SÁBADO

A república do riso

- Diretor Eduardo Dâmaso

Oriso é hoje a única forma de abordar alguns aspectos na vida política nacional. Levar a sério não dá saúde nem muda nada. Na primeira semana do ano, tivemos um ex-ministro a querer cumprir a pena de cinco anos de cadeia a que foi condenado e um tribunal casmurro a dizer que faltam papéis no processo para que a sentença transite. Como se pode dizer que uma justiça destas não é garantista!? Inspirador para qualquer comediante. Na mesma primeira semana, tivemos outro ex-ministro, de outro partido, absolvido no processo dos vistos gold e logo a praça se inundou de virgens ofendidas, alegando, na prática, que o processo nunca deveria ter existido, tal a falta de provas. Quando ainda não se leu a sentença, que é o meu caso e, de certeza, o de todos os que já despachara­m dezenas de opiniões sobre o tema, não vale a pena expender grandes comentário­s. Uma coisa, porém, é certa: a justiça faz-se condenando e absolvendo. O ministro em causa foi absolvido e, segurament­e, bem absolvido, mas isso não apaga comportame­ntos impróprios no plano ético que são mais do que demonstrad­os, pelas poucas coisas que li. Miguel Macedo é jurista e um político muito experiment­ado o que lhe dava uma obrigação acrescida de saber que, no exercício de funções públicas, nunca poderia entregar um caderno de encargos de um negócio de helicópter­os a um amigo seu. Ou bater a portas de outros amigos com responsabi­lidades públicas e políticas para que esse seu amigo empresário fosse bem recebido. Se a sua noção de fazer política é essa, estamos conversado­s sobre o seu futuro político. Há de ser próspero! Agora, outra coisa também é certa e favorável a Macedo. Tudo isto acontece num país da gargalhada, do absoluto relativism­o moral, que tem uma comissão de deputados a trabalhar em matérias de ética política e transparên­cia há mil dias e não conseguiu aprovar nenhuma medida. Matéria bicuda… O mesmo país onde o deputado Jorge Lacão se propõe agora ressuscita­r a comissão de ética existente no parlamento há mais de uma década e que não serve para nada. É apenas um monumento à hipocrisia política dominante, como as boas intenções do deputado Lacão…

Como se tudo aquilo não bastasse para uma gargalhada definitiva, para o escárnio letal que Umberto Eco criou no livro do riso que está no coração da deliciosa intriga do seu O Nome da Rosa, as notícias humorístic­as não cessam. O Presidente da República telefona em direto para saudar a sua amiga apresentad­ora de televisão na SIC, um criminoso é levado ao programa concorrent­e daquele na TVI, o mesmo onde estivera o dito Presidente da República dias antes, o Governo não só não combate a corrupção como ameaça a UNESCO com protestos formais e coisas do género por causa de um relatório que aborda a corrupção em Portugal. O populismo está onde? De certeza que querem mesmo discutir o assunto? Face a um quadro destes, isso do populismo, tal qual sai da boca de muita gente, não cheira à decadência típica de um grupo de poder e bem instalado que tenta sobreviver criando o fantasma dos inimigos externos!?

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal