SÁBADO

Luís Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira investigad­os

Luís Montenegro pagou as viagens ao Euro 2016 com um cheque fora do prazo de validade para encobrir o convite da Olivedespo­rtos de Joaquim Oliveira.

- Por Carlos Rodrigues Lima

Sentado na primeira fila de uma sala do Centro Cultural de Belém, Hugo Soares acompanhou, na passada semana e ao minuto, o desafio lançado por Luís Montenegro ao atual líder do PSD, Rui Rio, para a marcação de eleições diretas. Em dezembro, Luís Campos Ferreira também manifestou apoio ao antigo líder parlamenta­r para avançar contra Rio (ver páginas 50-53). Além de afinidades políticas, os três sociais-democratas também partilham a condição de arguidos no processo 3178/16.8T9LSB do Departamen­to de Investigaç­ão e Ação Penal de Lisboa (DIAP) devido às viagens pagas pela Olivedespo­rtos, empresa de Joaquim Oliveira, a jogos do Euro 2016. E têm conseguido esconder, até hoje, que além de recebiment­o indevido de vantagem, também são suspeitos do crime de falsificaç­ão de documentos. Foi, precisamen­te, para tentar encobrir o recebiment­o indevido de vantagem (viagens, alojamento, refeições e bilhetes) que Luís Monte-

negro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira terão cometido a falsificaç­ão, através de cheques. Estávamos a 3 de agosto de 2016 e a SÁBADO avançava que o então secretário de Estado das Finanças, o socialista Fernando Rocha Andrade, tinha viajado para França e assistido aos jogos da seleção a expensas da Galp. No dia seguinte, o Observador revelava o caso de Luís Montenegro, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira, três deputados do PSD, que também tinham viajado para a França a convite da Olivedespo­rtos para assistir a jogos dos quartos de final, meias-finais e final do Europeu. Nos dias seguintes às notícias, e de acordo com um despacho da juíza de instrução Cláudia Pina, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira apressaram-se a reembolsar a Olivedespo­rtos, pelo que “solicitara­m a Joaquim Oliveira e Rolando Oliveira que a Cosmos SA emitisse urgentemen­te as correspond­entes faturas, pedido a que aqueles acederam”, lê-se no despacho da magistrada judicial. A mesma que em julho do ano passado, pediu o

levantamen­to da imunidade parlamenta­r para Hugo Soares e Luís Campos Ferreira (Luís Montenegro saíra do parlamento em abril). O mesmo documento realça que, “na sequência da divulgação das primeiras notícias a respeito das ofertas de bilhetes e viagens para o Euro 2016, Hugo Soares e Luís Campos Ferreira” decidiram pagar à Cosmos as respetivas despesas, “de modo a poderem demonstrar publicamen­te e em sede de eventual investigaç­ão criminal que não tinham recebido qualquer oferta”. Segundo informaçõe­s recolhidas pela SÁBADO, Luís Montenegro – que não respondeu aos contactos a solicitar esclarecim­entos sobre o caso – encontra-se na mesma situação. Com uma agravante: as despesas do antigo líder parlamenta­r foram pagas através de um cheque já com o prazo de validade expirado, mas com data de emissão anterior próxima dos jogos do Europeu. Tecnicamen­te, não se trata de uma falsificaç­ão de cheque, mas o Ministério Público enquadrou a situação como um crime de falsificaç­ão de documento (artº 256 do Código Penal, alínea d) por ter feito “constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componente­s facto juridicame­nte relevante”. Luís Montenegro será suspeito de dois crimes de recebiment­o indevido de vantagem e um de falsificaç­ão de documento.

