condições mais atractivas.” No mais, justifica a intervenção aparentemente abonatória da “geringonça” – um termo que ajudou a cunhar como líder centrista – com o pragmatismo do mundo dos negócios. “É o que é preciso dizer aos investidores.”
Orador profissional
Conferências como a que protagonizou esta semana na Câmara do Comércio e Indústria fazem parte do seu dia-a-dia e Portas leva-as muito a sério. No dia em que falou sobre a China, começou a tirar notas sobre o que ia dizer às 7 da manhã. Mas o manancial de informação sobre geoeconomia está num conjunto de 150 slides de que tem particular orgulho.
O ficheiro, organizado ao longo de um ano “com uma pequena equipa de trabalho”, é hoje a base do mestrado que lecciona na Nova School of Business and Economics, em Lisboa, mas também das aulas que dá na Emirates Diplomatic Academy, no Abu Dhabi, ou na China, e servirá também para o curso de que vai ser professor, em 2019, em Espanha. “Em todos os casos, os convites para ser professor convidado ou não residente, foram feitos pelos respectivos directores de faculdade”, vinca. Leitor compulsivo, vai também buscar informação a livros como os do historiador inglês Peter Frankopan e a obras como Prisoners OfGeography: Ten Maps That Tell You Everything You Need To Know About Global Politics de Tim Marshall. “A História e a Geografia são pilares essenciais para perceber o mundo. Quando tudo muda, o que se mantém intocável é a História e a Geografia. São áreas em que tenho interesse”, justifica. A informação a que tem acesso faz com que seja muitas vezes chamado a dar consultoria sobre quais serão as tendências globais que vão marcar o futuro. Mas garante que não tem uma bola de cristal. “Aviso sempre que a imprevisibilidade é uma marca forte deste tempo”, diz, ao mesmo tempo que reconhece que traz para a sua nova vida as competências do seu percurso. “Às vezes, ainda penso como jornalista, quando tenho de aconselhar empresas em matérias de comunicação”, confessa o homem que garante que continua “a gostar de sujar os dedos com tinta ao ler os jornais em papel ao pequenoalmoço” e que todas as noites lê o
Corriere della Sera para manter vivos os conhecimentos de Italiano. As línguas que fala são agora uma das suas ferramentas de trabalho essenciais. “Devo aos meus pais ser fluente em cinco línguas, e isso facilita. Ajudam a criar uma ligação com as pessoas.” E, nos negócios, essa ligação é tudo. Portas aprendeu desde muito cedo o Espanhol, graças às ligações familiares do lado do pai ao outro lado da fronteira, tornou-se francófilo quando viveu em França entre 1974 e 1975 e desenvolveu um interesse especial pelo italiano nas temporadas passadas no país. Sabe que precisaria de “12 mil horas” para dominar o básico do Mandarim, mas sonha aprender árabe.
Com a agenda preenchida que tem tido, é pouco provável que sobre muito tempo para isso. Só em 2018 deu uma dezena de conferências, no âmbito do contrato de representação que assinou com a Thinking Heads, uma espécie de agência de oradores, que se orgulha de ter “the world’s best keynote speakers”. Conciliar tudo é “difícil, mas até agora, possível”. “Às vezes, chego a pensar que a minha casa é o avião”, admite, lembrando que o compromisso com a TVI obriga a um esforço para estar em Portugal todos os domingos. “Às vezes, chego sábado, vejo a minha família, faço o programa e volto a sair segunda...” Com a saída da política, os fins-de-semana passaram a ser tempo reservados para estar com os pais e Portas parece valorizar esta vida longe dos palcos políticos. Mas quando se lhe pergunta se pondera voltar à política activa, a pergunta fica sem resposta directa. Este pode ser só um parêntesis.
“SOU UM WORKAHOLIC, NEM DÁ TEMPO PARA TER SAUDADES DA POLÍTICA. SÓ DOS AMIGOS”