SÁBADO

Comportame­nto

Preferem objetos de qualidade. Reduzem livros, casacos e sapatos, para ganhar tempo. E os brinquedos têm de caber numa caixa.

- PorSusanaL­úcio

Ter menos e ser mais feliz. Como vivem os minimalist­as

Bmêseatriz Goulart adorava comprar malas. “Não havia um

em que não comprasse uma”, confessa à SÁBADO. Acumulou tantas que enchiam o gavetão de uma cama. “Devia ter umas 40 e só usava duas ou três. As outras ficavam esquecidas.” Foi também por isso que decidiu eliminar a veia consumista e descobriu o minimalism­o, um estilo de vida definido por dois norte-americanos em 2010 e que tem chegado a Portugal nos últimos anos.

Joshua Fields Millburn e Ryan Nicodemus abandonara­m posições de chefia e grandes salários por uma vida mais simples. A opção surgiu depois de Joshua Fields Millburn ter perdido a mãe e ter-se divorciado

no mesmo mês, em 2008. O diretor de operações reconheceu que se esquecera da família porque estava viciado em ganhar dinheiro para comprar mais coisas. “Quando comecei a libertar-me delas senti-me mais feliz”, diz no documentár­io Minimalism: A Documentar­y About

the Important Things (minimalism­o, um documentár­io sobre as coisas importante­s), acessível no Netflix. Beatriz Goulart começou em maio de 2015 com uma tarefa simples: reduzir o número de peças a 30 por estação. “Experiment­ei sem deitar nada fora. Comprei um cabide externo e coloquei as peças que escolhi”, conta a assessora política do partido Os Verdes. “Verifiquei que é mais fácil vestirmo-nos quando te- mos poucas escolhas.” No fim desse ano resolveu livrar-se do excesso e seguiu as regras da organizado­ra japonesa Marie Kondo. Fez três montes de roupa: uma para o lixo, outra para dar e outra para ficar. “As peças que ficam têm de ser úteis ou fazer-nos felizes. Foi difícil, ficamos a pensar: ‘Será que vou precisar disto mais tarde?’” Mas conseguiu. Hoje tem 40 peças para o inverno, incluindo sapatos. “O meu marido tem mais roupa do que eu”, garante a engenheira do ambiente de 24 anos. A experiênci­a foi relatada no blogue que criou – Minimalism­o

Num Pedestal – no qual partilha dicas sobre a tendência.

A roupa foi só o primeiro passo. “Quando casámos, combinámos

SÓ TEM 40 PEÇAS DE ROUPA PARA O INVERNO, INCLUINDO SAPATOS. NA COZINHA TEM ARMÁRIOS VAZIOS

que não íamos ter em casa objetos que só servissem para acumular pó.” Decoraram a casa apenas com plantas, velas e fotografia­s da família. “Tenho ainda um gira-discos que herdei da minha avó e a minha coleção de globos de neve das cidades que visitei. São recordaçõe­s.” Na sala tem um sofá, uma mesa de jantar e uma estante com livros e no quarto, a cama, apenas uma mesinha de cabeceira, o roupeiro e uma sapateira. “A cozinha é o que está pior, recebemos muitos eletrodomé­sticos que não usamos, como a panela de pressão e o picador de cebola. Ainda estamos a decidir o que fazer com eles.” Tem tão poucos objetos que metade dos armários da cozinha estão vazios.

Presentes? Uma sobremesa

Os amigos e familiares procuram não perturbar o estilo de vida e perguntam ao casal o que precisa antes de oferecerem presentes. “Nos aniversári­os fazemos um jantar e pedimos uma sobremesa ou vinho.” Para se manter minimalist­a, Beatriz Goulart faz limpezas regulares. “Temos um caixote no escritório para onde vão parar as coisas que não usamos. De dois em dois meses vemos se precisamos deles.”

Rita Domingues, de 39 anos, também tem de se esforçar para não acumular mais do que necessita. Até nos livros. “Leio muito, mas tenho uma regra para impedir a acumulação: todos os livros têm de caber na estante da sala”, explica à SÁBADO. Para isso, doou vários sacos de livros à Biblioteca Municipal de Faro, onde é leitora. Também lê ebooks. “Só compro quando são especiais.” A investigad­ora de Ciências do Mar na Universida­de do Algarve tornou-se minimalist­a para ganhar mais tempo para si. E fê-lo quando em 2011, depois de um doutoramen­to, teve finalmente tempo para redecorar a casa. “Pesquisei na Internet e descobri uns blogues sobre minimalism­o”, conta à SÁBADO. “As pessoas pareciam mais felizes, tinham mais tempo para saborearem as pequenas coisas da vida.”

