JOÃO PEREIRA COUTINHO
TINHA 12 ANOS QUANDO
entrei pela primeira vez no Museu Britânico. É experiência que não se esquece, apesar dos meus interesses, à época, serem bastante limitados: gostava de múmias e pouco mais. Ainda gosto, confesso, motivo por que me dedico à política doméstica. Mas divago. Ou não divago. Agora, leio por aí que as gerações futuras podem não ter a mesma experiência cultural. Isto, claro, se vingar a nova filosofia do tempo, que pretende devolver aos países de origem todos os artefactos roubados pelo colonialismo. Dizem os sábios que essa “mudança de paradigma” (peço desculpa) promete revolucionar os nossos museus. E, em certos casos, esvaziá-los. Mas como defender moralmente a pilhagem dos velhos senhores?
Deus me livre de o fazer! E desde já apresento as minhas desculpas pelo arrebatamento fascista com que contemplei o Egipto dos faraós. Gostaria apenas de relembrar que a devolução em massa pode ter uma consequência perversa: condenar várias expressões culturais, que o conhecimento e a técnica do Ocidente conseguiram partilhar com o mundo inteiro, a uma nova fase de escuridão e periferia. O que não deixaria de ser irónico: para respeitar a integridade de certas culturas e artes, a solução encontrada foi riscá-las do mapa.
ENTENDER O POPULISMO?
Não me canso de recomendar o último livro de Roger Eatwell e Matthew Goodwin. Intitula-se National Populism: The Revolt Against Liberal Democracy e um capítulo em especial – o terceiro – merece uma referência. Argumentam os autores, e argumentam bem, que o populismo da moda não começou com a crise financeira. Nem sequer com a crise dos refugiados em 2015. O fenómeno sempre acompanhou a própria democracia liberal; e esta sempre alimentou uma desconfiança instintiva (e para mim justificada) sobre o poder das massas.
Essa desconfiança, por razões compreensíveis, atingiu o auge com o fim da Segunda Guerra, o que levou os arquitectos liberais do pós-guerra a divisar um conjunto de instituições – globais, transnacionais, supranacionais – que pudessem discutir e decidir as questões políticas sem o ruído ignaro do “homem democrático”. Fatalmente, o “homem democrático” não desapareceu; ele ressurgiu em força e em fúria por todo o lado, reclamando, com razão ou sem ela, que os tecnocratas globais desçam do seu pedestal e passem a habitar o reles mundo da realidade. E os tecnocratas? Desceram?
Sim, mas apenas em termos geográficos: foram a Marraquexe assinar um Pacto Global das Nações Unidas para as Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares. Especialistas piedosos garantem que o “pacto” é um discurso de Miss Universo; e que os Estados, sempre soberanos, farão como entenderem. Como é óbvio, ou talvez não, assinar um pacto sobre matéria tão radioactiva, por mais inofensivo que ele seja (e não é), devia passar sempre pelos povos (e pelos parlamentos dos povos) que os tecnocratas persistem em ignorar.
Quando será que eles aprendem? Quando tiverem a Europa inteira, e não apenas Paris, a ferro e fogo?
O PANTEÃO NACIONAL
é quando um homem quiser. Ou devia ser. Que sentido faz esperar 20 anos depois da morte de um vulto para o enfiar lá? O ideal era ir mudando os defuntos todos os anos, ou pelo menos a cada legislatura, só para dar alguma vida ao espaço. Se os partidos, quando chegam ao poder, vão circulando os seus vivos pelas chefias do Estado, o mesmo devia ser concedido aos seus mortos. Curiosamente, a família de Mário Soares não concorda com esta doutrina. E recusa a trasladação do ex-Presidente para o Panteão, frustrando a criatividade legislativa dos deputados do PS e do PSD. A lei deve ser respeitada, disseram os filhos de Soares, que pelos vistos não querem que o pai seja usado como mera propaganda política do nosso “centrão”. Resta saber se os deputados toleram esta lição de maneiras e, envergonhados pelo oportunismo, passam a respeitar a memória, a história e a lei. Eu não me ficava. E, à cautela, tratava já de nacionalizar todos os vivos, mortos e mortos-vivos que, pelo menos, têm uma página na Wikipédia.
A vontade das famílias é superior à vontade do Estado? Só por cima do meu cadáver.