SÁBADO

Ray Sawyer (1937-2018)

-

Já tinha atuado em dezenas de bares, como baterista e voz secundária numa série de projetos sem reconhecim­ento, quando perdeu o olho esquerdo num acidente de trabalho em Portland, no Oregon, onde em meados da década de 60 tentava singrar como lenhador, já que a música lhe parecia carreira instável. Ganhou a alcunha de Dr. Hook, por ter ficado parecido com Hook, o Capitão Gancho de PeterPan, e a tragédia da meia cegueira tornou-se a sua salvação: “Foi aí que decidi que a música seria o meu destino. De qualquer modo sempre fui demasiado louco para outra coisa qualquer”, disse. Em 1968, já com a pala no olho, o bigode farfalhudo e o chapéu pejado de pins e crachás que se tornaram a imagem de marca da banda, fundou os Dr. Hook & the Medicine Show, com os quais alcançou êxito nos EUA e até na Europa: Sylvia’s Mother atingiu o 2º lugar do top de vendas britânico, depois de escalar ao quinto na América. Corria o ano 1973 e não eram estreantes. The Co ver of Rol lingS tone, o seu primeiro êxito, sexta posição na tabela americana, já lhes tinha garantido um artigo de capa na revista Rolling Stone (precisamen­te a temáti- ca da canção): uma entrevista intitulada “De banda de bares desconheci­da à capa da Rolling Stone”. Não por acaso, a canção – escrita, tal como Sylvia’s Mother, por Shel Silverstei­n, então cartunista da revista Playboy a tentar afirmar-se como compositor, que apostou neles depois de ouvir as suas demos em 1970 – ressurgiu em 2000, no filme Quase Famosos (sobre a cena musical e as groupies das bandas de rock da época), realizado por Cameron Crowe, que fora o autor da entrevista original ao grupo. Nascido a 1 de Fevereiro de

1937 em Chickasaw, vilória do Alabama, Ray Sawyer começou a tocar guitarra aos 11 anos, sendo muito influencia­do por Hank Williams e o blues e R&B de artistas de Nova Orleães – como Smiley Lewis and

Huey Smith –, a cuja cena musical mais tarde se juntou, gravando para a conceituad­a etiqueta Mobile um par de singles. Graças a um deles, Bells In My Heart, recebeu a sua primeira carta elogiosa de uma fã, durante anos a única. “Estive em muitas bandas antes dos Dr. Hook,” lembrava Sawyer, que nos primeiros tempos era exclusivam­ente baterista, a que depois juntou os dotes de vocalista: “A maioria não tinha nome, exceto uma,

Líder dos Dr. Hook & the Medicine Show, que nos anos 70 alcançaram grande êxito com canções do cartunista da Playboy, morreu no último dia de 2018. Tinha 81 anos “NESSA ALTURA TOCAVA COM OS NEGROS, CANTEI SOUL E ROCK’N’ROL CLÁSSICO”, LEMBROU

chamada Chocolate Papers. Nessa altura, tocava com os negros, cantei soul e rock’n’roll clássico, devo ter atuado em tudo o que era bar de Houston a Charleston.”

Foi das cinzas dos Chocolate Papers – Sawyer, o guitarista George Cummings e o teclista Billy Francis, a que depois se juntou Dennis Locorriere, como vocalista – que, em 1968, nasceram os Dr. Hook & the Medicine Show, que se estrearam na banda sonora do filme Quem é Harry Kellerman?, com Dustin Hoffman, em 1971. Com Shell Silverstei­n a assinar a maioria das suas canções conheceram o sucesso, mas o declínio viria logo de seguida, levandoos a encurtar o nome para Dr. Hook, regressand­o à ribalta com A Little Bit More e When You’re in Love With a Beautiful Woman, recordista­s dos tops. Já longe do blues que marcava o seu som original, perderam o percussion­ista em 1983 para uma carreira a solo que acabou por resvalar num reciclar de velhas glórias: até 2015, quando a saúde deixou de o permitir, atuou sob a designação Dr. Hook featuring Ray Sawyer, interpreta­ndo os êxitos dos anos 70.

 ?? LUIS GRAÑENA ??
LUIS GRAÑENA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal