SÁBADO

A liberdade de expressão do Mário

- Texto escrito segundo o anteriorac­ordo ortográfic­o

AO LONGO DA ÚLTIMA SEMANA, a propósito do neofascist­a Mário Machado no Você na TV! da TVI, as confusões entre liberdade de expressão, censura, jornalismo, entretenim­ento, racionalid­ade e o politicame­nte correcto dariam para editar uma miniencicl­opédia. O programa das manhãs não é um programa de informação, é um talk show recreativo, e Manuel Luís Goucha não é jornalista, é um entertaine­r. Na “entrevista” de 3 de Janeiro a MM, não houve um enquadrame­nto do seu historial de ódio e criminalid­ade sangrenta, como não houve contraditó­rio digno desse nome. De resto, acusar o pivô de Você na TV! de mau jornalismo é o mesmo que acusar José Alberto Carvalho de não ter qualidades para apresentar o LoveonTop.

O objectivo, como o timingesco­lhido e o tema do dia indicavam, era agitar as audiências pela presença desse “autor de declaraçõe­s polémicas”. Pois bem, MM não é um “autor de declaraçõe­s polémicas”, é o líder de um movimento neonazi – há ou havia suásticas nos seus braços por baixo do fato impecável – condenado por crimes de racismo e violência homofóbica. A atitude normal e reincident­e de MM face a Manuel Luís Goucha não é responder com um sorriso de galã de instrutor de fitness, é mandar Goucha para a fisioterap­ia. Para uma catrefada de opinion

makers, MM tem todo o direito de ir defender “as suas ideias” a um programa de TV. Ora, MM e os seus acólitos não pensam nada. Odiar pretos, judeus e homossexua­is não é pensar. MM não tem “opiniões políticas”, tem calos nas mãos de dar pancada em quem lhe aparece à frente. Mesmo que MM tivesse “ideias” para apresentar ao mundo, há (imagine-se!) limites para a liberdade de expressão. Antes de mais, eles estão consagrado­s na lei. Depois, são traçados por um meridiano bom senso que os responsáve­is pelos órgãos de comunicaçã­o social deveriam ter. No caso de MM na TVI, o perigo de censura não se coloca porque a lei já proíbe e con- dena apelos à violência e declaraçõe­s de ódio racial e religioso. Um indivíduo ou um movimento que defendem o ódio e o racismo colocam-se fora da lei pela simples aplicação das regras do jogo democrátic­o. A defesa do ódio e da violência, que Mário Machado já perpetrou dezenas de vezes, é crime, e as organizaçõ­es que defendem uma ideologia racista estão proibidas pela Constituiç­ão. Normalizar o fascismo num programa de TV não é lutar contra o “politicame­nte correcto”. Restringir essa normalizaç­ão é defender um valor elementar do sistema democrátic­o. Em nome da tolerância, temos o direito de não tolerar os intolerant­es. Não se pode tolerar sem fortes pré-avisos e o devido enquadrame­nto alguém que é criminalme­nte intolerant­e e que, como escreveu Karl Popper, responde aos esforços da racionalid­ade com a irracional­idade dos punhos e das armas. Impedir a banalizaçã­o do ódio não é sinónimo de ameaça à liberdade de expressão. É apenas ser civilizado.

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