SÁBADO

O populismo que vive no parlamento

- E Director Eduardo Dâmaso

Pedro Passos Coelho foi, até há pouco tempo, o cimento que uniu a esquerda e afastou o PS do PSD. Os tempos difíceis da troika e o fanatismo ideológico da direita que rodeou Passos Coelho criaram o ambiente ideal para o tacticismo brilhante de António Costa navegar à esquerda e construir a geringonça que lhe abriu as portas do palácio do poder de par em par. A caminho do fim da legislatur­a, vivemos o tempo singular de termos um PS que nos conduziu ao abismo da troika, mas já exorcizou os seus fantasmas socratista­s, retomando hábitos ancestrais de arrogância e centralism­o político, como bem se viu no episódio da saída de Paulo Trigo Pereira do grupo parlamenta­r, perfilando-se como a menos má de todas as soluções possíveis, incluindo a sonhada maioria absoluta. Parece que foi há uns 20 anos que Sócrates levava o País para a bancarrota cantando e rindo...

Também vivemos o tempo singular de ter uma esquerda parlamenta­r refém dos acordos que assinou e de um maniqueísm­o moral que apagou o PS do léxico adversativ­o, necessitan­do, por isso, de uma direita o mais trauliteir­a possível como do pão para a boca. O que, como se sabe, nem sempre é possível. A rua e o mundo sindical evidenciam, de resto, não se rever totalmente nessa estratégia e dão uma pequena amostra, com as dezenas de greves agendadas até ao fim do ano, do que seria a temperatur­a social de um contexto económico mais adverso. Será possível manter este ambiente de lotaria até à eternidade!?

A direita, pelo seu lado, afunda-se na incomunica­bilidade estratégic­a e o PSD, em particular, numa total ausência de projecto e num insanável clima de guerra civil. Passos Coelho recolheu-se a um prudente silêncio e já não pode ser invocado nem para legimitar nem para justificar o que quer que seja. Não é nem abrigo de desertores de Rio nem papão para agitar nas festas do BE.

Este ambiente pastoso tem mostrado à evidência onde estão os riscos do populismo. Ele vive no parlamento, nos episódios dos votos falsos, das assinatura­s por delegação, nos pequenos e médios pecados que tentam esconder aqui e ali como miúdos travessos no jardim-infantil, na arrogância da imposição de princípios que não praticam a outras instituiçõ­es, nas negociatas de bastidores onde o interesse particular predomina sobre o interesse colectivo, como a do Estatuto do Ministério Público, na construção de uma permanente impunidade, sempre blindada pelo estafado argumento da legitimida­de eleitoral, unguento da pureza originária que usam de cada vez que a conveniênc­ia impõe. Basta lembrar a vergonha que foi a audiência de Manuel Pinho ou os episódios mais recentes de branqueame­nto corporativ­o de tudo o que é político. Sim, o populismo vive no parlamento e é ali que está a despertar de um longo sono, depois de ter descoberto o tempo de valores descartáve­is que por ali predominam.

Macron ou o aviso à navegação

Como todos os homens ditos providenci­ais, que não duram para a eternidade, Emmanuel Macron vê chegada a sua hora. O consenso alargado por cima dos partidos tradiciona­is, o verniz do discurso europeu, tudo isso estalou aos pés de uma classe média asfixiada pelos impostos, pelo custo da velha e nova corrupção, mas também de uma violência endémica que alimenta as fracturas de toda a espécie nas periferias das grandes cidades. Depois de todos os políticos da velha escola e do sistema partidário que se evaporou, cai agora o homem que anunciava o futuro risonho, ainda que sem possuir uma verdadeira receita para a economia. Macron é mais um aviso à navegação. Pode não vir com aquela violência, mas a raiva social aos rostos do poder sempre chega. Pode tardar, mas chega!

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