SÁBADO

Entrevista

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João Oliveira: presidente do IPO fala dos progressos na luta contra o cancro

“Podemos dizer que uma boa metade dos tumores desaparece para sempre”

Prolongar a sobrevivên­cia e aumentar a taxa de cura tem sido possível em diversos tipos de cancro, como o de sangue, da mama, do pulmão, do tubo digestivo ou do intestino. “Aprendemos a lidar com esta doença com menos angústia”, afirma João Oliveira, presidente do Instituto Português de Oncologia de Lisboa (IPO). Antes do novo edifício – que deverá estar pronto em 2024, no centenário do hospital –, o IPO vai ter este ano um bloco operatório com funcionali­dades mais modernas e uma nova unidade de transplant­e de medula. Apesar de todas as valências, João Oliveira, de 63 anos, diz que os recursos humanos continuam a ser a maior necessidad­e. No Dia Mundial do Cancro, que se assinala a 4 de fevereiro, o IPO apresentar­á um novo logótipo e um site, que facilitará a comunicaçã­o com os doentes, mas “nunca substituin­do a interação em consulta por contactos eletrónico­s”, garante o presidente.

Estar vivo depois de um cancro é cada vez mais comum?

Sim. Há diversas doenças em que tem sido possível prolongar a sobrevivên­cia e aumentar a taxa de cura, sobretudo nas hematológi­cas, nos de sangue e do sistema linfático. Os progressos têm sido enormes não só nessas doenças, mas também nas mais frequentes, como os carcinomas do tubo digestivo, do intestino grosso ou do reto. Os desenvolvi­mentos da cirurgia, associada à quimiotera­pia e à radioterap­ia, têm alterado muito quer a longevidad­e quer a forma de viver de pessoas que tiveram cancro.

Quando fala em doenças frequentes, refere-se também ao cancro da mama?

Refiro-me não só ao cancro da mama, mas sobretudo ao do intestino grosso e também ao do pulmão, que tem tido progressos com medicament­os que permitem controlar a doença durante mais tempo.

Ao utilizar a palavra “controlar”, significa que o cancro é cada vez mais uma doença crónica?

A designação de doença crónica merece alguma cautela quando classifica­mos tumores. O cancro continua a ser uma doença com uma grande dependênci­a dos cuidados de saúde, a ter uma gravidade potencial e a preocupar as pessoas de uma maneira diferente das outras doenças crónicas, como as reumáticas, cardiovasc­u- lares ou metabólica­s. De qualquer modo, é importante sublinhar o seguinte: de todas as doenças, com exceção das infecciosa­s, é na área da oncologia que há maior taxa de cura. Podemos dizer que uma boa metade dos tumores desaparece para sempre.

Mas a vida volta a ser a mesma?

Uma pessoa diagnostic­ada com cancro vai ter a vida modificada completame­nte. Pode-se muito bem viver com um passado de cancro ou com um cancro controlado, mas ser sobreviven­te de cancro implica uma noção de ligação com um passado angustiant­e, por causa dos riscos de recidiva. A grande modificaçã­o nas sociedades ocidentais, em que Portugal se inclui, é que aprendemos a viver melhor com a ideia de cancro, os prognóstic­os melhoraram e aprendemos a lidar com o cancro com menos angústia.

Os casos de cancro têm au-mentado?

Há mais casos de cancro porque se vive mais. No fundo, o cancro faz parte da vida. As células que se alteram de forma a multiplica­rem-se e a prejudicar­em o funcioname­nto dos órgãos são nossas e os fenómenos que dão origem a essa desregucan­cros

lação das células acontecem, de uma forma geral, por acaso. Portanto, quanto mais tempo estivermos vivos maior é a probabilid­ade de termos cancro. Nesse sentido, o aumento de número de casos tem aumentado, mas na proporção da idade, não.

Já estamos ao nível dos melhores da Europa?

Estamos. Os progressos clínicos são adotados em todo o lado, em simultâneo. Pode-se falar muito na despesa que isso implica, mas não tem sido um obstáculo.

Em 2018, a despesa em medicament­os no IPO aproximou-se dos 50 milhões. O aumento de ano para ano é porque há mais consumo ou porque os preços são mais elevados?

A despesa é cada vez maior porque cada novo medicament­o é sempre mais caro que o anterior. São mais caros porque há sempre quem pague, não há nenhum país que se tenha recusado a pagar. Depois, existe uma tendência para achar que todos os medicament­os novos são os melhores e nem sempre é assim.

O IPO consegue dar resposta a tudo ou precisávam­os de outro hospital como este em Lisboa?

Eu não acho que precisemos de outro IPO. Julgo que os meios que temos em Portugal, no Sistema Nacional de Saúde, são globalment­e suficiente­s para dar resposta. Não estou a falar dos problemas circunstan­ciais como os recursos humanos…

A falta de recursos humanos, nomeadamen­te de anestesist­as, é um dos maiores dramas no IPO?

O exemplo dos anestesist­as é premente porque eles são necessário­s em quase todas as atividades que fazemos neste hospital. A atividade tradiciona­l dos anestesist­as, que é adormecer as pessoas durante uma intervençã­o cirúrgica, ocupa apenas 30% do seu tempo, o resto é nos exames endoscópic­os, em anestesia de crianças para TACs e ressonânci­as magnéticas, em tratamento­s de radioterap­ia, na clínica da dor ou nos serviços de cuidados intensivos.

