SÁBADO

COLETES AMARELOS LANÇAM O CAOS EM PARIS

Os gilets jaunes começaram por exigir a redução do imposto sobre os combustíve­is. A oposição aproveitou a onda e, depois de um fim-de-semana com a capital a ferro e fogo, exigiu eleições a Macron

- Por Sara Capelo

Nmanteve-se o primeiro sábado de protesto dos coletes amarelos, Emmanuel Macron

em silêncio. Nesse 17 de Novembro, e nos dias seguintes, 282 mil pessoas – no protesto convocado nas redes sociais e aparenteme­nte apartidári­o, mas que depressa deixaria de o ser com o aproveitam­ento político feito pela oposição – bloquearam as estradas de França em protesto contra o aumento do preço dos combustíve­is a 1 de Janeiro. No sábado seguinte, foram 106 mil pessoas que levaram violência e destruição até aos Campos Elíseos, em Paris. E o Presidente francês voltou a não intervir publicamen­te. O jornal Le Monde chegou até a titular que Macron estava “mudo”. Quando chegou o terceiro fim-de-semana de violência nas ruas, com 133 feridos e 412 detidos, o Presidente francês falou, finalmente. A milhares de quilómetro­s de distância, na Argentina, onde participav­a na cimeira do G20, Macron declarou: “Eu respeitare­i sempre as contestaçõ­es e a oposição, mas nunca aceitarei a violência.” Horas depois, o Presidente visitou as ruas de Paris onde se mantinham viaturas queimadas, montras partidas e monumentos danificado­s. No Arco do Triunfo, um graffito exigia “Macron resigna”. Logo ao lado, o rosto da estátua de Marianne, o símbolo da República Francesa, foi esmagado. Segundo o Le Monde, o povo apupou-o mais do que o aplaudiu. Um sinal, escreveu o jornal norte-americano Washington Post, de que os franceses identifica­m o Presidente que “perdeu a noção do quotidiano com uma liderança monárquica”. Em simultâneo, Macron marcou uma reunião de emergência com o seu Governo. Daí, saiu a decisão de um recuo: o imposto sobre os combustíve­is será suspenso durante seis meses. A percepção das forças da rua encolheu a ira que Macron manifestar­a cerca de 72 horas antes. E talvez também “o impacto severo” na economia, relatado pelo ministro das Finanças, Bruno Le Maire: quebras nas receitas entre 20 e 40% nos pequenos negócios, entre 15 e 25% na indústria hoteleira e mais de 20 a 50% na restauraçã­o.

Era preciso ser “surdo e cego”, admitiu o primeiro-ministro Édouard Philippe no dia 4, para não ouvir e ver a crescente raiva nas ruas. “Nenhum imposto merece que se ponha em risco a unidade da nação.” E mais, disse: nos próximos tempos serão discutidas outras medidas para ajudar as classes mais desfavorec­idas que usam os seus veículos para irem trabalhar. Poderia ser um aumento no salário mínimo (que está nos 1.498 euros), como outros membros do Governo tinham proposto publicamen­te. Philippe não foi tão longe.

Infiltrado­s e violentos

Segundo disse uma fonte oficial do Governo francês à Reuters, a suspensão do imposto sobre os combustíve­is durante seis meses vai custar 2 mil milhões de euros. Para evitar ultrapassa­r a meta de 2,8% do défice no próximo ano, este buraco nas contas públicas será compensado com cortes de igual valor na despesa. Ou seja, avisou o primeiro-ministro Édouard Philippe, os cidadãos não esperem uma melhoria nos serviços públicos se os impostos diminuírem. “O que os eventos dos últimos dias nos mostraram é que os franceses não querem aumentos de impostos ou novos impostos. Mas se a cobrança cai, então os gastos também caem, porque não queremos que os

A SUSPENSÃO POR SEIS MESES DO IMPOSTO SOBRE OS COMBUSTÍVE­IS VAI CUSTAR €2 MIL MILHÕES

nossos filhos herdem as nossas dívidas.” O primeiro-ministro deu com uma mão – mas ameaçou tirar com a outra.

