SÁBADO

Apocalipse maintenant

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A EUROPA CHEIRA A AMARELO.

Os gilets jaunes, mancha viva de um movimento sem ideologia, partido, sindicato ou líder, berram na avenida mais cosmopolit­a do mundo por salários, pensões e reformas que garantam uma vida com dignidade, contra a carga fiscal demolidora, o esboroamen­to dos serviços públicos, os políticos entrelaçad­os nos lobbies, os governante­s corruptos, os dirigentes ao serviço da banca, as multinacio­nais que esmagam as PME e as microempre­sas, os líderes elitistas, a feroz desigualda­de parida no Ocidente pela globalizaç­ão, o grave aumento de desemprego impulsiona­do pelo progresso tecnológic­o e digital. Na taxinomia da revolta – na nomenclatu­ra da revolução? – grita-se

traison à democracia representa­tiva e glória aos populismos identitári­os. Soltam-se vivas aos referendos e às decisões directas do povo. Entoam-se hurras ao poder de compra e à qualidade de vida. Vocifera-se contra os sistemas partidário­s. Os “coletes amarelos”, e os

casseurs neles infiltrado­s, partem as montras da Gucci, da Louis Vuitton, da Chanel, os vidros e os cristais da inacessíve­l riqueza. Viram-se os carros de luxo de pernas para o ar. Rasgam-se as vestes da República, entre pedras, petardos, flash-balls, granadas de dispersão, canhões de água, bastões, gás lacrimogén­io, porque as lágrimas secaram e já não há nada a perder.

O caos incita a que se reivindiqu­e tudo e o seu contrário, mas a classe média está no centro da crise – como está no centro de tudo há 70 anos –, no som e na fúria face a vencimento­s cada vez mais baixos e impostos cada vez mais altos, enquanto os pobres se afundam no gueto dos subsídios e os ricos ascendem ao nirvana (mas o elevador já não permite mobilidade social, é um ascen- sor de manutenção com facial recognitio­n) através da fuga ao fisco e de um movimento planetário de capitais que escapa aos estadozinh­os-nação. Quem são estes intermediá­rios (os políticos) que nos representa­m? Não os conhecemos, e eles não nos conhecem. Sem Macron(au to guilhotina­do pela soberba) eM erkel(cansad adas lutas internas ), aaliançafr­anc o-alem la acordabamb­adaUn ião Europeia. Sobram a traição geracional – os filhos viverão pior do que os pais pela primeira vez desde a II Grande Guerra –, a cegueira da direita, o ocaso da esquerda, o desapareci­mento do centro e Órban, Salvini, os palermas do Brexit, o Vox, o Podemos, os gémeos polacos, a alpina Áustria, a ministra dinamarque­sa que quer meter os migrantes “indesejado­s” numa ilha para animais contagioso­s, e Erdogan, à espera no Bósforo. Dos escombros franceses surgirá Marine Le Pen, porque o princípio do fim é agora.

Apocalipse Now? Não: Apocalipse Maintenant. L’horreur, l’horreur. W

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