SÁBADO

O MUNDO CONTRA IDA

A HISTÓRIA

- EDUARDO PITTA CRÍTICO

k Ébomterde volta a italiana Elsa Morante (1912-1985), tão arredia da edição portuguesa, ao contrário do marido, Alberto Moravia. O mais famoso dos seus romances, A História, foi agora traduzido por José Lima. À data do lançamento, em 1974, no auge dos anos de chumbo italianos, a celeuma em torno do livro dividiu a intelligen­tsia marxista. Pasolini, de quem Morante era amiga e colaborado­ra, foi um crítico violento. Nunca mais se falaram até à morte do cineasta. Embora comece antes e acabe depois, A História centra-se na ocupação de Roma pelos nazis e, em particular, na história pessoal de Ida Ramundo, professora, judia, vítima de estupro (em sua própria casa) por um soldado alemão, bêbedo, incapaz de perceber que a epilepsia fizera Ida perder por momentos a consciênci­a. Useppe, o segundo filho, nasceu em resultado. Mas o romance centra-se sobretudo na história da Europa do século XX. Pontuam o livro cronologia­s detalhadas de convulsões políticas ocorridas entre 1900 e 1967. Como se não fosse possível perceber Ida sem conhecer os porquês das duas Guerras Mundiais, a República de Salò, o estalinism­o, as bombas de Hiroxima e Nagasáqui, a vitória de Mao Tsé-Tung, o Muro de Berlim, a independên­cia da Argélia, a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, a guerra do Vietname, a onda de assassinat­os políticos em Itália, o golpe dos coronéis em Atenas, etc. Na sua crueza, na ambiguidad­e das suas harmónicas (“Ela redescobri­a aquela sensação de realização…”), nem o capítulo da violação dispensa contexto histórico. O relato do conflito é devastador. Morante tem uma escrita seca, precisa, capaz de, sem ênfase retórica, fazer o retrato vívido de personagen­s secundária­s (como é o caso de Davide Segre) e, ao mesmo tempo, descrever acontecime­ntos terríveis em grande angular. Inquéritos e listas valem o que valem, mas, segundo uma pesquisa feita em 1985 pelo jornal

Corriere della Sera, A História é (ou era) o mais lido e discutido dos romances italianos contemporâ­neos. Fora de Itália, é considerad­o um dos 100 romances mais importante­s de sempre, em qualquer língua.

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ELSA MORANTE Ed. Relógio d’Água • 492 págs. TTTTT

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