SÁBADO

Terra Franca, a visão de Leonor Teles sobre um pescador no Tejo

A primeira longa-metragem de Leonor Teles, Terra Franca, é um belíssimo retrato de um homem (Albertino), de uma família, de um rio (Tejo) e de uma terra (Vila Franca de Xira). Se no passado nos convidou a partir sapos, agora mostra-nos um cowboy.

- Por André Santos

FOI HÁ TRÊS ANOS que Leonor Teles venceu o Urso de Ouro no Festival de Berlim, para a Melhor Curta-Metragem com Balada de um Batráquio.

Antes disso realizou Rhoma

Acans (2012), uma curta onde explorava as suas origens ciganas e imaginava como teria sido a sua vida se tivesse seguido a tradição. Portugal não estava preparado para Balada de um Batráquio, um filme em que desafiava o mau hábito de pôr sapos às portas de estabeleci­mentos ou edifícios para afastar os ciganos.

Por não estar preparado, entenda-se que faltava ao cinema português uma certa atitude punk. Leonor Teles, hoje com 26 anos, foi das primeiras a fazer soar o alarme para um conjunto de novos realizador­es que vinha a desafiar o sistema instituído no cinema nacional ao longo de décadas. Ela e outros, como David Pinheiro Vicente, Duarte Coimbra ou Pedro Cabeleira, são o fogo que faltava.

Terra Franca, a primeira longa-metragem de Leonor, chega esta semana às salas portuguesa­s, depois da passagem bem-sucedida por festivais como o Doclisboa ou o Festival de Cinema de Zurique. “Terra Franca começa com a minha ligação a Vila Franca de Xira e com a minha ligação a esta personagem, o Albertino. Eu tinha este desejo de fazer um filme

ao rio por causa do meu avô materno, por ter tido sempre uma relação especial com o Tejo e ter crescido naquela zona. Há um dia em que vou de barco com o Albertino e, quando vi aquela imagem, meio heroica, deste cowboy do Tejo, em que ele estava no seu elemento, pertencia ao seu elemento, estava no seu habitat natural, no rio, essa imagem ficou comigo, na minha cabeça, durante bastante tempo. Comecei a pensar que a personagem para este tal filme que queria fazer em Vila Franca poderia ser o Albertino”, conta a realizador­a à SÁBADO.

O ponto de partida para desenhar este “cowboy do Tejo” é o seu trabalho – pescador –, mas a vida familiar de Albertino rapidament­e se impõe, tornando

Terra Franca no retrato de uma família portuguesa, com preocupaçõ­es comuns – e é aqui que Terra Franca dá um salto: o retrato já não é um retrato, porque há uma humildade e familiarid­ade – Leonor conhece a família desde muito nova, andou com a filha de Albertino na escola – que salta para o espectador. De modo simples e natural, o retrato ganha outras camadas e complexida­de. Não terá sido por acaso. Afinal, Leonor chegou a Terra

Franca com muita experiênci­a: em várias entrevista­s conjunto fessou até que prefere o trabalho de fotografia (trabalhou em Verão Danado e na série

Cenas de Família) ao de realizador­a e os seus filmes são de uma grande maturidade, tratando as suas origens com grande autoridade e saber: “Mais do que a questão das origens, quero falar daquilo que está próximo de mim, daquilo que conheço. Comecei por explorar a família do meu pai, a minha ascendênci­a, e agora passei para o sítio onde cresci e vivi até há pouco tempo. Porque se calhar não tenho coragem para dar um salto e explorar uma coisa que seja fora, longe e mais ambiciosa.” Interrompe-se Leonor para explicar que o que faz é bastante corajoso e ambicioso, que os seus filmes mostram alguém a descobrir o seu passado. Será o que procura ou só instinto? “É mais instinto”, responde, sublinhand­o: “Os filmes são íntimos porque são pessoais. Eu tenho de estar completame­nte implicada neles, porque é a única maneira que de dar tudo, de nunca desistir enquanto o filme não estiver feito. Leonor não se identifica com uma geração – palavra que os mais velhos gostam de usar –, mas vê o que os ex-colegas da escola de cinema estão a fazer como essencial: “As pessoas começaram a arregaçar as mangas e a tentar. Não querem ficar à espera, a fazer carreira no meio, e só fazerem o primeiro filme daqui a dez anos. Estes realizador­es querem fazer os seus filmes agora, quando acabaram de sair da escola. Daqui a dez anos, os filmes que queriam fazer possivelme­nte já nem farão sentido.”

“As pessoas começaram a arregaçar as mangas. Estes realizador­es querem fazer os seus filmes agora, quando acabaram de sair da escola”

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O pescador Albertino, a quem Leonor chama “o último cowboy do Tejo”, é a personagem central do filme
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A vida familiar do pescador de Vila Franca de Xira dá novas camadas à obra, íntima e complexa

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