SÁBADO

Investigaç­ão

Nenhum testamento, um novo nome para uma Fundação aflita, bens que valerão cerca de 17 milhões. A transmissã­o de propriedad­e começou em outubro, mas sem pressas.

- PorMariaHe­nriqueEspa­da

Dois anos depois da sua morte, como está a herança de Mário Soares

Mário Soares, duas vezes primeiro-ministro, duas vezes Presidente da República, fundador do PS e figura marcante da democracia portuguesa, morreu há dois anos, a 7 de janeiro de 2017, sem deixar testamento –, mas deixando uma herança. Valiosa, mas que, curiosamen­te, tem sido encarada sem dramas e com tempo pelos dois herdeiros diretos: os filhos João e Isabel Soares. E há razões para isso, mas o processo está em curso. Em junho do ano passado, na última declaração de interesses que entregou no Tribunal Constituci­onal (TC), o filho João Soares, deputado, escreveu: “Logo que a divisão do património herdado esteja feita se fará a descrição detalhada do que passa a ser meu. Todos os bens estão no País. Não há bens no estrangeir­o.” Declarou ainda 500 mil euros num depósito na CGD, “resultante da divisão das contas de Maria de Jesus e Mário Soares”, o que permite supor que o total das mesmas, a dividir por dois – ele e a irmã mais nova, Isabel – ascenderia a mais de 1 milhão de euros. De resto, essa informação bate certo com o declarado pelo próprio Mário Soares na última declaração de interesses que entregou no TC, há 14 anos, e consultada pela

SÁBADO, em que os ativos financeiro­s e as contas – a grande maioria

em fundos de investimen­to – totalizava­m já perto de 700 mil euros. Assim, o que falta dividir é o património imobiliári­o e o Colégio Moderno. No início de 2017, a 27 de janeiro, foi feita a habilitaçã­o legal de herdeiros, em Lisboa, tendo ficado claro que Mário Soares não tinha deixado testamento “nem qualquer outra disposição de última vontade”, pelo que lhe sucediam João Barroso Soares e Maria Isabel Barroso Lopes Soares. O documento, a que a SÁBADO acedeu em dezembro na Conservató­ria do Registo Civil de Lisboa, tem três outorgante­s, ou testemunha­s: o conhecido advogado José Manuel Galvão Teles, Beatriz Capeloa Gil e Carlos Manuel Brito Marques, todos ligados à mesma sociedade de advogados, a Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados. Os mesmos três elementos da sociedade tinham já feito a habilitaçã­o de herdeiros de Maria de Jesus Barroso, a 7 de agosto de 2015, na mesma conservató­ria. Mas este foi só o primeiro passo e, finalmente, só há três meses, a 24 de outubro de 2018, se tornou efetiva a transmissã­o das casas e propriedad­es de Mário Soares para os seus dois filhos. Em concreto, e segundo as várias cadernetas prediais consultada­s pela SÁBADO e depositada­s em várias conservató­rias do País: a casa no Algarve, no Vau (2.962 m2 de terreno e 407 m2 de área coberta); um terreno no Alvor (de 13.000 m2), com uma pequena dependênci­a agrícola; um terreno em Azeitão (11.500 m2); a casa de Nafarros, Sintra (150 m2 de área coberta e 4.500 m2 de área total) e mais três terrenos agrícolas contíguos (numa área que soma mais 4.800 m2); e a casa em Lisboa, no Campo Grande, composta por dois prédios urbanos. Um, com uma área total de 267,2 m2; outro, com uma área total de 620 m2.

De acordo com os dados estatístic­os disponívei­s para os preços de oferta do mercado imobiliári­o, a casa no Vau valeria aproximada­mente 763.839 euros (os 407 m2 multiplica­dos pelo valor médio de oferta para o concelho de Portimão, que é de 1.877 euros o m2); e a de Nafarros 196.950 euros (os 150 m2 de área coberta multiplica­dos pelo valor médio para o concelho de Sintra, que é de 1.313 euros o metro quadrado).

Já as casas no Campo Grande estão situadas numa freguesia em que o valor médio do m2, avaliado para venda, ronda os 3.450 euros. O que projetaria o valor-base de mercado dos dois prédios urbanos no Campo Grande para os 3.060.840 euros. O total para os prédios urbanos (sem contar com a eventual valorizaçã­o dada pelos prédios rústicos que os rodeiam) ascende assim a 4.021.629 euros.

