O populismo que vive no parlamento
Pedro Passos Coelho foi, até há pouco tempo, o cimento que uniu a esquerda e afastou o PS do PSD. Os tempos difíceis da troika e o fanatismo ideológico da direita que rodeou Passos Coelho criaram o ambiente ideal para o tacticismo brilhante de António Costa navegar à esquerda e construir a geringonça que lhe abriu as portas do palácio do poder de par em par. A caminho do fim da legislatura, vivemos o tempo singular de termos um PS que nos conduziu ao abismo da troika, mas já exorcizou os seus fantasmas socratistas, retomando hábitos ancestrais de arrogância e centralismo político, como bem se viu no episódio da saída de Paulo Trigo Pereira do grupo parlamentar, perfilando-se como a menos má de todas as soluções possíveis, incluindo a sonhada maioria absoluta. Parece que foi há uns 20 anos que Sócrates levava o País para a bancarrota cantando e rindo...
Também vivemos o tempo singular de ter uma esquerda parlamentar refém dos acordos que assinou e de um maniqueísmo moral que apagou o PS do léxico adversativo, necessitando, por isso, de uma direita o mais trauliteira possível como do pão para a boca. O que, como se sabe, nem sempre é possível. A rua e o mundo sindical evidenciam, de resto, não se rever totalmente nessa estratégia e dão uma pequena amostra, com as dezenas de greves agendadas até ao fim do ano, do que seria a temperatura social de um contexto económico mais adverso. Será possível manter este ambiente de lotaria até à eternidade!?
A direita, pelo seu lado, afunda-se na incomunicabilidade estratégica e o PSD, em particular, numa total ausência de projecto e num insanável clima de guerra civil. Passos Coelho recolheu-se a um prudente silêncio e já não pode ser invocado nem para legimitar nem para justificar o que quer que seja. Não é nem abrigo de desertores de Rio nem papão para agitar nas festas do BE.
Este ambiente pastoso tem mostrado à evidência onde estão os riscos do populismo. Ele vive no parlamento, nos episódios dos votos falsos, das assinaturas por delegação, nos pequenos e médios pecados que tentam esconder aqui e ali como miúdos travessos no jardim-infantil, na arrogância da imposição de princípios que não praticam a outras instituições, nas negociatas de bastidores onde o interesse particular predomina sobre o interesse colectivo, como a do Estatuto do Ministério Público, na construção de uma permanente impunidade, sempre blindada pelo estafado argumento da legitimidade eleitoral, unguento da pureza originária que usam de cada vez que a conveniência impõe. Basta lembrar a vergonha que foi a audiência de Manuel Pinho ou os episódios mais recentes de branqueamento corporativo de tudo o que é político. Sim, o populismo vive no parlamento e é ali que está a despertar de um longo sono, depois de ter descoberto o tempo de valores descartáveis que por ali predominam.
Macron ou o aviso à navegação
Como todos os homens ditos providenciais, que não duram para a eternidade, Emmanuel Macron vê chegada a sua hora. O consenso alargado por cima dos partidos tradicionais, o verniz do discurso europeu, tudo isso estalou aos pés de uma classe média asfixiada pelos impostos, pelo custo da velha e nova corrupção, mas também de uma violência endémica que alimenta as fracturas de toda a espécie nas periferias das grandes cidades. Depois de todos os políticos da velha escola e do sistema partidário que se evaporou, cai agora o homem que anunciava o futuro risonho, ainda que sem possuir uma verdadeira receita para a economia. Macron é mais um aviso à navegação. Pode não vir com aquela violência, mas a raiva social aos rostos do poder sempre chega. Pode tardar, mas chega!