ENTREVISTA COM MICHELLE OBAMA
A ex-primeira dama dos Estados Unidos quebrou recordes mundiais com as vendas da sua autobiografia Becoming, A minha história. Nesta conversa fala do seu percurso, do seu casamento e da pressão que é viver na Casa Branca.
A ex-primeira-dama dos EUA fala de como conheceu Obama e da pressão que é viver na Casa Branca
Becoming éo bestsellerde
2018. A autobiografia de Michelle Obama vendeu cerca de 750 mil exemplares só no dia do lançamento, a 13 de novembro, e já atingiu vários milhões. No livro, a mulher do ex-Presidente dos EUA, Barack Obama, fala do seu percurso para o sucesso e das barreiras que teve de derrubar pelo caminho – desde a infância, na Zona Sul de Chicago, até aos tempos na Casa Branca, onde foi a primeira afro-americana a desempenhar o papel de primeira-dama.
Descobrimos em Becomingque a sua orientadora pedagógica no secundário lhe disse que você não era indicada para Princeton?
Sim. Voltei recentemente à minha escola secundária e o diretor só dizia: “Ela já não trabalha aqui.” Mas não faz mal. Por mim, está tudo bem. [Risos]
Mas como é que alguém faz um comentário desses?
Isso descreve o que acontece com muitas pessoas que se esforçam e que vêm de meios onde quem as rodeia não sabe melhor. Realmente uma pessoa sente-se como se estivesse sozinha, mas é aqui que eu lanço o desafio, porque há sempre alguém na nossa vida que pensa o melhor a nosso respeito. Mas se se tiver a ideia fixa de que essa pessoa tem de ser a nossa mãe ou que a ajuda de que precisamos tem de ter este ou aquele formato, então podemos deixar escapar as pessoas que estão prontas a apoiar-nos. Portanto, talvez não seja na vossa casa que vão obter esse apoio, mas de um professor, alguém da vossa igreja, de uma comunidade ou grupo a que pertençam.
No livro fala de todas as pessoas de sucesso que conheceu e descreve-as, a elas e à forma como funcionam, “como se tivessem todos os benefícios do mundo”, dizendo que é uma questão de autoconfiança. Quando é que começou a sentir isso por si própria?
Quando se é mulher e se pertence a uma minoria, ouve-se o exato
oposto disso – os “não podes”. E são mais as vezes que se ouve “Não, penso que não devia tentar fazer isso” e “Não, está a tentar chegar mais longe do que o braço”, do que o contrário. É por isso que se ouve sempre aquele gemido de consternação de cada vez que falo da história da minha orientadora pedagógica para os estudos superiores, porque tristemente isso acontece com demasiada frequência. Na outra face da moeda, há as pessoas a quem nunca alguém diz que não pode. Muito boas, medíocres, medianas. Tenho visto muita mediocridade por aí. Já me sentei à mesa de mediocridades de alta-potência. Por isso, o que me ajudou a compreender este estado de coisas, foi conseguir chegar a essas mesas de honra. Vejamos o caso de Princeton, por exemplo, quando nos é dito que nem sequer devemos candidatar-nos – chegamos a essa escola, olhamos à volta e dizemos: “Ãh? Estão a brincar comigo? Eram estes os que iam entrar à minha frente?”
Tem a ver com questões raciais?
