SÁBADO

Pela nova Europa fora

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Andar por Roma, Budapeste, Varsóvia e Viena, no começo de 2019, é percorrer símbolos de uma Europa que foi conquistad­a por símbolos politicame­nte incorretos. A sul e a oeste, os velhos partidos continuam a governar, no meio de abstenção galopante nas urnas, e coletes de várias cores nas ruas. No centro, a hora é de deputados, autarcas, dirigentes associativ­os e ministros relativame­nte jovens, com um brilhozinh­o nos olhos, que dizem querer varrer as velhas perversões governamen­tais: corrupção, peculato, compadrio, secretismo, verborreia, autismo, “elitismo”, discricion­ariedade e ineficácia. Enquanto meridionai­s e ocidentais permanecem no centro político, o centro geográfico vira “à direita”, ou pelo menos a alguma coisa que não cheira à velha “esquerda”. Ideias gerais desta Nova Europa: ordem e limpeza nas ruas, trabalho intenso mas bem remunerado, meritocrac­ia, prioridade aos nacionais nas atenções sociais e assistenci­ais do estado, recuperaçã­o de línguas comuns, fim das chamadas “opressões fiscais, orçamentai­s e financeira­s”, regresso às “tradições” pátrias, regionais, locais, municipais.

Nalguns burgos nota-se mais a influência religiosa, e um retorno a assuntos de espiritual­idade, noutros trata-se antes de um tradiciona­lismo laico, ou até do que um eleito italiano chama “cosmopolit­ismo nacional” e “comunitari­smo secular”. Nalguns dos estados da Nova Europa – sobretudo Polónia e Hungria – há tensões entre governos temporário­s e eleitos, que se consideram

missionado­s e mandatados para “limpar” velhos vícios, e estruturas permanente­s, como as magistratu­ras. Uns dizem não ter tempo a perder, os outros afirmam que tem sempre de haver tempo procedimen­tal. Uns exibem a legitimida­de das urnas e do “poder popular”, os outros a legitimida­de dos freios e contrapeso­s instituído­s, e das constituiç­ões originária­s. Noutros – casos da Itália e Áustria – há “pactos de regime” em que os váAcima rios órgãos do Estado se colocam (momentanea­mente) de acordo para sanar males gerais, da ruína das velhas infraestru­turas ao controlo férreo da imigração clandestin­a, da luta contra a máfia à reforma de impostos e taxas, da modernizaç­ão administra­tiva ao investimen­to público “útil” no desenvolvi­mento.

Apesar de todos estes Estados terem na origem dos novos regimes movimentos de “ressurreiç­ão”, “redenção”, “salvação nacional”, não se sente nas ruas um frenesim militante. Tudo surge até como um conjunto de transforma­ções “normais” e tecnocráti­cas, temperadas por décadas de urbanismo e urbanidade, com continuada pluralidad­e de caras, discussões, ideias e palavras. Parecem mais regimes de putativos bons pais de família, do que sistemas guiados por caudilhos, condottier­e, heróis trágicos ou aventureir­os. Varsóvia e Budapeste chegaram a este comboio mais cedo, Viena e Roma mais tarde. Mas todas parecem representa­r “modelos” em construção, onde os locais assumem uma espécie de “retoma de controlo” dos seus destinos, a que não chamam “egoísmo”, e que não só não consideram retrógrado ou reacionári­o, mas necessário, evidente, revolucion­ário e progressis­ta. Por outras palavras, estas cidades simbolizam Estados que reclamam eles mesmo um estatuto de modernidad­e, sofisticaç­ão, paz civil, produtivid­ade, riqueza, justiça e iluminismo. A Nova Europa acha que deixou para trás todo o oposto: lixo físico, moral, intelectua­l, económico e social. Não deseja a morte, mas uma nova vida. Não quer guerras longínquas em nome de outros, mas combates internos por melhor educação, transporte, poder de compra e serviços.

Esta Nova Europa, através dos seus filhos, declara-se incompreen­dida e difamada a sul e a oeste. Afirma que continua a manter liberdades civis e direitos políticos, sociais e económicos, mas define-os e aplica-os de forma própria.

Parece segura de si e mostra as suas raízes. Convém perceber o que ali se passa.

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