Rui Costa Lopes: os preconceitos influenciam a tomada de decisões em profissões críticas?
Um médico decide o tratamento em função da origem social de um paciente? E um polícia dispara mais facilmente se o suspeito for negro? Perguntas a que o psicólogo social e investigador do ICS tenta responder.
Sempre que um jovem negro é atingido pela polícia norte-americana, Rui Costa Lopes, 37 anos, volta a ler sobre o guineense Amadou Diallo nas notícias. A morte deste imigrante, em Nova Iorque, iniciou uma linha de pesquisa sobre como os preconceitos influenciam a tomada de decisões de profissões críticas, como os polícias (e os juízes ou os médicos), e que o investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) tem seguido também em Portugal.
Essa morte ocorreu nos anos 80?
Em 1999. Polícias (que, acho, estavam à paisana) confundiram-no com um suspeito de violação e deram-lhe instruções para permanecer quieto. Não sei se porque não percebeu, se por nervosismo, foi buscar a carteira para se identificar. No momento que o fez, dispararam 40 tiros. Metade acertou-lhe.
E iniciou-se uma linha de estudo sobre o peso que a discriminação teve para a decisão dos agentes?
Exactamente. O Joshua Correll desenvolveu um jogo com cenários simulados: as pessoas tinham de decidir se disparavam ou não sobre brancos, negros, que, às vezes, seguravam uma arma, outras objectos neutros, como um telemóvel. O que ele observou é que disparam mais rápida e frequentemente contra alvos negros. É mesmo uma questão da cor, da etnia, do alvo.
Há um preconceito português?
[São] estereótipos muito semelhantes aos dos Estados Unidos (EUA). Mas nos EUA há coisas mais negativas, associadas à criminalidade, e mais positivas como [os negros] “são pessoas muito musicais, com aptidão desportiva superior”. Essa parte é menos forte em Portugal.
“São úteis, apesar da cor da pele, podem ser estrelas da NBA.”
Exactamente. E as pessoas justifi- cam-se erradamente quando pensam que não estão a ser preconceituosas e dizem “eu digo tanta coisa positiva sobre essas pessoas.”
Perguntava-lhe sobre qual é o preconceito típico do português?
Há a ideia ainda muito marcada por um ideal luso-tropicalista de que nós fizemos um tipo de colonização que, supostamente, foi mais amigável, mais de miscigenação. Isto foi um mito muito avançado no Estado Novo e que ainda permanece. Temos estudos que mostram que isto é um mito, que tem sido utilizado para esta ideia de que nós somos um povo que sabe bem receber e dar-se com outros povos e, portanto, somos menos preconceituosos.
Estudou se houve fases em que a discriminação esteve mais latente, como com os retornados?
Eu diria – mas não fiz essa pesquisa histórica – que faz sentido que tenha causado preocupação naquele
que a psicologia social mostra ser um grande preditor de atitudes negativas face a outros grupos: estamos todos a combater pelos mesmos recursos [como o emprego].
Isso também aconteceu com os brancos que vinham das colónias.
Como se fossem menos brancos.
É muito mais do que a cor da pele, tem que ver com origem social...
... local de nascimento, estrutura social. A conversa tem estado centrada na questão do preconceito racial, mas há aquele projecto de que sou responsável, a linha de estudos sobre decisões especialmente críticas, face a grupos de baixo estatuto (de que negros e ciganos fazem parte).
Como estão a estudar esse processo de tomada de decisão?
No último ano, fizemos estudos com universitários em que lhes pedimos que se ponham em posições como se fossem as pessoas que tomam estas decisões. [Mais recentemente], fizemos o primeiro estudo com estudantes de medicina.
Colocam-lhes situações em que a condição de saúde é semelhante, o que diferencia os pacientes são as condições socioeconómicas?
Estamos a comparar imigrantes negros com portugueses brancos. Não mostramos só dois pacientes para não perceberem o que está por trás do estudo. Um médico ajudou-nos a estabelecer as informações médicas sobre a atribuição de um tratamento que tem custos muito elevados, a hepatite C. Quem o toma tem 99% de probabilidades de ficar curado. Custa 7 mil euros. Damos informação médica muito técnica sobre isto, que é equivalente para as duas pessoas, que estão no meio de outras [três a seis, no total] para não perceberem esta igualdade. Ainda não sei os resultados, mas o que esperávamos é que darão mais prioridade aos portugueses brancos do que a outros.
O que justifica essa prioridade?
Temos ideia sobre ser uma questão de preconceito, uma antipatia em relação a certos grupos sociais. Pode-se traduzir em percepções de que certas vidas têm menos valor. E as pessoas podem utilizar estas avaliações de valor como base para as decisões. Também há a hipótese de serem estereótipos. Perguntámos aos estudantes de medicina quais eram os estereótipos sobre os negros que os portugueses podem ter. Assim visto por alto, ainda não está bem analisado, há um grande estereótipo de que têm menor adesão terapêutica e, portanto, estão a dar-lhes um tratamento que se não cumprirem não vai resultar. E não vão gastar recursos com este grupo.
Aos universitários apresentavam casos criminais?
A informação era só cor da pele. Dizíamos que, por questões de confidencialidade, as fotografias estavam desfocadas, mas dava para perce-