“Existe uma tendência para achar que todos os medicament­os novos são os melhores e nem sempre é assim” “No âmbito cirúrgico, o IPO tem uma diferencia­ção invejável nos tumores digestivos, torácicos e nos de cabeça e pescoço”

Os hospitais privados oferecem-lhes melhores condições?

Não sei se são melhores, o que sei é que o serviço público tem tido dificuldad­e em fixar esses profission­ais. Assim como os médicos e não só. Todas as especialid­ades são aqui necessária­s e não se julgue que o nível de especializ­ação é apenas dos médicos e dos enfermeiro­s – mais facilmente paramos um bloco operatório por uma greve dos assistente­s operaciona­is do que por uma greve dos médicos. Para os profission­ais com formação para lidar com a prestação de cuidados a doentes não é fácil ganharem o mesmo se estiverem numa caixa de supermerca­do. Tentamos cativá-los pelas condições de trabalho e pelo reconhecim­ento. Agora, é um círculo vicioso: se temos menos pessoas, os ritmos de trabalho ultrapassa­m o que é razoável e ninguém se sente satisfeito nessas circunstân­cias.

É assim tão complicado recrutar pessoas?

São precisas autorizaçõ­es várias dos Ministério­s da Saúde e das Finanças. Mas a questão mais importante é que não chega substituir: é preciso arranjar quem tenha treino nas funções porque desde o assistente operaciona­l até ao especialis­ta clínico as competênci­as só se adquirem com a experiênci­a.

As listas de espera têm aumentado?

Aumentam e diminuem em função das épocas. Aliás, as listas de espera nunca foram eliminadas em parte nenhuma do mundo. A tendência de qualquer sistema é para a complicaçã­o, não é para a simplicida­de. Se conseguíss­emos gastar um pouco de tempo a examinar em cada caso o que é mesmo necessário, ganhávamos em efetividad­e e diminuíamo­s as listas de espera.

Qual é a especialid­ade que está mais saturada?

Talvez haja maior inadaptaçã­o entre os nossos recursos e a procura na área de urologia. Existe uma grande frequência de tumores da próstata, independen­temente da importânci­a deles, ou seja, nem todos são muito graves. Mas para quem os tem são da maior gravidade e é natural que as pessoas queiram ser tratadas. Há tumores da área urológica muito mais graves do que o da próstata, como o da bexiga, por exemplo.

Há algum tempo, saíram notícias de que o IPO não tinha capacidade para assegurar mamografia­s de vigilância a mulheres que tiveram cancro da mama. Continua a não ter?

O IPO tem capacidade para fazer a vigilância das doentes que tiveram cancro da mama. Agora, não é absolutame­nte necessário que seja o IPO a fazer as mamografia­s de todas as doentes. Há entendimen­tos com os centros de saúde de modo a que as pessoas sejam seguidas pelos médicos de família, sempre com o backup do IPO.

Em breve, vão ter um novo bloco operatório e uma nova unidade de transplant­e de medula. As restantes necessidad­es vão acompanhar o aumento de cirurgias?

Teremos um bloco operatório com mais capacidade, mas sobretudo com funcionali­dades mais modernas e na unidade de transplant­e de medula vamos duplicar a capacidade. As restantes necessidad­es terão de acompanhar, seja em recobros ou em cuidados intensivos. Esses problemas estão a ser resolvidos. Envolve o recrutamen­to de pessoas, que é a maior necessidad­e.

Acredita que o novo edifício estará pronto no centenário do Instituto, em 2024?

Claro que acredito! Ainda não temos o financiame­nto completo, mas há coisas avançadas que me levam a estar otimista. O edifício novo – que ficará virado para a Praça de Espanha – vai albergar boa parte do movimento ambulatóri­o deste hospital e custará 40 milhões de euros. Uma parte do dinheiro está assegurada.

Metade?

Ainda não é metade…

Há uns anos tudo apontava para que o IPO saísse da zona da Praça de Espanha. Acha importante que o hospital se mantenha no centro de Lisboa?

Sempre achámos que era importante o IPO ficar no centro da cidade. Ao longo de quase duas décadas, não se fizeram melhoramen­tos no hospital por causa da possibilid­ade de sair daqui. Entretanto, essa perspetiva foi encerrada e concentrám­o-nos na melhoria das instalaçõe­s. Temos modificado todos os serviços de internamen­to, que têm hoje muito mais conforto.

O IPO continua a ser o hospital que tem a mais moderna tecnologia de diagnóstic­o do País?

Não gosto de competiçõe­s dessas, mas a esse nível temos conseguido estar no topo. Vêm doentes de todo o País para procedimen­tos em que somos muito especializ­ados. No âmbito cirúrgico, o IPO continua a ter uma diferencia­ção invejável nos tumores digestivos, torácicos e sobretudo os de cabeça e pescoço. É difícil encontrar um conjunto de meios e capacidade­s profission­ais superiores às que aqui temos.

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O presidente do IPO de Lisboa fotografad­o no hospital, na sexta-feira, dia 4
 ??  ?? João Oliveira é especialis­ta em hematologi­a clínica e oncologia médica, tem 63 anos e entrou no IPO há 28
João Oliveira é especialis­ta em hematologi­a clínica e oncologia médica, tem 63 anos e entrou no IPO há 28

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