A MINI-MERKEL QUE AFINAL É MAIS CONSERVADORA DO QUE A ORIGINAL
Annegret Kramp-Karrenbauer tem um nome difícil – há quem prefira AKK. E uma tarefa também complicada: suceder com sucesso à liderança marcante de Angela Merkel à frente da CDU alemã
ALEMANHA. A NOVA PRESIDENTE DA CDU
GANHOU COM UMA MARGEM ESCASSA E TEM O DESAFIO DE UNIR O PARTIDO DEPOIS DE UMA CAMPANHA ACESA
Será até 2021 ou só até ao próximo Inverno? Excepto Angela Merkel, talvez ninguém na Alemanha se atreva a adivinhar por quanto tempo vão as duas “mãezinhas” coexistir. Durante quase duas décadas, a líder da CDU e chanceler foi a mutti.O amor dos eleitores começou a diminuir quando, no pico da crise dos refugiados, a chanceler decidiu manter as fronteiras abertas. Tal como muitos outros conservadores do partido, a primeira-ministra do Saarland, um pequeno Estado junto à fronteira com a França e o Luxemburgo apoiou a decisão – mas com o tempo, foi confessando que, afinal, fora um erro. Esta mulher (em muitos aspectos diferente de Merkel: é católica, mãe de três filhos adultos, contra o aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo) chama-se Annegret Kramp-Karrenbauer (ou AKK, que os alemães pronunciam como RaKa-Ka). E é, desde dia 7, a nova presidente da CDU. A chanceler escolheu-a como sua sucessora. “Ela construiu a sua candidata”, explica Hildegard Bentele, que integra a lista da CDU às europeias. Contudo, durante a campanha, que terminou renhida (517 delegados no congresso de Hamburgo votaram nela, 482 no seu mais forte adversário Friedrich Merz), a chanceler e líder da CDU nunca lhe manifestou apoio. Merz era apelidado “anti-Merkel” e AKK de “mini-Merkel”. A definição é certeira quanto ao economista, que nos últimos 15 anos se afastou da política depois de Merkel o ter retirado da liderança do grupo parlamentar e enriqueceu até ao ponto de ter meios para adquirir dois jactos. Mas o mesmo não se poderá dizer da nova líder dos democratas cristãos. “Chamam mutti a Merkel, mas AKK é a mãe real”, que gosta de abraçar e de se mascarar de empregada no Carnaval, disse ao Nord Bayern o biógrafo e jornalista Manfred Otzelberger. “Ela é tão despretensiosa quanto Merkel, mas tem mais compaixão. Consegue explicar muito melhor a política e não usa apenas o uniforme com calças.” E não usa mesmo: ainda no domingo, dia 9, apareceu de vestido roxo numa entrevista televisiva no canal ARD. A criatura não é, portanto, semelhante ao criador. Quando perguntam a AKK qual é a sua maior prioridade, a resposta é clara: “Os meus filhos.” Enquanto os três cresciam no Saarland, ela viu muitas vezes a sua ascensão política ser questionada por ser mãe. São perguntas, assegurou nesse programa da ARD, que nunca foram colocadas aos homens. AKK persistiu e foi subindo os degraus da política. Neste ponto, a ajuda do marido de há 34 anos, Helmut, foi imprescindível. Ele inverteu os tradicionais papéis e ficou em casa a educar os
Q filhos enquanto ela passava pela presidência do município de Püttingen e pelo governo do Saarland, desde 2000, de que se tornou a primeira mulher primeira-ministra em 2011. Em Fevereiro, Merkel convenceu-a a candidatar-se a secretária-geral do partido. Quando venceu com 98% dos votos (depois de semanas na estrada em reuniões próximas com os militantes), mostrou a sua ambição: “Eu quero, posso e vou.” Ao vê-la deixar o Saarland, onde vivera 55 anos (entretanto completou 56), Otzelberger, que escreveu Die Macht ist
Weiblich (o poder é feminino) não teve dúvidas: as aspirações políticas de AKK eram muito maiores do que a secretária-geral. Ela queria dominar o partido – e o país. Agora que chegou à presidência da CDU confessou na ARD: ninguém se candidata se não for para ser chanceler. “Ela disse claramente que, quando chegar a eleição para chanceler, ela estará lá”, reforça a politóloga Elisabeth Botsch, que recebeu a SÁBADO e outros jornalistas do Sul da Europa num seminário sobre a política europeia alemã na Europäische Akademie Berlin. Em Berlim, na segunda-feira, 10, dois dias depois desta eleição, a percepção desta académica, mas também de um jornalista e de uma política ouvidos pela SÁBADO, era que AKK terá apenas algumas semanas para unir o partido. “Tem uma curta maioria e outra parte do partido queria o Merz. Vamos ver no próximo mês se a AKK consegue fazer pontes”, reforçava Elisabeth Botsch. E não bastará o espírito da época ou o barrete de Pai Natal iluminado, que está colocado sobre o símbolo gigante do partido na sede, para ser bem-sucedida. A própria AKK antevia como a tarefa seria difícil ainda antes da eleição – tanto que ocupou os dias antes do congresso de Hamburgo, em que foi eleita, a fazer os preparativos de Natal.
Um dos objectivos de AKK é resolver a questão dos refugiados, a mesma que foi fazendo desvanecer o título de
mutti em Merkel. Já se manifestou favorável à expulsão daqueles que cometam crimes e forem condenados quando, ainda na segunda-feira, a chanceler sublinhou, em Marrocos, que a Europa precisa da força de trabalho dos migrantes. Ao contrário de Merkel, AKK disse: “Estarei menos inclinada a aceitar como factos imutáveis coisas que são o que são.” Reforça Elisabeth Botsch: “Ela é mais directa, diz o que quer fazer. A Merkel era mais moderada. É um novo estilo político.”
O fim do “clube dos rapazes”?
No congresso de Hamburgo apresentou-se como combativa. Ainda assim, cerca de metade do partido preferia o estilo mais duro de Merz para as europeias e regionais de 2019, diz o jornalista Tobias Schulze, numa sala de reuniões na sede do diário de esquerda Die Tageszeitung.
Os militantes “já não querem uma presidente [da CDU] simpática”. Mas Merz representava mais do que isso. “Uma grande parte do partido quer um homem no poder depois de 18 anos de uma liderança feminina”, explicava a jornalista Martin Kessler, do Rheinische Post, à Lusa. Pretendiam o regresso ao “clube dos rapazes”, que Merkel alterou em quase duas décadas no poder. “É difícil pensar na Alemanha depois de Merkel”, confessa Hildegard Bentele numa sala da CDU no parlamento da cidade-estado de Berlim. “Ter uma pessoa durante tanto tempo no poder dá estabilidade.” Mas torna mais difícil a mudança? “Não se [a personalidade] for similar”, responde. E AKK é? Em alguns aspectos, diz. Mas “é mais conservadora, vem de uma cidade pequena, rural, é católica. Não é muito conhecedora da política externa, é mais dos assuntos nacionais. Mas depressa vai desenvolver essa capacidade.” E Merkel era também uma forasteira para os meandros da política de Berlim, como AKK agora. A SÁBADO viajou a convite da Embaixada da Alemanha em Lisboa
É MAIS CAUTELOSA EM QUESTÕES DE IMIGRAÇÃO E DISSE QUE AS FRONTEIRAS ABERTAS DE MERKEL FORAM UM ERRO