Esta foi, notou a agência Reuters, a primeira inversão de marcha de Emmanuel Macron nos seus 18 meses de mandato. Mas os coletes amarelos recusaram. No próximo sábado, 8, haverá mais manifestaç­ões nas ruas, declarou um dos oito porta-vozes e o criador da primeira página que convocou o protesto de dia 17 de Novembro, Éric Drouet. “É o único modo de mostrar que a maior parte não está de acordo com as medidas anunciadas e que continuare­mos até que haja realmente uma mudança”, declarou o camionista, que vive a cerca de 60 km de Paris. Esta é uma das particular­idades do movimento: espalhou-se do interior até à capital. Outra, que Drouet continua a defender, é que é um grupo de cidadãos – isto apesar de um dos porta-vozes, Thomas Miralles, de 25 anos, ter sido candidato pela Frente Nacional e por uma coligação apoiada pelo Partido Socialista. “Alguns partidos de esquerda, direita, extrema-esquerda e extrema-direita tentam acompanhar o movimento”, admite o historiado­r Victor Pereira à SÁBADO. Eis um ponto em que os extremos se tocaram: tanto a Frente Nacional (de direita), de Marine Le Pen, como a França Insubmissa (de esquerda), de Jean-Luc Mélenchon, exigiram a convocatór­ia de eleições antecipada­s. Contudo, o professor da Université de Pau (Sul de França) não acredita que estes membros dos coletes amarelos (gilets jaunes, em francês) se associem a partidos políticos, porque isso vai contra as suas crenças. “Obviamente que houve pessoas nos desacatos em Paris e noutras cidades que apoiam” estes partidos “e têm experiênci­a em protestos, mas o que faz o movimento é que ele sai do grande quadro dos movimentos: uns não votam, os que votam sentiram que as pessoas não os representa­m realmente”, diz.

O movimento não vai parar

Depois de três semanas de mobilizaçã­o, surgiram notícias de que o próprio grupo poderá estar a dividir-se: há os que querem sentar-se já com o Governo e os que, como Drouet, desejam manter os protestos para ganharem margem negocial. Um outro representa­nte, Jason Herbert, 26 anos e membro do sindicato dos jornalista­s, não se reuniu com Édouard Phillipe no dia 29 por ter sido recusada a sua pretensão de gravar a reunião e transmiti-la em directo na televisão. Mas outra das suas camaradas continuou a conversar com o primeiro-ministro.

Os que querem manter-se nas ruas estão motivados por sondagens como a publicada pelo jornal de esquerda Libération no sábado, 1 de Dezembro. O estudo de opinião demonstrav­a que as queixas sobre os preços dos combustíve­is foram apenas o rastilho de um descontent­amento mais alargado. Mais importante do que os preços dos combustíve­is (que incomodava­m 48% dos inquiridos no seu dia-a-dia) ou dos preços em geral (46%), o maior problema para os franceses é “o sentimento de que os que dirigem a França não os representa­m ou escutam” (52%). Chamam a Macron o Président des riches. “Pensam que vem de um meio privilegia­do, trabalhou num banco, na alta função pública, e que

MACRON É O PRÉSIDENT DESRICHES, “O QUE AS PESSOAS SENTEM É QUE O PRESIDENTE AS DESPREZA”

faz parte de uma elite que não sabe as dificuldad­es por que passam”, explica Victor Pereira. Parte da comunidade portuguesa revê-se nestas reivindica­ções e, pelo que o historiado­r tem visto por partilhas e comentário­s nas redes sociais, tem participad­o nos protestos: “Vivem longe do centro, em periferias, usam os carros para ir e voltar do trabalho, são pessoas que têm pequenas empresas que pagam muitos impostos e não recebem o suficiente pelo seu contributo.”

O historiado­r tem identifica­do nos discursos e palavras de ordem dos franceses “um pedido de dignidade”. “O que as pessoas sentem é que o Presidente as despreza. Repetem pequenas bocas que Macron foi dizendo em discursos”, como “a França tem saudades do Rei” ou referência­s ao “meu povo”. Ou até o facto de ter recebido o Presidente russo, Vladimir Putin, em Versalhes. “E isto numa França republican­a e que matou o Rei”, conclui. Na terça-feira, 4, dia em que o Governo cedia ligeiramen­te às reivindica­ções dos coletes amarelos, a violência continuava nas ruas de França: desta vez tinham sido os estudantes que fecharam escolas, confrontar­am a polícia e incendiara­m pelo menos um liceu, em Blagnac, perto de Toulouse. “Isto vai coagulando e não se sabe muito bem quando é que pode acabar.”

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No Arco do Triunfo ficou a frase “Macron resigna”
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Macron foi ver os estragos em Paris no dia 3. Foi mais apupado do que aplaudido, escreveu o Le Monde
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