Uma lição dura para os professores
A PRIMEIRA DECISÃO POLÍTICA
para “apagar” o tempo de serviço dos professores e de outras carreiras especiais do Estado foi tomada por um governo do PS no fim de 2010. Ao mesmo tempo que cortava salários, o então ministro Teixeira dos Santos mais do que congelava as progressões – nas carreiras em que estas dependessem dos anos de serviço, o período congelado não seria “contado para efeitos de promoção e progressão”. O governo de Passos Coelho não abriria mão da alínea. Estas decisões políticas duras não obedeciam só à situação de urgência financeira imediata em que o País se encontrava: procuravam controlar, à partida, a detonação de uma bomba de despesa acumulada com progressões por realizar. Com a urgência financeira já praticamente dissipada, o atual Governo não prescindiu logo da alínea sobre a contagem do tempo congelado, mas comprometeu-se a descongelar as carreiras. A redução do défice e o ambiente político cedo levaram à exigência, liderada pelos professores, de contar o tempo passado prestado durante o congelamento. O problema são as circunstâncias.
A primeira é o contexto financeiro. O défice orçamental pode estar praticamente extinto, mas sobram os constrangimentos conhecidos: um volume de dívida ainda muito alto e um crescimento económico moderado, dependente de um contexto externo que hoje ajuda e amanhã desajuda. A necessidade de disciplina orçamental (o que é diferente de austeridade adicional) não desapareceu. Se a fronteira é clara, a liberdade de gestão do Estado também é contexto. O empregador Estado está muito limitado na gestão da despesa com os seus trabalhadores. A maioria está blindada legalmente contra o despe- dimento, sendo também impossível cortar salários de forma definitiva, como provou a jurisprudência de crise do Tribunal Constitucional. Depois de aumentada, a despesa dificilmente volta a descer e o controlo mais eficaz, o único mesmo, é impedir o seu crescimento. Para as Finanças isto significa olhar para toda a despesa – da Segurança Social às PPPs, passando pelos trabalhadores de todas as áreas – e não apenas para os interesses de uma corporação. A margem para atender por inteiro às reivindicações dos professores e das restantes carreiras especiais – que o Governo diz, sem divulgar cálculos, custarem 1.000 milhões de euros brutos – é por isso curta e compete com outras prioridades. Seria preciso um imperativo moral que pesasse mais do que a legítima pretensão destes trabalhadores. Só que este imperativo é difícil de vislumbrar à luz de carreiras com progressões assentes no passar do tempo e em autoavaliação. Centeno já manifestou vontade de mexer nas carreiras, mas meteu a viola no saco: a oposição do PCP, do sindicato que o PCP controla (a Fenprof) e do Bloco não o permite. Por isso, o Governo adota uma solução canhestra de compromisso, típica deste tempo político: os professores recuperam menos de um terço do tempo, o que os coloca numa suposta igualdade com a contagem do tempo dos funcionários que não progridem da mesma forma.
Em ano eleitoral, e com o parlamento a favor da pretensão dos professores, é possível que haja uma cedência adicional, o habitual empurrar de parte da fatura com a barriga. Mas é pouco provável que Costa dê o que os professores querem. Para os professores será um revés. Mas esta é ainda a fatura da crise passada, cujas marcas na maioria da população e no Estado são duradouras. E é, ironicamente para os visados, a contrapartida para a força do seu lóbi e as conquistas de outras eras: são mais de 100 mil, altamente sindicalizados, com poder de rutura numa área importante para milhares de pessoas, com representantes sindicais que resistem a qualquer alteração. Talvez haja aqui uma lição a aprender.