UM“DANO COLATERAL” DE€9,7MILHÕES
A história das remunerações extras soa a pouco em comparação com os €35 milhões que Jardim Gonçalves já recebeu de pensões e ajudas de custos
Jardim Gonçalves saiu definitivamente do BCP em 2008, mas os problemas já tinham começado em 2007 com a instauração de um processo de contra-ordenação pelo Banco de Portugal (BdP), de que resultaria uma multa em 2010 de 1 milhão de euros. O processo andaria em vários tribunais e recursos e prescreveu em Fevereiro de 2014. Jardim Gonçalves não teve a mesma sorte com a CMVM – 1 milhão de euros de multa.
Mas é um montante pequeno para quem recebe uma pensão vitalícia do BCP de 167 mil euros. Um valor tão exorbitante que o banco anda a tentar reduzi-lo desde 2010. O último recurso data de Outubro. Feitas as contas: em 14 anos (de 2005, quando saiu do Conselho de Administração, até 2018) Jardim Gonçalves recebeu do banco mais de 32,7 milhões de euros. O tribunal obrigou ainda o BCP a pagar 2,1 milhões por despesas com motorista, combustível, automóvel e segurança desde 2010.
Total: 35 milhões de euros.
Os offshores
Nos tribunais, Jardim Gonçalves começou a ser julgado em Setembro de 2012 – juntamente com outros ex-gestores – por crimes de manipulação de mercado, burla qualificada e falsificação de documentos. A acusação, que a SÁBADO consultou, referia que os arguidos receberam anualmente uma remuneração variável que ia até 10% dos resultados consolidados do banco, “contas que sabiam não reflectir a realidade (…) e serem empolados, por neles não se incluírem as perdas sofridas pelos offshore”. De 2001 a 2004, receberam 150,8 milhões de euros – pelo menos 24 milhões estão a mais. São “montantes que os arguidos, apesar de bem saberem não lhes serem devidos, fizeram seus”. O bolo de Jardim Gonçalves foi de 9,7 milhões de euros. A sentença de Jardim Gonçalves, em 2014, viria a ser semelhante à de João Rendeiro (ver pág. 50): culpado – manipulação de mercado – e condenado a dois anos de prisão, com os juízes a falarem em “Relatórios e Constas do BCP falsificados de 2001 a 2007”. Mas a pena foi suspensa, porque os arguidos não tinham cadastro, estavam “inseridos social e familiarmente” e “a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Jardim Gonçalves teve apenas de pagar €600 mil a duas instituições (à Raríssimas e à Ajuda de Berço). Perdeu todos os recursos.
E quanto à acusação de burla qualificada, relacionada com as remunerações? Já tinha caído em 2010. Em decisão instrutória, a que a
SÁBADO teve acesso, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa considerou que as remunerações extras foram “um dano colateral” e que não ficou provado “intenção de enriquecimento ilegítimo”. Recomenda ao BCP que cobre esse dinheiro, “se o entender”.
Assim, por um crime que ficou provado em tribunal, Jardim Gonçalves obteve sem querer 9,7 milhões de euros.
A herança
Não consta do processo o ordenado de Jardim Gonçalves, mas pode ler-se que só em 2001, “em remuneração variável legítima”, o presidente do banco recebeu “cerca de 12 milhões de euros”. O BCP pagava de facto acima da média. Isso também explica porque é que Jardim Gonçalves conseguiu chegar um dia ao banco e liquidar 14 milhões de euros. O dinheiro tinha sido emprestado pelo BCP para os negócios do seu filho Filipe, que correram mal (fonte familiar disse à
SÁBADO que está agora na Bélgica, casado e com três filhos).
Lê-se na biografia O Poder do
Silêncio (Dom Quixote, 2014), que a conta de Jardim Gonçalves e da mulher ficou “a descoberto por sete dias, valor que remediaram vendendo acções”. No livro lê-se ainda que Jardim Gonçalves tinha 70 milhões de euros em acções e ficou com apenas 5 milhões – “Um património que deixou de ser auto-sustentável, chegará o dia em que os filhos e netos terão dificuldade. Nada o preocupa mais.”
Com o filho Jorge Alberto, o ex-banqueiro tem 40% de uma empresa chamada Multi Family Office, de gestão de fortunas, seguros e saúde familiar. Tem dois sócios (ver caixa) ex-BCP.
Jardim Gonçalves, hoje com 83 anos, já não vai para a Quinta do Lago de férias. Por vezes vai até Lamego, terra da mulher, onde recuperaram uma casa. Cuida da prole, para “não terem dificuldade”. Este ano foi à Galiza ao casamento de um dos 23 netos.
Jardim Gonçalves atendeu o telefonema da SÁBADO, mas não quis falar. “Estou a caminhar. É o que tenho feito, e tenho respirado. Não quero entrevistas, trabalho todo o dia, não tenha pena de mim.”
SÓ EM 2001, “EM REMUNERAÇÃO VARIÁVEL LEGÍTIMA”, RECEBEU CERCA DE 12 MILHÕES DE EUROS