SÁBADO

Sou um Crime, o livro de memórias do humorista Trevor Noah

- Por Ângela Marques

Filho de um branco e de uma negra, Trevor Noah nasceu durante o apartheid, na África do Sul, naquilo que constituiu um crime punível com pena de prisão até cinco anos. Agora, o humorista conta, no livro que é já bestseller do New York Times, como foi ser de cor num mundo preto e branco.

COMO UM daqueles concertos que começam a capella para que o público perceba a solenidade do momento, o livro de Trevor Noah, Sou Um Crime – Nascer e Crescer no Apartheid começa com uma página dedicada à Lei da Imoralidad­e de 1927 para que o leitor se aperceba da gravidade dos factos. Sem brincadeir­as. “Qualquer homem europeu que tenha relações carnais ilícitas com uma mulher nativa, assim como qualquer homem nativo que tenha relações carnais ilícitas com uma mulher europeia (...), terá cometido um crime e estará sujeito a uma pena de prisão por período não superior a cinco anos.” É assim, recorrendo às palavras de outros, que o humorista, guionista e apresentad­or de programas de televisão como o The Daily Show, escolhe justificar o título deste seu livro (meio biografia, metade livro de memórias), Sou um Crime. Trevor nasceu em 1984, fruto da relação proibida entre um branco (suíço-alemão, calado e reservado) e uma negra (xhosa, rebelde e livre) e tinha cinco anos quando Mandela saiu da prisão. Cresceu como uma criança de cor, que não podia ser vista com os pais – razão pela qual sempre que a mãe queria passear com ele fingia ser a criada de uma amiga e caminhava à frente dos dois; e se Trevor gritasse pelo pai este fazia que não o conhecia. Na escola como na vida teve sempre dificuldad­e a enquadrar-se – não estava bem rodeado de brancos e não se sentia perfeitame­nte acolhido nos grupos de negros. Assim, meteu-se nalguns sarilhos, tendo mesmo acabado por ficar detido durante alguns dias na adolescênc­ia. O relato dessa experiênci­a é talvez dos mais curiosos do livro. “Sentado na esquadra (...), pus-me a pensar se devia telefonar aos meus pais ou ir para a cadeia. (...) Quanto à minha mãe, pensava: ela ainda vai piorar a situação. Não é a testemunha abonatória de que preciso neste momento.”

É que Patricia, mãe de Trevor e personagem principal do livro, não ia nas cantigas do filho. E a relação dos dois, que terminaria interrompi­da pela arma do padrasto de Trevor, ganha aqui um novo fôlego: porque Trevor nasceu de um crime mas é filho de uma grande mãe.

Primeiro livro de Trevor Noah, Souum Crimeserá, segundo a editora, adaptado ao cinema, com a actriz Lupita Nyong’o no papel de mãe do autor

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Apresentad­or do The Daily Show, Trevor Noah tem um espectácul­o de stand-up, Son of Patricia, que aborda várias histórias do livro
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SOU UM CRIME Tinta da China €24,90

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