Mas a lentidão com que o processo foi gerido parece indicar que não houve pressa em tomar posse das casas e dos terrenos. E a transmissã­o de

AS CASAS E OS TERRENOS SÓ EM OUTUBRO ÚLTIMO PASSARAM A SER PROPRIEDAD­E DE ISABEL E JOÃO

propriedad­e já efetuada também não: a propriedad­e passou, em todos os casos, para os dois irmãos, e não foi feita ainda a partilha de quem fica em concreto com quê. No entanto, ao que a SÁBADO apurou, é provável que a casa do Algarve (no Vau) fique para Isabel Soares e a de Sintra para João Soares. Quanto à casa do Campo Grande, onde Isabel Soares vive – e a mais valiosa das três do ponto de vista patrimonia­l – é encarada como uma casa de família. No Natal, João Soares esteve na Bélgica, com a família da mulher, mas fez questão de vir no dia 25 jantar a casa da irmã. Isabel deverá lá continuar a viver e nem é absolutame­nte claro que venha a haver divisão dos dois prédios urbanos. Até porque não há premência. Os dois irmãos mantiveram sempre uma boa relação, ao longo da vida, e também ao longo deste processo. Mantêm conversas, há muito, também sobre o futuro da Fundação. Além do mais, o facto de, em última instância, serem os netos de Soares – os cinco filhos de João Soares: Mafalda, Inês, Mário, Jonas e Lilah – a virem a herdar, mais tarde, o património familiar, retira qualquer pressão ao processo. O mesmo se passa em relação ao Colégio Moderno.

O Colégio Moderno

O Colégio, 14º no ranking de escolas do Público/Católica, é a retaguarda da família Soares. Fundado por João Soares (pai de Mário) em 1936, teve sempre uma sucessão feminina na direção, primeiro com Maria de Jesus Barroso, que sucedeu ao sogro, e depois com Isabel Soares, que sucedeu à mãe e está atualmente à frente da instituiçã­o. Já lá trabalhou uma das netas de Soares, Inês, a mais velha, e neste momento é a neta Mafalda, médica, que tem dado alguma colaboraçã­o à tia na gestão do Colégio. Apesar do sucesso evidente, a escola não parece estar a ser encarada pela família como um ativo a dividir para já. A estrutura acionista mantém-se completame­nte intocada. Assim, no Colégio Moderno de João Soares e Filhos, Lda., o neto e homónimo João Soares tem uma quota mínima, de 6%, que reflete o facto de nunca ter tido uma relação mais próxima com a escola. Aliás, a quota foilhe transmitid­a quando o pai foi deportado para São Tomé, com a perspetiva de que era preciso haver alguém maior (tinha já feito os 18 anos) que pudesse assinar os papéis na sua ausência. E a quota nunca cresceu. Já Isabel tem uma quota maior, de 25%, que correspond­e também à sua maior ligação à instituiçã­o de que agora é sócia-gerente. Os 9% de Maria de Jesus Barroso constam como pertencent­es, genericame­nte, a “herdeiros de Maria de Jesus Barroso Soares” – nem esses foram redistribu­ídos. E a quota maior, de Mário Soares, de 60%, permanece indivisa no último relatório e contas. Mais uma vez, não parece haver pressa. E, também aqui, em última instância, acabará por ser herdado pelos cinco filhos de João Soares.

A NETA MAFALDA ESTÁ A AJUDAR A TIA, ISABEL, NA GESTÃO DO COLÉGIO, ONDE NADA FOI MEXIDO AO NÍVEL DA SOCIEDADE

O Colégio é, de longe, o portaaviõe­s do património familiar. Emprega 229 pessoas a tempo inteiro, mais 39 a tempo parcial, e faturou 10.790.953 euros em 2017, com resultados líquidos de 1.584.265 euros. Tem ativos de mais de 16 milhões de euros e o capital próprio está nos 12.515.778 euros. E mostra resiliênci­a: quer as vendas e prestações de serviços, quer os resultados líquidos têm mantido valores estáveis nos últimos cinco anos.

Além do valor económico e patrimonia­l, o colégio tornou-se uma instituiçã­o importante da cidade, com um nível de ensino de excelência, filas para as candidatur­as a matrículas, e com capacidade para atrair a elite. Foi lá que estudaram, por exemplo, os dois filhos de António Costa. E foi lá que lecionaram o histórico líder do PCP Álvaro Cunhal, o escritor David Mourão Ferreira ou o filósofo e ensaísta Agostinho da Silva. Além do próprio Mário Soares. Mas é ali que haverá um problema de sucessão, para resolver mais tarde. Atualmente, familiares e amigos reconhecem que Isabel “vive para aquilo”, e não se afigura no cenário presente quem queira “viver para aquilo” com a exigência que a instituiçã­o acarreta. Mas a saúde financeira e a dedicação de Isabel permitem que – ao contrário da fundação – essa não seja para já uma preocupaçã­o premente da família. A SÁBADO contactou Isabel Soares por várias vias, mas a filha de Mário Soares não respondeu.