Deixamos entrar atletas, músicos e todo o tipo de pessoas que não atingem um ponto médio de classificação académica. Isso acontece em todo o lado. Mas isto é o que os miúdos de cor ou vindos de meios rurais não compreendem. Eles entram nessas escolas e pensam: “Eu não pertenço a este meio.” E não é verdade. Isso alterou a minha forma de pensar. Ir para Princeton ajudou-me a dizer: “Ah, estou a ver como isto funciona! Eu sou a única a quem é dito que não pertenço aqui, mas toda esta gente…” E depois apercebemo-nos de que conseguimos aguentar-nos bem. Há lá miúdos que até podem ser inteligentes, mas que não são capazes de se levantar a horas, não sabem pôr a roupa a lavar, desmancham-se quando recebem um “suficiente” e passam-se. Nestes meios há muitos casos promissores que se desfazem em fumo. Estamos muitíssimo habituados a que nos digam que não é suposto estarmos ali, pelo que essa história continuou a acontecer comigo em todas as mesas de honra a que cheguei, nas quais não era suposto eu estar, e onde encontrei um tal monte de mediocridade, que disse para mim: “C’um catano, é assim que o mundo funciona.” Por isso, comecei a ficar mais autoconfiante.
Como?
Porque me apercebi que muitas vezes eu era uma das pessoas mais inteligentes na sala. Portanto, é esse o segredo, é como descer da montanha para revelar a verdade. É como dizer: “Ei, minha gente, eles estão a enganar-vos! Eles não sabem o que estão a fazer, só estão a tentar impedir que vocês o façam!” [Risos]
De Princeton foi para Harvard. Barack Obama também foi para Harvard. Não foi lá que o conheceu, mas quando teve a função de o aconselhar no escritório de advogados onde trabalhava. Como foi o primeiro encontro?
Vi o nome Barack Obama e pensei: “De onde veio este nome?” Comecei a formar uma imagem dele na minha cabeça, o aspeto que eu achava que um tipo preto chamado Barack Obama, que cresceu no Havai e foi parar a Harvard, devia ter. E a imagem que formei era a de um cromo, geniozinho e pãozinho sem sal. Tive de lhe telefonar, para marcar uma conversa inicial, e estava à espera de uma voz adequada à minha imagem “Barack Obama” e disse: “Daqui fala Michelle Robinson para falar com Barack Obama.” E ele disse [falando numa voz grave e aveludada]: “É Barack Obama quem fala” – com aquela voz dele e eu fiquei: “Uuuh.” Pensei: “Não é o que estava à espe- ra!” Mas, ainda assim, disse algo como: “OK, venha até cá, ao escritório.” Ele atrasou-se, eu estava a falar com o meu secretário e quando vou a sair do gabinete foi assim como: “Uuuuh! Tu não és nada do que eu estava à espera!” [Risos] Mas eu ainda estava no meu papel sério, não é? Porque eu continuava a gostar de ter as peças todas nos sítios certos, era esse tipo de rapariga, ia ser a melhor assessora legal do mundo, e isso queria dizer não me atirar ao nosso colaborador de verão.
E depois?
Coloquei-o na “área dos amigos”. Apaixonei-me por ele como amigo e como pessoa. Porque era inteligente, engraçado e fazia piadas sobre si próprio. Era interessante como nunca o tinha visto antes entre os nossos “irmãos” negros corporativos. Ele era um mobilizador comunitário. Aqui estava eu, a seguir o meu percurso traçado a régua e esquadro – “Acho que me vou tornar sócia deste escritório” – e ele era assim: “Bem, eu trabalho aqui, tenho trabalhado nos bairros mais afastados da Zona Sul.” Não havia irmãos negros de Harvard a trabalhar em comunidades das minorias. E eu fiquei: “Meu, uau!” Ele fez-me sentir um bocadinho desadequada, mas fiquei impressionada, porque era um desafio. Ele fazia reflexões profundas. Era o oposto de mim e isso era uma contradição interessante face à forma como eu vivia toda a minha vida. E era giro, ainda por cima!
Depois, convidou-a para sair?
E eu fiquei, tipo: “Não, isso era de mau gosto.” Porque eu estava a pensar algo do género: “Os dois pretos de Harvard a namorar?” Eu pensava: “Não, isto só vai parecer bizarro, estes tipos brancos vão pôr-se com coisas tipo: ‘Veem, eles gostam todos uns dos outros!’” [Risos] Eu apresentava-o a amigos, e assim, como se eles não fossem nada demasiado burgueses para ele. Conheceu um amigo nosso que falava sobre escrita e ele: “Escrever? Quem é que está a escrever?” E eu gosto disso nele, porque ele não gostava das coisas demasiado aburguesadas. Mas era persistente e punha-se com: “Olha, eu posso deixar este emprego de colaborador de verão, se isso te incomoda.” E eu ficava: “Uuuh!” [Risos]
Quando é que soube que Barack era o homem com quem se queria casar?
