SÁBADO

Rosanell Eaton (1921-2018)

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Elogiada em 2015 pelo então Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, a activista voltou a defender o direito de voto dos negros quando já era nonagenári­a

Aúltima vez que Rosanell Eaton foi presa tinha 92 anos. Determinad­a, afastou o andarilho que usava para se movimentar e entrou no edifício da Assembleia Legislativ­a de Raleigh, na Carolina do Norte, seguida por uma pequena multidão. Lá dentro, contou como tinha sido viver na época da segregação e acusou o Estado de limitar o direito de voto dos negros. O episódio aconteceu em 2014, depois de a Carolina do Norte ter aprovado alterações à lei de voto de 1965, que impuseram várias limitações sentidas sobretudo pela comunidade afro-americana. Para votar exigia-se uma identifica­ção com foto, como a carta de condução ou o passaporte, mas proibiam-se documentos usados mais pela população negra como cartões de funcionári­os públicos, cartões de estudantes e cartões de beneficiár­ios de apoios sociais. Vários grupos de direitos civis interpuser­am um processo judicial para impedir as alterações e pediram que Rosanell Eaton fosse, juntamente com a filha, Armenta, assistente. Durante três anos, a antiga professora prestou testemunho nos tribunais e o caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça. “Ela não tinha medo de nada. Estava sempre ansiosa por chegar ao tribunal”, contou a filha ao The New York Times.

Esta foi apenas a última das muitas batalhas que enfrentou durante a sua vida. Aos 18 anos, depois de ter frequentad­o escolas segregadas e ser obrigada a beber água do fontanário exclusivo a “pessoas de cor”, entrou no tribunal do condado de Franklin, em Louisburg, Carolina do Norte, e disse que queria registar-se como eleitora. Três homens brancos colo- caram-se-lhe à frente. “Olha para nós directamen­te e recita o preâmbulo da Constituiç­ão dos Estados Unidos”, exigiram. Era a táctica usada para impedir que os cidadãos negros se registasse­m para votar. Mas Rosanell Eaton, uma das melhores alunas do seu liceu, não se intimidou e recitou a passagem sem enganos. “Parece que conseguiu, senhorita”, respondera­m-lhe. Entre os eleitores negros, foi das primeiras a votar na Carolina do Norte desde a Reconstruç­ão (o período após a guerra civil em que foi dado o direito de voto aos escravos libertados). Votou em todas as eleições que se seguiram e durante 40 anos trabalhou na mesa de voto do condado. Foi ainda comissária de registo e ajudou mais de 4.000 pessoas a tornarem-se eleitores.

Vítima do Ku Klux Klan

Rosanell Eaton nasceu em 1921, em Louisburg, a filha mais nova de um casal de agricultor­es já com seis filhos. O pai morreu quando ela tinha 2 anos e a mãe, Mamie, geriu a quinta de oito hectares – a única propriedad­e de negros na região – onde plantava tabaco e algodão com a ajuda dos filhos.

A infância foi difícil e os anos que se seguiram não destoaram. Para completar o liceu, na única escola onde eram permitidos negros, Rosanell Eaton tinha de percorrer 12 quilómetro­s a pé. Casou-se com um agricultor aos

20 anos e tiveram quatro filhos:

Annie, James, Armenta e Jesse. Em 1950 aderiu à Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor e participou em protestos contra a discrimina­ção racial, incluindo a histórica Marcha para Washington, em 1963, em que Martin Luther King proferiu o seu famoso discurso I have a

dream… Seguiram-se as retaliaçõe­s. Segundo a filha, Armenta, a família acordou muitas vezes com cruzes a arder enterradas no quintal pelo Ku Klux Klan e chegaram a ser disparados tiros contra o celeiro da quinta. Nesse ano, Rosanell Eaton perdeu o marido e começou a trabalhar como empacotado­ra de peças de maquinaria. Decidiu voltar a estudar, primeiro na Faculdade Comunitári­a de Granville, em Henderson, depois na Universida­de Estatal da Carolina do Norte, e tornou-se professora assistente até se reformar, em 1991. A história da nonagenári­a chamou a atenção do então Presidente norte-americano Barack Obama que, numa carta publicada pelo The New York Times, a considerou uma inspiração. “Estou aqui hoje porque homens e mulheres como Rosanell Eaton se recusaram a aceitar nada menos do que a totalidade da igualdade.” Em 2016, já depois de o Supremo ter decidido contra o estado da Carolina do Norte, Obama convidou-a para visitar a Casa Branca. Rosanell Eaton foi, mas só depois de votar nas eleições primárias do estado. A activista morreu no passado sábado, dia 8 de Dezembro, em Louisburg. Tinha 97 anos.

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