A república do riso
Oriso é hoje a única forma de abordar alguns aspectos na vida política nacional. Levar a sério não dá saúde nem muda nada. Na primeira semana do ano, tivemos um ex-ministro a querer cumprir a pena de cinco anos de cadeia a que foi condenado e um tribunal casmurro a dizer que faltam papéis no processo para que a sentença transite. Como se pode dizer que uma justiça destas não é garantista!? Inspirador para qualquer comediante. Na mesma primeira semana, tivemos outro ex-ministro, de outro partido, absolvido no processo dos vistos gold e logo a praça se inundou de virgens ofendidas, alegando, na prática, que o processo nunca deveria ter existido, tal a falta de provas. Quando ainda não se leu a sentença, que é o meu caso e, de certeza, o de todos os que já despacharam dezenas de opiniões sobre o tema, não vale a pena expender grandes comentários. Uma coisa, porém, é certa: a justiça faz-se condenando e absolvendo. O ministro em causa foi absolvido e, seguramente, bem absolvido, mas isso não apaga comportamentos impróprios no plano ético que são mais do que demonstrados, pelas poucas coisas que li. Miguel Macedo é jurista e um político muito experimentado o que lhe dava uma obrigação acrescida de saber que, no exercício de funções públicas, nunca poderia entregar um caderno de encargos de um negócio de helicópteros a um amigo seu. Ou bater a portas de outros amigos com responsabilidades públicas e políticas para que esse seu amigo empresário fosse bem recebido. Se a sua noção de fazer política é essa, estamos conversados sobre o seu futuro político. Há de ser próspero! Agora, outra coisa também é certa e favorável a Macedo. Tudo isto acontece num país da gargalhada, do absoluto relativismo moral, que tem uma comissão de deputados a trabalhar em matérias de ética política e transparência há mil dias e não conseguiu aprovar nenhuma medida. Matéria bicuda… O mesmo país onde o deputado Jorge Lacão se propõe agora ressuscitar a comissão de ética existente no parlamento há mais de uma década e que não serve para nada. É apenas um monumento à hipocrisia política dominante, como as boas intenções do deputado Lacão…
Como se tudo aquilo não bastasse para uma gargalhada definitiva, para o escárnio letal que Umberto Eco criou no livro do riso que está no coração da deliciosa intriga do seu O Nome da Rosa, as notícias humorísticas não cessam. O Presidente da República telefona em direto para saudar a sua amiga apresentadora de televisão na SIC, um criminoso é levado ao programa concorrente daquele na TVI, o mesmo onde estivera o dito Presidente da República dias antes, o Governo não só não combate a corrupção como ameaça a UNESCO com protestos formais e coisas do género por causa de um relatório que aborda a corrupção em Portugal. O populismo está onde? De certeza que querem mesmo discutir o assunto? Face a um quadro destes, isso do populismo, tal qual sai da boca de muita gente, não cheira à decadência típica de um grupo de poder e bem instalado que tenta sobreviver criando o fantasma dos inimigos externos!?