SÁBADO

Pedro Marta Santos

A cadeia mais simpática do mundo tem sauna e cavalos. A taxa de reincidênc­ia criminal é de apenas 16%: falámos com o director-adjunto para perceber como funciona.

- Por Vanda Marques

Não há grades. Os prisioneir­os vivem em pequenas casas de madeira, com vista para o mar. Não usam uniforme. Cada um tem a sua própria roupa. Podem trabalhar no supermerca­do da ilha, ou a tratar dos animais – há cavalos e galinhas – ou como agricultor­es. Também têm hipótese de estudar. Para as despesas extras – fora comida da cadeia (podem escolher o menu com o chef, galinha ou salmão, por exemplo) e dormida – recebem 6 euros por dia. Um maço de cigarros custa 10 euros, por isso, dois dias em Bastoy são suficiente­s para evitar o contraband­o de tabaco.

Nos tempos livres, passeiam pelos campos verdejante­s da ilha, que fica 75 quilómetro­s a sul de Oslo. Só que a natureza também pode ser aborrecida. Nessas alturas, podem experiment­ar a sauna, o solário, o campo de ténis ou o ginásio. Quer libertar-se dos vícios? Em Bastoy existe também um centro de reabilitaç­ão. Há outras terapias à disposição como a terapia de música, boa para aprender a lidar com a frustração e a ter um estilo de vida mais calmo. Os que já lá vivem há mais tempo até podem trabalhar no ferry-boat, que demora 15 minutos a chegar a terra firme. É a parte preferida de muitos deles, explicará mais à frente Tor Arne Barnes, directorad­junto da prisão, considerad­a pela CNN como a melhor do mundo. Alguns dos reclusos que já provaram ter bom comportame­nto e que estão perto do fim da sentença podem até ter aulas fora da prisão ou um emprego normal.

Quer mais detalhes antes de pensar em inscrever-se nesta espécie de resort espiritual? Em Bastoy, não

“TENTAMOS AJUDÁ-LOS A TER UMA VIDA MELHOR. É QUE ELES VÃO SER OS NOSSOS VIZINHOS”

se vêem guardas armados. Cada prisioneir­o tem as chaves da sua casa e à noite ficam apenas cinco guardas para os cerca de 160 prisioneir­os. E agora a pergunta: por que motivo existe uma prisão assim para condenados por violações, homicídios ou desvios de dinheiros públicos? Tor Arne Barnes tem a explicação simples: “Queremos reintegrá-los na sociedade e que aprendam a ter uma vida normal.” E acrescenta à

SÁBADO: “Tratamo-los de forma respeitosa e tentamos ajudá-los a ter uma vida melhor. É que estas pessoas vão ser nossos vizinhos. Que tipo de vizinhos quer ter?” O objectivo é treiná-los para uma vida normal, impedir que reincidam na vida de crime. Não se trata de um castigo, nem de uma penitência, mas quase de um tratamento de reintegraç­ão na sociedade.

Não é de estranhar que os guardas prisionais de Bastoy, que se estende por cerca de 1,6 km, sejam comparados a assistente­s sociais. “Queremos presos com sentenças de algum tempo, para podermos trabalhar com eles. Eles precisam de praticar a vida normal”, diz à SÁBADO, por telefone. Tor Arne Barnes começou a trabalhar nesta área em 1988 e entrou em Bastoy em 1997, mas diz que sempre tratou os reclusos da mesma forma. “Os prisioneir­os violentos e problemáti­cos aqui portam-se melhor. Porque falamos com eles, tratamo-los como pessoas, fazemos-lhes perguntas e eles podem fazer-nos perguntas. No fundo, falamos com eles como humanos. Não temos segundas intenções, somos honestos e explicamos o que temos de fazer”, diz o director-adjunto.

Nada de amigos

Tor defende que o trabalho e as actividade­s de lazer são essenciais para que recuperem a normalidad­e e uma opção muito melhor do “ficar apenas sentado atrás das grades”. Reside aí o sucesso da taxa de reincidênc­ia criminal dos reclusos, cerca de 16%, ainda mais baixa do que a média norueguesa de 20%. “Estas pessoas perderam a relação com a sociedade. Se só conheceres violência, é isso que vais repetir. É o que queremos quebrar.” E quando há desacatos? Primeiro que tudo, é a direcção de Bastoy que selecciona os presos. E os critérios não são o grau de violência do crime, garante Tor – “Temos pessoas que cometeram homicídios horríveis” –, mas sim as questões de segurança. Quem irá ou não fugir, quem poderá pôr em causa a prisão. Só depois de uma avaliação psicológic­a é que são escolhidos.

Quando se desrespeit­am as regras são colocados à parte e à segunda quebra são expulsos. Tor atira outra explicação para o bom ambiente que lá se vive – desde 1984, garante, nenhum guarda foi agredido. “Quando há discussões, desentendi­mentos, têm a possibilid­ade de espairecer as ideias, dar uma volta pela ilha. Noutra prisão não têm um escape, deve ser um dos motivos de maior violência.” Outra regra é que cada guarda tem a seu cargo cerca de seis reclusos. Este acompanham­ento pode até resultar em ajudar com dúvidas legais, refere Tor. Como conselhos para pedir ou não recurso da sentença. Quer dizer que se tornam amigos? “Nada disso. É tudo profission­al. É uma das regras. Aliás, nem podem estar sozinhos com os guardas.”

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Dias com temperatur­as assim são raros em Bastoy. Mas os presos têm um solário 2 1 2 Com autorizaçã­o, podem levar televisão e objectos pessoais. Têm vários espaços comuns de lazer. Até têm um minicinema
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3 Trabalhar na ilha faz parte das regras. Em Bastoy querem que a vida seja o mais normal possível

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