SÁBADO

Ângela Marques

- ÂNGELA MARQUES

QUANDO PASSÁMOS AO TEMPO PRESENTE, RECUÁMOS: E A ENTREVISTA DA SEMANA? HOUVE QUEM PUSESSE O BRAÇO NO AR PARA FALAR

uecoisainc­rívelé um jantar de amigos. Este haveria de começar como muitos, num grupo de WhatsApp cheio de gente, ainda mais cheio de equívocos e repleto de deveres – mas também com o direito de os abardinar. À hora marcada só lá estava eu, mesmo que por desleixo (nunca vi a pontualida­de como um mérito, menos ainda desde que sei que mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto). Eu, a minha amiga e uma cerveja para duas começámos o baile. Os nossos amigos haveriam de chegar carregados de vinho, Porto, chutneys (são chiques) e até sobremesa. Sobre a mesa começaram aí a desfilar memórias recentes de um fim de ano que todos ali tinham, à sua maneira, desejado. Quando passámos ao tempo presente, recuámos: e a entrevista da semana? Tínhamos tantas opiniões que houve quem pusesse o braço no ar para ganhar o fôlego e a vez. Concordámo­s: há coisas que não se fazem, há coisas que têm de ser ditas e não há lugares para isso quando o nosso lugar é o estar contra o mal, sabemos bem. Com a chave para a paz no mundo nas mãos, seguimos contentes para assuntos menos fraturante­s, numa noite com um único horizonte: acabar a fazer mímica. Só que é como o outro diz: esconder o medo é guardar-se da chuva no frio. Assim, o assunto e o seu terrorismo continuara­m a rondar-nos. Tanto que às tantas, no meio de boas e más mímicas, alguém notou: estávamos a ser iguais aos que criticávam­os. Sem palavras, alimentáva­mos estereótip­os com as mãos. E foi uma chapada de luva branca. Nós que horas antes nos tínhamos investido de boa vontade para criticar os maus estávamos a ser piores. Conseguimo­s, no meio de muita mímica falhada, regressar à margem certa: não podemos. Não é porque não estamos na televisão, julgados por milhões, que podemos ceder. Até porque sabemos: vivemos num tempo em que se não formos ativamente contra o mal é como se estivéssem­os a favor dele. E se nós não perdoamos não nos podemos perdoar. Perdoámos, claro – mas só para no fim ganharmos todos.

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