Em todo o caso, é mesmo o Colégio que faz saltar os valores da herança de Soares para valores milionário­s: os 12 milhões e meio de capitais próprios, somados à casa do Campo Grande e às restantes casas e terrenos, e aos depósitos já divididos, elevam o valor da mesma para cerca de 17 milhões de euros.

Nestas contas, não entra a Fundação, cujo património é autónomo e lá permanecer­á, não revertendo, naturalmen­te, para a família. Esta tem, segundo o mais recente relatório e contas (de 2017), terrenos e recursos naturais avaliados em 452 mil euros (incluem os terrenos do polo em Cortes, Leiria, e os edifícios da sede, arquivo e biblioteca, em Lisboa). E a rubrica “edifícios e outras construçõe­s” inclui 3.163.419 euros dos edifícios do arquivo e da biblioteca e 213.593 euros do edificado no polo de Leiria. Num processo calmo, o facto de não ter havido testamento acabou por enterrar de vez os temores de alguns, de que a família também teve conhecimen­to, de que Soares, na fase final da vida, já muito debilitado, pudesse de alguma forma ter contemplad­o a enfermeira que o acompanhav­a. Não foi, de resto, a primeira vez que surgiram desconfian­ças quanto a testamento­s na família: a proximidad­e de Maria de Jesus Barroso com a Igreja Católica, que se acentuou nos últimos anos de vida, também levou a dúvidas sobre se não contemplar­ia doações a alguma instituiçã­o como último

A QUOTA DE 60% DE SOARES NO COLÉGIO MODERNO ESTÁ INTOCADA. EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, FICARÁ PARA OS NETOS

desejo. Mas em nenhum dos casos isso se confirmou.

A fundação: pesada e imóvel

Se o destino do Colégio Moderno, assim como do património imobiliári­o, parece mais ou menos claro, a maior incógnita surge com o futuro da Fundação Mário Soares, que leva o seu nome, e que terá até um maior valor simbólico enquanto emblema do nome de Mário Soares e do que deixou para trás. “O Mário nunca quis resolver isso em vida, por mais que a gente insistisse com ele”, lamenta um dos seus maiores amigos, António Campos. Sem testamento, e sem uma orientação predefinid­a sobre o que fazer com a missão e os espólios depositado­s na FMS, cabe agora aos herdeiros decidir numa situação que é financeira­mente mais difícil e sem o fundador a ajudar. O peso dessa ajuda concreta ilustra até que ponto ele a levava a sério: “Ele o que cobrava pelas conferênci­as internacio­nais, que era por vezes 40 ou 50 mil euros, doava à fundação”, aponta Campos. Outro amigo recorda que nas negociaçõe­s com a RTP para os vários programas que organizou, costumava dizer que por ele abdicava de pagamento, mas tinha de ser, porque os honorários do contrato eram para financiar a fundação. A generosida­de e proativida­de na recolha de fundos ficou por aí: Soares nada estabelece­u para o futuro depois de si, “nunca quis encarar” isso, diz Campos, e deixou nas mãos do conselho de administra­ção, e da filha Isabel, que é vice-presidente da instituiçã­o, as decisões. E um problema de sustentabi­lidade financeira por resolver.

A Fundação Mário Soares tem um capital próprio de 2.929.621 euros, pelo que, aponta João Ferreira do Amaral, membro do conselho fiscal, à

SÁBADO, a questão da sustentabi­li-

RESOLVIDA A QUESTÃO DA FUNDAÇÃO, JOÃO E ISABEL ADMITEM DOAR-LHE A BIBLIOTECA E OS QUADROS DO PAI

dade não se coloca no curto prazo. Ainda assim, o facto de ter tido um resultado líquido negativo de 388.800 euros em 2017 mostra que a instituiçã­o está a consumir, de forma rápida, o seu próprio capital, apenas para continuar a subsistir: em 2014, o capital próprio estava ainda acima dos 4 milhões de euros. Os gastos com pessoal são ainda elevados: também em 2017, foram 360.326 euros. E, mesmo assim, os custos com salários são hoje menores: a FMS tem 19 funcionári­os, mas fonte da instituiçã­o refere que terá superado, nos tempos áureos, as 30 pessoas. Já foi preciso emagrecer. No relatório e contas de 2017 a própria FMS admite abertament­e as dificuldad­es e a “diminuição das receitas”, “quer as provenient­es de contribuiç­ões regulares ou ocasionais e de apoios mecenático­s, quer as constituíd­as por rendimento­s gerados pelo património próprio”. Neste contexto de aperto, têm ainda surgido notícias, e também boatos, sobre o futuro da Fundação e dos seus vários espólios – que não têm caído bem internamen­te.

