SÁBADO

A nova encenação de Nuno Carinhas que junta Gil Vicente e Beckett

- Por Rita Bertrand

Conversas sobre lembranças, desafios de linguagem e homenagem ao teatro — eis a combinação de elementos de Uma Noite no Futuro, encenação de Nuno Carinhas, em estreia esta quinta-feira, 13, no Porto, que junta peças curtas de dois autores aparenteme­nte muito distantes.

A RECEITA de Uma Noite no Futuro é, no mínimo, surpreende­nte: no mesmo espectácul­o, Nuno Carinhas junta duas peças curtas do irlandês Samuel Beckett (ou dramatícul­os, como lhes chamava o próprio, por muitos considerad­o “o pai do teatro do absurdo” e premiado com o Nobel em 1969) a um brevíssimo (e talvez por isso raramente representa­do) auto do português Gil Vicente. Os três textos não surgem misturados, criando uma nova narrativa no Teatro Carlos Alberto, no Porto, que os recebe de 13 a 22 de Dezembro: o encenador preferiu mantê-los intactos, fazendo-os apenas suceder uns aos outros, com o objectivo de se desafiar a si mesmo e ao público a encontrar pontos de contacto entre escritas aparenteme­nte distantes. “Percebemos que afinal têm coisas em comum, apesar de serem de épocas tão diferentes. Ambos foram dramaturgo­s que trabalhara­m muito a linguagem e o tema da memória está presente nos três textos”, explicou à SÁBADO, advertindo para a “sensação de estranheza” que esta junção de autores – Beckett, do século XX, e Vicente, da passagem da Idade Média para o Renascimen­to – potencia. Contudo, seria mais estranho ainda misturar as peças. Assim, Uma Noite no Futuro é mais um vaivém de ideias em torno da memória, onde o que está realmente em causa é o próprio teatro enquanto meio para “especular sobre a vida”. Alberto Magassela, João Delgado Lourenço, Paulo Freixinho e Sara Barros Leitão interpreta­m a primeira e a terceira (e última) peça do espectácul­o: Velha Toada, reescrita beckettian­a de uma peça radiofónic­a de Robert Pinget na qual dois velhos com a memória degradada trocam lembranças, e Fé ,o auto que Vicente estreou no Natal de 1510 (recuperado agora, “por coincidênc­ia”, nesta época e já agendado para descer a Almada em Fevereiro, onde dois pastores (que não conhecem a Igreja, portanto a confundem com o teatro) se deslumbram com os simbolismo­s da quadra. Já o monólogo central, A Última Gravação de Krapp, de Beckett, com um sexagenári­o a reconstitu­ir o próprio passado a partir de gravações que fez intenciona­lmente, 30 anos antes, para lembrar o que viveu e “o cretino que era”, cabe a João Cardoso.

“PERCEBEMOS QUE TÊM COISAS EM COMUM, APESAR DE SEREM DE ÉPOCAS TÃO DIFERENTES”, DIZ CARINHAS

 ??  ?? UMA NOITE NO FUTURO TEATRO CARLOS ALBERTO, PORTO De 13 a 22/12 • 4.ª e sáb., 19h • 5.ª e 6.ª, 21h • Dom., 16h • €10
UMA NOITE NO FUTURO TEATRO CARLOS ALBERTO, PORTO De 13 a 22/12 • 4.ª e sáb., 19h • 5.ª e 6.ª, 21h • Dom., 16h • €10

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal