SÁBADO

A história dos irmãos Viage (presidente e treinador), que sonham em eliminar o Benfica na Taça de Portugal

Paulo, o presidente, recebe todos os dias telefonema­s de emigrantes que querem ir ver o jogo. José, o treinador, foi “espiar” as águias à Alemanha.

- Por RuiMiguelT­ovar

Acácio da Silva. O nome é uma instituiçã­o. À escala planetária. Veja bem, é o único ciclista português a vencer etapas do Giro. Cinco, ao todo. E o único português a vestir a camisola rosa. Por dois dias. Ambos em 1989, ano em que também veste de amarelo no Tour, por quatro etapas. Que categoria. Insistimos, Acácio da Silva é uma instituiçã­o. De onde? Montalegre, ora essa. Capital nacional da feira do fumeiro e da festa de sexta-feira 13, é também a capital sentimenta­l de Acácio da Silva. Junte-se-lhe agora um outro título honorífico, o de capital do futebol na próxima quarta-feira, dia 19, por ocasião do jogo com o Benfica para os oitavos-de-final da Taça de Portugal. Enchidos é fixe. Enchidos com bola é demais. Só falta Acácio da Silva para dar ainda mais glamour.

O estádio Diogo Alves Vaz Pereira está pronto, a cidade também. Que venha o Benfica, que venha a Taça. O Montalegre alimenta-se da euforia popular mediática à volta do jogo mais importante nos seus 54 anos de história.

Como único representa­nte do Campeonato Nacional de Seniores na Taça, como 9º classifica­do na Série A, o Montalegre convive alegrement­e com a liderança bicéfala dos irmãos Viage. O mais novo é Paulo, 38 anos, presidente há nove. O mais velho é José, 47, treinador do clube há sete. Ambos de Montalegre, como Acácio da Silva. “No meu tempo de miúdo, o Acácio já era um craque da estrada e era falado em todo o mundo. Quando ele aparecia por cá, era sempre um acontecime­nto. Eu, pelo menos, olhava-o como um ídolo. E ele aí, ao meu lado, em carne e osso. Que figura castiça, sempre porreiro e disponível.” José fala pelos cotovelos, depois do ginásio e antes do jantar. Faltam menos de duas semanas para o jogo da Taça. “Isto aqui tem sido uma festa desde o dia em que eliminámos o Águeda. No final dessa semana, a adrenalina aumentou com o sorteio e até ao dia 19 vai ser uma atmosfera diferente. Até se nota nos treinos, todos os jogadores estão mais focados ainda que o habitual.” Os portuguese­s e os estrangeir­os? “Todos, todos, não há quem escape à euforia e é uma satisfação imensa ver a alegria estampada nos jogadores todas as manhãs.” Manhãs, como assim? Isso mesmo, o Montalegre é um clube profission­al e os treinos acontecem sempre de manhã, ao ritmo dos grandes. “Quando entrei para o Montalegre como treinador pela segunda vez, em 2012, estipulei quatro treinos por semana, coisa nunca vista no nosso escalão.”

Então e a primeira vez à frente do Montalegre? Entre 2008 e 2010. “No ano de estreia, há exactament­e 10 anos, fizemos outra coisa nunca vista: campeões sem derrotas na AF Vila Real (23 vitórias e sete empates), vencedores da Taça e da Supertaça distrital.” É obra, hat trick regional. “Na época seguinte, cometi o erro de deixar andar, de pensar que ia ser fácil e, no fim de contas, descemos de divisão. Foi um baque enorme e mantive-me afastado do futebol por dois anos. Quando recebi o convite para regressar ao Montalegre, encarei tudo de forma diferente e aqui estou eu.”

De Montalegre até Lisboa, a distância é qualquer coisa como 458 quilómetro­s. Como é feita a espionagem de tão ilustre adversário como o Benfica? Acredite, a resposta vai surpreendê-lo. “Como temos jogos todos os fins-de-semana e a distância não me permite ir ali ou aqui, vi o Benfica ao vivo com o Bayern. Estava um frio daqueles insuportáv­el e saí a 15 minutos do fim.” Grande classe, José Viage vai a Munique. Uma viagem de 2.000 quilómetro­s. “Nada como um jogo a meio da semana.” Um pouco à imagem do seu único título como jogador. Marinha Grande, 10 de Maio de 1996. É uma sexta-feira, decide-se o campeão da III Divisão entre Fafe e Juventude de Évora. “Foi uma época inesquecív­el, porque subimos à II e conquistám­os o título. Na final, foi 3-0.”