“Há uma coisa muito clara, quer para mim, quer para a minha irmã [Isabel Soares], que é a de que a Fundação Mário Soares é para se manter”, assegura João Soares à SÁBADO. A forma concreta como isso será feito, contudo, remete para o conselho de administra­ção, de que não é membro (saiu quando foi para ministro da Cultura, e não regressou depois de deixar o cargo). O CA é constituíd­o por três vogais (António Dias da Cunha, Victor Dias e Carlos Monjardino, este muito ativo na gestão, e que também preside à Fundação Oriente) e pela vice-presidente Isabel Soares. Mas há linhas de orientação, reconhece o filho João: “É óbvio que a fundação é para manter, quer em Lisboa, quer em Leiria”, onde funciona a Casa-Museu. É lá que fica a casa que era do avô (pai de Mário Soares), que foi herdada diretament­e pelos netos João e Isabel, e que estes, por sua vez, a doaram à Fundação. Era uma espécie de casa de família, pouco usada, mas onde ficaram algumas memórias da juventude dos dois. Outra certeza de João Soares: “Não abdicarei dos papéis do meu pai.” Ou seja, o espólio de Mário Soares será para preservar na Fundação. A forma de o conseguir, deixa, de novo, para a irmã e para o conselho de administra­ção, que diz não querer pressionar de forma alguma. Mantendo-se a Fundação, há outra intenção: agregar o nome da mãe, Maria de Jesus Barroso, à designação da FMS. Maria de Jesus morreu em 2015 (ano e meio antes do marido), e deixou ela própria também uma Fundação, a Pro Dignitate, presidida por Vítor Ramalho, que tem estado na prática sem atividade.

Mas que mudanças podem estar em cima da mesa? A via mais provável é uma articulaçã­o com a Torre do Tombo (TT) que permitisse uma gestão profission­al e técnica dos arquivos: se isso acontecerá mantendo-os onde estão, com gestão técnica da TT, ou mudando-os para a TT, mas

JOÃO SOARES NÃO COMENTA, MAS SERIA ELE A SOLUÇÃO ÓBVIA PARA LIDERAR A FUNDAÇÃO. E ISSO NÃO ESTÁ POSTO DE PARTE

com alguma forma de autonomia, ainda não é claro. A última solução não seria inédita: a TT tem vários espólios, que lhe foram doados, mas que mantêm autonomia, como, por exemplo, os de Marcello Caetano (cuja consulta exige aliás autorizaçã­o da família) ou Melo Antunes. As duas instituiçõ­es têm mantido contactos para avaliar a situação. Tem havido contactos quer com a TT, quer com o Ministério da tutela, o da Cultura. Outro problema menos evidente, mas importante, é a escassa atividade da FMS. Com exceção do prémio atribuído em parceria com a EDP, pouco mais tem acontecido. Até as consultas de investigad­ores ao arquivo rareiam. Esta paragem, que já se iniciara nos anos finais de Soares, é hoje uma evidência. E uma das questões por resolver é: como manter a Fundação com uma atividade digna do nome do fundador? A questão reflete a ausência de liderança direta – a vice-presidente tem já as mãos cheias com a gestão do Colégio Moderno – e a questão da sucessão: quem presidirá à FMS? João Soares seria o nome mais óbvio, mas recusa especular sobre esse cenário. No entanto, a SÁBADO apurou que, num cenário em que as dificuldad­es estruturai­s da FMS estejam resolvidas, o filho pondera vir a presidir à fundação que o pai fundou.

O que fazer aos arquivos?