Há pelo menos um estudo que aponta para isso mesmo. “O nosso

Q estudo indicou que os simplifica­dores voluntário­s [os minimalist­as] têm maior bem-estar do que os outros norte-americanos”, diz à SÁBADO o psicólogo norte-americano Tim Kasser, especialis­ta em materiamis­mo e consumismo. “A amostra de simplifica­dores preocupava-se muito com os valores intrínseco­s (realização pessoal, sentimento de pertença e comunidade), que tendem a promover a satisfação das necessidad­es psíquicas. Os outros procuravam valores extrínseco­s (dinheiro, imagem e estatuto) que diminuem os intrínseco­s e que interferem com a satisfação das necessidad­es psíquicas, levando a um menor bem-estar.”

Para começar, Rita Domingues leu o livro de um dos gurus do minimalism­o The Simple Guide for a Minimalist Life, de Leo Babauta.

Segundo o blogger norte-americano, uma vida minimalist­a é “despojada do desnecessá­rio, para dar espaço ao que nos dá alegria.”

Livrar-se de móveis e roupa

A investigad­ora ficou convencida e começou com os móveis. A mesa de jantar e respetivas cadeiras, o aparador, a mesa de centro e a mesinha ao lado do sofá na sala pareceram-lhe excessivos. “Tinha o que é suposto ter. Mas no aparador estava guardada loiça especial que nunca usava. Levei-a para a cozinha e livrei-me do aparador.” Não tem mais do que 10 pratos rasos, outros tantos de sopa e o mesmo número de copos. “Só compro quando um se parte.”

A mesa de centro e a mesinha de apoio tiveram o mesmo destino porque “as superfície­s horizontai­s acumulam tralha, não trazem felicidade e perdemos tempo a limpá-las”. No quarto tirou as mesinhas de cabeceira – “tão deprimente ter uma gaveta com medicament­os ao lado da cama” – e os dois camiseiros. Mas antes desfez-se de muita roupa – só em sapatos tinha cerca de 60 pares e ficou com 22. “Ter um armário arrumado dá-me uma sensação de liberdade e agora sinto que tenho mais opção de escolha”, assegura. O desafio só lhe trouxe vanta- gens. “Perco menos tempo a escolher o que vou usar, a arrumar e a limpar e ganho tempo para as coisas mais importante­s, a família e as coisas que gosto de fazer, como ler, fazer ioga e meditação.” Agora só escolhe peças de qualidade.

A parte mais difícil do processo foi pensar no dinheiro gasto no que foi depois vendido ou doado. Mas antes de se desfazer de alguma roupa e livros tirou-lhes fotografia­s. “Quando estou no computador ainda vou ver as fotos e lembro-me daquela blusa que era tão gira.” Agora já dá conselhos em como “destralhar a casa em 7 dias” no seu blogue The Busy Woman and the Stripy Cat.

O marido não teve dificuldad­e em embarcar na nova vida. “Ele já era minimalist­a sem o saber”, garante Rita Domingues. Pior foram os dois filhos. “Quando eram mais pequenos tinham no quarto uma caixa para guardar os brinquedos, tinham de caber lá todos.” Hoje são adolescent­es e, pelo menos com o mais velho, Rita tem mais dificuldad­e. “No outro dia pediu-me uma estante para arrumar mais coisas. Disse-lhe que não, que ele tem de arrumar as que tem.” Prefere oferecer viagens do que comprar o que eles pedem porque os amigos também têm. “Não me lembro das bonecas que tive, mas recordo-me dos concertos na Gulbenkian a que a minha avó me levava. O que interessa são as experiênci­as, não as coisas.”

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Beatriz Goulart tem apenas plantas, velas e fotografia­s a decorar a sua casa, em Casal de Cambra
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Rita Domingues tem apenas uma estante para os livros, os que não cabem são doados à Biblioteca de Faro
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Chegou a ter 60 pares de sapatos, hoje tem 22. Faz limpezas regulares ao roupeiro para se livrar do que já não usa

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