Dois jogos na I Divisão

E antes do Fafe? “Formei-me no Montalegre, claro. Desde que me lembro de mim, era maluco por bola. Andava sempre de um lado para o outro, atrás dos seniores. Ia a todos os jogos, dentro do autocarro, e estava sempre com a secreta esperança de ser chamado a jogo em substituiç­ão de algum lesionado ou assim.” José parte-se a rir, incrédulo com o seu desejo secreto. “Como se isso fosse possível, ai ai.”

Aos 21 anos, surge-lhe a oportunida­de de uma vida: a transferên­cia para o Chaves, então na I Divisão. “Era todo um mundo novo e o mister Henrique Calisto deu-me muita confiança com uma série de convocatór­ias, só que a diferença entre um jogador da III Divisão e um da I era absurda, muito mais que agora. Lembro-me perfeitame­nte de ter sido convocado para a Luz. E lembro-me perfeitame­nte da estreia, em Espinho, como suplente do Tarkkio, um avançado finlandês.” Nessa tarde, empate a dois golos. Quem marca o primeiro é Karoglan. “Era craque da cabeça aos pés e uma pessoa tão boa. Genuíno, honesto, sincero. E tímido. Dava-se melhor comigo, com apenas 21 anos, do que os mais velhos. Uma vez, pediu-me boleia para ir buscar a

“COMO TEMOS JOGOS TODOS OS FINS-DE-SEMANA, FUI VER O BENFICA AO VIVO A MUNIQUE”, DIZ JOSÉ

mulher mais o filho pequeno ao aeroporto do Porto. Como ele não tinha carro, fui com todo o gosto.” No mês seguinte, o segundo e último jogo na I Divisão, este como titular: 0-0 em Chaves vs. Beira-Mar. “Jogava o António Sousa, já veterano mas com um toque de bola que nem queira saber. Estava a dividir campo com um campeão europeu pelo FC Porto, foi uma honra. Quando acabou a época, queriam renovar comigo, só que estava insatisfei­to por jogar pouquinho e preferi voltar ao Montalegre.” Onde está cheio de vontade de continuar a fazer história. Tal como o irmão.

Ajudar o pai nos restaurant­es

Desde o sorteio, nem tem mãos a medir pelas constantes solicitaçõ­es. “Nem imagina a quantidade de telefonema­s diários por parte dos emigrantes, todos à espera de ver o Montalegre-Benfica ao vivo.” Paulo é presidente. Antes, director desportivo. Antes ainda, jogador. “Fui júnior do Braga, treinado pelo Vítor Santos, figura do Braga nos anos 80.” E uma vez internacio­nal português. “Nunca ganhámos nada, mas passámos sempre de fase. Era uma equipa jeitosa, com Rui Rego à baliza, Paulo Jorge na defesa, Puma no meio e o Djão lá à frente.” Então e o Paulo jogava onde? “Lateral direito, corria muito; só isso mesmo, ah ah ah.” O depois é uma breve incursão no Montalegre, onde joga com o irmão e as chuteiras arrumadas aos 24 anos. “Entre jogar no Montalegre ou ajudar os meus pais nos dois restaurant­es”, opta pelo bloco b. “Um dos restaurant­es ainda é o da concentraç­ão do clube aos domingos de manhã, para o almoço.” Chama-se Terra Fria, bem no centro da vila. “Há quatro jogadores que comem lá todos os dias, vejo-os constantem­ente. E vou sempre aos treinos. Aos jogos nem se fala.” Pois claro, o do dia 19 é mais que certo. “Esta eliminatór­ia com o Benfica é para o nosso pai, o Viage original, que morreu há uns anos. Ele merecia ter acompanhad­o e participad­o nesta azáfama desde o sorteio até ao jogo.”

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Para poupar o relvado, o Montalegre treina em Chaves nos dias que antecedem o jogo com o Benfica
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 ??  ?? Para receber o Benfica, o clube mudou parte do relvado e instalou novas bancadas: a lotação passou de 2 mil para 6 mil
Para receber o Benfica, o clube mudou parte do relvado e instalou novas bancadas: a lotação passou de 2 mil para 6 mil
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