Não se fica a saber quem é o parceiro ideal de imediato, razão por que eu não acredito no amor à primeira vista. Eu queria ver o Barack na casa dele, com a avó. Ele gostava de mulheres fortes? Ele gostava de mulheres, ponto final? Eu queria estar com alguém que gostasse realmente de mulheres. E todas aquelas coisas que não se aprendem num primeiro encontro ou através de um beijo ou seja o que for. Por isso digo sempre às minhas filhas e às raparigas que conheço: deem tempo e conheçam esse homem, deixem que ele deixe cair as várias camadas e vão ver partes lascadas. Eu procurei essas vertentes lascadas em Barack, mas não havia nenhumas, que fossem motivo de preocupação, claro. As pessoas vêem casais como nós e tornamo-nos modelos a seguir. Acreditem que a maior parte da “nossa luz” é boa, é fantástica, eu amo o meu marido – mas a vida de casado é difícil.
Barack tornou o seu mandato histórico ao ser o primeiro Presidente afro-americano. Qual foi a abordagem dos dois ao assumir o cargo?
Penso que a nossa abordagem foi do género: temos de ser melhores, mais inteligentes, mais rápidos, temos de trabalhar mais – porque a fasquia para nós é diferente. Sabíamos disso. Não escrevo sobre isso no livro porque, de facto, esqueci-me de tudo no último voo que fizemos, após a tomada de posse de Trump, quando íamos a caminho da nossa vida normal. Entrei no avião e acenei adeus, mas quando aquelas portas se fecharam nas minhas costas, acho que chorei durante 30 minutos. E não era só por causa daquele dia, penso que foi o culminar de oito ou 10 anos em que sentimos que tínhamos de ser perfeitos, não podíamos cometer erros, tínhamos de representar as pessoas, de as deixar orgulhosas de nós. Tenho muito orgulho do meu marido e da sua administração.
A pressão era muita?
Havia tanta coisa que ia parecer-nos revoltante e nós sabíamos disso. Não havia o mínimo espaço para qualquer pessoa da nossa administração ser acusada da prática de um crime. E isto não valia apenas para nós, era aplicável a toda a gente que trabalhasse connosco. Por isso tínhamos de ser muitíssimo éticos. Sentia que tinha de ser excecional e é assim que muitas de nós, mulheres, pessoas de cor, em situações em que somos os únicos, sentimos uma pressão para não fazermos disparates, porque o sistema não vai deixar mais ninguém ter esta oportunidade se não fizermos tudo certinho.
O que diria ao seu eu mais jovem?
Diria: “Não te deixes guiar pelo medo.” O medo é o que nos impede de crescer. Tenho pessoas que amo e que pararam de crescer porque a noção de irem além daquilo que conhecem e do que lhes é confortável é assustadora e aterrorizante. No meu caso, tive a beleza de praticar esse medo, praticar transições, praticar o facto de que deixar uma coisa e avançar para outra não é aterrorizador, na verdade é algo esclarecedor.
Para onde vê a sua próxima viagem a conduzi-la?
Como digo no livro, a pergunta mais inútil do mundo que se pode fazer a um miúdo é “O que é vais ser quando cresceres?”, como se crescer fosse algo finito. Para mim isso é a morte. Por isso, ainda estou a construir-me a mim própria. Não faço ideia do que trará o próximo capítulo e isso é entusiasmante. Estou prestes a embarcar noutra transição. Faço 55 anos, a 17 de janeiro, e não faço ideia do que virá.