O arquivo a preservar na FMS será o do próprio Soares, naturalmen­te, e também alguns de amigos mais próximos e de figuras da Primeira Re-

A HABILITAÇíO DE HERDEIROS FOI EFETUADA TRÊS SEMANAS DEPOIS DA MORTE DE SOARES

pública. Quanto aos restantes – e são cerca de duas centenas –, o destino mais provável é mesmo a transferên­cia para a TT. Muitos poderão implicar contactos prévios com os familiares dos depositant­es, para permitir a transferên­cia, um trabalho longo, e que ainda não arrancou, “nem faria sentido que arrancasse quando a solução definitiva ainda não está desenhada”, refere fonte conhecedor­a do processo. Por isso, as notícias vindas a público com críticas de Pedro Pires, o ex-Presidente de Cabo Verde e presidente da Fundação Amílcar Cabral (à Lusa) e de Iva Cabral, filha de Amílcar Cabral (ao Público) à eventual transferên­cia do espólio, geraram mal-estar interno. Carlos Barroso, primo dos irmãos Soares e desde há décadas o secretário-geral da instituiçã­o, apenas diz: “A Fundação não tem receitas próprias e vive da remuneraçã­o dos seus capitais. A solução não é fácil. E a pressão que se tem sentido de fora, na comunicaçã­o social, não é positiva.” Outras fontes indicam que as notícias sobre o “fim” da FMS tal como existe refletirão, em alguma medida, divisões internas entre funcionári­os históricos da fundação. A SÁBADO contactou formalment­e o conselho de administra­ção da FMS, no sentido de obter esclarecim­entos sobre o futuro da fundação, mas não obteve qualquer resposta.

A biblioteca e os livros sobre “os papéis” de Soares

Na declaração que entregou no TC em 2005, no contexto da sua última candidatur­a presidenci­al, Mário Soares referia já uma biblioteca de mais de 40 mil volumes, que continua na casa da família no Campo Grande. Pelo menos durante mais uma década continuou a aumentá-la: Soares era um bibliófilo militante, que colecionav­a primeiras edições das obras marcantes da literatura portuguesa do século XX e que continuou, enquanto a saúde lho permitiu, a frequentar alfarrabis­tas com entusiasmo. E tinha até, porque era amigo de muitos, obras autografad­as de autores marcantes como Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, ou dos neorrealis­tas Alves Redol ou Carlos de Oliveira, entre muitos outros. Também colecionou alguns quadros de autores portuguese­s e outros com valor simbólico, como o que lhe foi oferecido por Xanana Gusmão, pintado enquanto esteve detido numa prisão indonésia. Quando a situação da fundação vier a ficar mais clara, um dos cenários considerad­os pelos dois filhos de Soares é a doação da biblioteca pessoal do pai à FMS – ainda que os netos possam guardar como memória do avô algumas obras escolhidas mais significat­ivas. A iniciativa mais destacada prevista para este ano de forma a dar uso ao espólio do próprio Mário Soares, depositado na Fundação, é a publicação, pela Imprensa Nacional Casa da Moeda, e com coordenaçã­o de José Manuel dos Santos, seu antigo assessor cultural, de um primeiro volume da sua correspond­ência pessoal, com foco na correspond­ência cultural. Estão já identifica­das, neste âmbito, cerca de 1.500 cartas, que incluem trocas com Sophia de Mello Breyner, Miguel Torga, Jaime Cortesão, José Saramago, Júlio Pomar, com o historiado­r Vitorino Magalhães Godinho e o cientista António Damásio, entre outros. Num século em que o meio privilegia­do de contacto entre as elites culturais começou por ser a escrita, Soares correspond­eu-se, a partir dos seus 18 ou 19 anos, com algumas das figuras que marcaram o País nesta área, e guardou até cópias do que ele próprio enviou. A intenção da Imprensa Nacional Casa da Moeda em parceria com a FMS é publicar todos os anos um livro de Soares com inéditos e outro a partir de títulos já publicados. Há um investigad­or, Pedro Marques Gomes, a fazer a recolha e a catalogaçã­o dos inéditos – e ainda faltará tratar cerca de sete ou oito anos. Para 2024, ano em que se celebrarão os 50 anos do 25 de Abril e os 100 anos do nascimento de Mário Soares, está pensada a edição do primeiro volume das obras completas de Soares, incluindo os escritos inéditos que se encontram depositado­s no arquivo. Pode supor-se que Soares gostaria: ao longo da vida, guardou todos os papéis que lhe passaram pelas mãos. Agora terão uso.

A FUNDAÇÃO TEVE, EM 2017, PREJUÍZOS DE 388 MIL EUROS. ACUMULA RESULTADOS NEGATIVOS

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h foram celebrados por Soares, enquanto a saúde o permitiu, com grandes festas com amigos. Mas passou os últimos quatro com dificuldad­es físicas, e os últimos dois em situação de grande debilidade

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