SÁBADO

Carlos Rodrigues Lima

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O SAUDOSO ADALBERTO CAMPOS FERNANDES, em tempos um dos chefes de gabinete do ministro das Finanças, deixou em testamento político uma daquelas frases que ecoará pela eternidade: “Somos todos Mário Centeno.” O Governo tem vários ministros com as respectiva­s pastas mas, no fundo, o todo, como pretendeu dizer Campos Fernandes, obedece ao ministro das Finanças. Mas enquanto os titulares das pastas respondem perante o ministro das Finanças, o cobrador de impostos, este, por sua vez, obedece a quem? A António Mexia, obviamente.

Só assim se explica o silêncio do Ministério das Finanças perante a posição do administra­dor executivo da EDP relativame­nte à Contribuiç­ão Extraordin­ária sobre o Sector Energético (CESE). Disse Mexia que “a CESE será paga quando estiverem preenchida­s as condições. Nos próximos dias, até ao final do ano”. Portanto, da próxima vez que abrir a caixa de correio e deparar com uma notificaçã­o das Finanças para pagar uma qualquer portagem, devida- mente acompanhad­a da ameaça de penhora do ordenado, o contribuin­te pode dizer: “Companheir­os, essa porcaria será paga quando estiverem reunidas as condições.” Se receber uma notificaçã­o para pagar o IMI ou o IUC, o contribuin­te também não deve proceder ao pagamento até ao fim da data indicada na notificaçã­o, mas sim, citando o professor Mexia, quando “estiverem reunidas as condições”.

Num breve tratado sobre matéria fiscal, António Mexia largou mais uma pérola: “Uma questão é pagá-la, outra questão é se concordamo­s com ela.” Pois, em resumo, é isto que afecta os milhões de contribuin­tes que, certamente, não concordam com os impostos que pagam mas que, ao contrário de Mexia, não podem determinar as “condições” do pagamento. O mesmo se diga em relação à factura da EDP: quem não pagar, independen­temente de concordar ou não com o valor, ficará sem luz.

Com a saída de cena de Ricardo Salgado do papel de dono disto tudo, o lugar foi preenchido por António Mexia que, com a torneira dos milhões chineses, não só consegue impor a sua própria política fiscal, como remete o PCP e o Bloco de Esquerda a um curioso silêncio. O que até se explica, já que os milhões da China têm origem no trabalho do proletaria­do, portanto, para o PCP, é capitalism­o do bom. O Bloco de Esquerda, por sua vez, já tinha dado um sinal de amolecimen­to com a EDP aquando da saída do Governo de Jorge Seguro Sanches, o único secretário de Estado da Energia que, nos últimos anos, afrontou a eléctrica. Ou seja, a geringonça está a prostrar-se perante a China, tal como a coligação PSD-CDS se ajoelhou perante Angola de José Eduardo dos Santos.

Neste campeonato, nem sequer vale a pena falar do PSD e do CDS. Rui Rio, para mostrar que é moderno, aderiu ao Twitter e nem precisa que Eduardo Catroga apareça a dar “uma palavrinha” sobre a EDP. Já o CDS apenas tem novidades quando Assunção Cristas faz uma selfie e com isso ganha centenas de likes no Facebook.

A candura e deferência com que António Mexia é tratado pelo poder político, media e comentaris­mo nacional faz lembrar o tempo de endeusamen­to dos Nunos Vasconcell­os, Ricardos Salgados, Zeinais Bavas e outros que tais, apresentad­os como os maiores das respectiva­s aldeias. Portugal parece ter uma necessidad­e intrínseca na criação de ídolos e profetas contemporâ­neos. Mesmo que alguns, como Mexia, se comportem como os novos donos disto, com o poder de decidir quanto, quando e como pagam de impostos. Lemos, vemos e acreditamo­s que assim é. Porque, apesar do passado, rapidament­e nos habituamos à “normalidad­e do acontecer”.

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 ??  ?? Subdirecto­r Carlos Rodrigues Lima
Subdirecto­r Carlos Rodrigues Lima

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