Entrevista a S. Pedro sobre O Fim e o novo princípio de 2019
ENTREVISTA A par de bandas como Os Pontos Negros ou Capitão Fausto, Doismileoito popularizaram um indie à portuguesa que marcou o início da década, entrando pouco depois em hiato repentino. Dos escombros da antiga banda, Pedro Pode construiu, num estúdio caseiro e com materiais em segunda mão, um novo edifício que resplandeceu entre os novos nomes portugueses. Agora, prepara-se para uma nova etapa deste projeto batizado de S. Pedro.
Era importante que O Fim fosse gravado de forma despida, sem artifícios? Com os Doismileoito a produção era muito densa e a música tornou-se uma espécie de cobaia para o próprio estúdio. Quis explorar mais esse som despido, sem grandes embelezamentos. Um antigo professor de fotografia dizia que um pormenor é porreiro mas vários tornam-se norma. Após uma volta pelo País a promover O Fim, S. Pedro prepara-se para abrir novo capítulo em 2019 com concertos em Leiria e Lisboa, que motivam uma conversa sobre influências, raízes e crescimento. Por Pedro Henrique Miranda E tentei evitar isso, não desviar a atenção daquilo que realmente interessa.
Disse que os Beatles foram uma grande influência neste disco mas a sonoridade não deixa de ser moderna.
Costumo imaginar como seriam os Beatles nos dias de hoje. Na altura estavam na vanguarda, mas acho que se existissem hoje com a mentalidade deles seriam uns gajos aborrecidos, só com maquinaria. Encaro essa referência como uma forma de estar perante a música: na sonoridade, no formato canção, na instrumentação. As canções deles na viola parecem básicas, mas os arranjos eram tudo, e atingiam sonoridades nunca antes ouvidas. Como é que isso se repercute no disco? Na minúcia das coisas, foi um processo muito rigoroso. Ajustar os tempos dos efeitos, marcar o ritmo com uma palma em vez de uma tarola, orquestrar os elementos – vejo Beatles em tudo isso. Fascina-me toda a música dos anos 60/70, a forma como tocavam, a gravação do take do início ao fim. Eu gravei os instrumentos
quase todos, e houve muito pouca edição. É um romance meu por trás do que as pessoas realmente ouvem.
Sentes continuidade entre o teu trabalho nos Doismileoito e como S. Pedro? Faz sentido, era eu quem compunha para a banda e muitas vezes fazia também os arranjos. Mas os objetivos eram outros, tínhamos um concerto bem mais eletrificante. Os anos passam e uma pessoa procura algum conforto, expõe-se de outra forma. Hoje sinto-me mais resguardado.
Disseste que o futuro da banda era incerto. Já há mais certezas sobre isso? Vamos estando juntos de vez em quando, mas nem se fala nisso. Não sentimos necessidade, estamos em fases diferentes da vida e nenhum de nós quer voltar ao sítio onde foi feliz. Num concerto recente cantámos uma antiga juntos, foi o mais próximo que estivemos de um regresso.
Achas importante que se cante em português na música nacional? Sem dúvida, temos muita riqueza na língua e formas ritmicamente muito interessantes de as expressar. Há quem diga que é difícil mas nunca percebi isso. Tem tudo a ver com a coragem, é uma teoria minha, em português as pessoas facilmente descodificam o que estamos a dizer. Em letras mais pessoais há quem se resguarde no inglês e acaba por tornar as coisas mais pobres.
Mas cantar em português não te impede de escrever de maneira pessoal. Eu adoro pôr-me a jeito e ser nu no que digo, só sei escrever assim. Escrevo sobre mim e o que acontece à minha volta, tenho uma forma de escrever muito de prosa, sem grande poética. Muitas vezes digo coisas que quem me conhece percebe perfeitamente, mas o engraçado é que cada um encontra o seu significado.
Como foi a tradução deste álbum para o formato ao vivo? O Fim
não era para ninguém ouvir, foi mesmo retalhado, teve de haver um rearranjo para as coisas viverem. Quando adaptei o álbum para concerto, apercebi-me de que ninguém me conhece e a música exigia muita atenção das pessoas. O Rui Veloso até pode fazer um disco só a assobiar, é uma instituição musical e as pessoas ouvem-no. No meu caso não podia ser assim, teria de dar algo mais, que retivesse a atenção das pessoas, e aí sim voltar à missão de fazer música estranha.
Há uma mudança de registo neste material novo que vais apresentar? O concerto vai ser 50/50 entre material antigo e novo. As músicas têm mais ânimo, são já desenhadas para tocar ao vivo, com arranjos mais enérgicos, mas não deixam de ser canções. Simplesmente subi um bocado o tom, aumentei a distorção e coloquei mais volume na guitarra. Andava a colocar coros em muitas coisas, então pus 2 pessoas ao vivo só a fazer coros e sinto-me mais confiante a cantar a ouvir as harmonias.
Ajustar os tempos dos efeitos, marcar o ritmo com uma palma em vez de uma tarola, orquestrar os elementos – vejo Beatles em tudo isso. É um romance meu por trás do que as pessoas realmente ouvem AO VIVO S. Pedro apresenta O Fim, bem como os primeiros temas do seu novo álbum, na sexta, 11/1, às 21h30 no Teatro Miguel Franco, em Leiria (com Mr. Gallini, no festival Clap Your Hands Say F3st); e no dia seguinte a partir das 22h no Musicbox, em Lisboa. As entradas custam, respetivamente, €5 e €8.
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