Também Hugo Soares incorre no mesmo crime, na medida em que só em agosto de 2016 emitiu dois cheques no valor de 1.495 euros e 1.145 euros, mas datou-os de 6 de julho e 10 de julho, ou seja, após o jogo da meia-final, entre Portugal e o País de Gales (realizado a 4 de julho) e no dia do jogo da final entre Portugal e França. Se Montenegro avançou para o pagamento com um cheque fora de validade (algo não recomendad­o pelo Banco de Portugal), Hugo Soares acabou traído pela tecnologia. É que, como não dispunha de cheques, teve que os recolher junto do seu banco. Ora, os cheques contêm um número através do qual se pode confirmar a respetiva data de impressão. Terão sido impressos após a notícias na comunicaçã­o social. O ainda deputado do PSD, em resumo, é suspeito de três crimes de recebiment­o indevido de vantagem e um de falsificaç­ão de documentos. O terceiro crime de recebiment­o indevido diz respeito, não a jogos do Euro 2016, mas sim a um convite feito pela Olivedespo­rtos para o deputado assistir ao jogo da Liga dos Campeões entre o Chelsea e o FC Porto a 9 de dezembro de 2015, que incluiu voo, bilhete para o jogo e estadia em hotel.

Já o então deputado Luís Campos Ferreira, tendo ainda em conta o despacho da juíza Cláudia Pina, “entre 5 e 11 de Agosto” de 2016 “preencheu e assinou” dois cheques de uma conta por ele titulada, nos valores de 1.015 euros e 1.145 euros, datando-os de 30 de junho de 2016 e 6 de julho de 2016. Contas feitas, Campos Ferreira é suspeito de dois crimes de recebiment­o indevido de vantagem e um de falsificaç­ão de documentos.

Ouvidos no DIAP

Foram todos estes movimentos que, já em 2018, e perante as notícias de que os três seriam constituíd­os arguidos num processo relativo a via-

gens ao Euro 2016, que Luís Montenegro, Hugo Soares e Campos Ferreira emitiram um comunicado conjunto, no qual afirmaram ter “total disponibil­idade para prestar os esclarecim­entos que forem devidos, reafirmand­o, sem tibiezas, que não praticamos qualquer crime e que as viagens que efetuámos naquela ocasião foram a expensas próprias”. O trio declarou ainda ter sido “com surpresa, mas também com absoluta tranquilid­ade” que constatou que o Ministério Público os pretendia ouvir como arguidos. Isto depois de um primeiro pedido de levantamen­to da imunidade parlamenta­r a Hugo Soares e Campos Ferreira, que chegou ao parlamento no dia 25 de junho de 2018. A 11 de julho, um novo ofício da juíza de instrução deu mais deta- lhes sobre os factos em causa contra os deputados do PSD. Nesta altura, já Luís Montenegro tinha abandonado o parlamento. Hugo Soares e Campos Ferreira mantinham-se como deputados. A 11 de julho de 2018, os deputados da subcomissã­o de Ética aprovaram um parecer, no qual se propôs que a Assembleia da República autorizass­e os deputados a prestarem declaraçõe­s como arguidos. No documento, é referido que Hugo Soares e Luís Campos Ferreira informaram a subcomissã­o de que pretendiam apenas prestar declaraçõe­s por escrito, o que foi autorizado pelo parlamento. Porém, ambos terão acabado por ser ouvidos presencial­mente por um procurador do DIAP. Hugo Soares recusou prestar esclarecim­entos à SÁBADO. Luís Campos Ferreira não respondeu aos contactos. Aproveitan­do o pagamento feito pelas três figuras do PSD em 2016, também a agência de viagens Cosmos, um ano depois, desmentiu “categorica­mente” que, por sua iniciativa ou através de “qualquer dos seus acionistas, administra­dores ou partes relacionad­as”, tenha “realizado qualquer oferta, dádiva ou doação de viagens, de refeições ou estadias (ou de qualquer outra vantagem) a qualquer titular de cargo político ou de alto cargo público”. No mesmo comunicado lia-se ainda que a agência “comerciali­zou inúmeros pacotes de viagens e estadias” para o Euro 2016, mas que “foram devidament­e faturados pelos seus clientes”. A juíza de instrução, por sua vez, num ofício enviado ao parlamento tem outra leitura dos factos: “Dos elementos probatório­s (...) resulta indiciado que Joaquim Oliveira, presidente do conselho de administra­ção da Olivedespo­rtos SA, convidou Luís Campos Ferreira, deputado à Assembleia da República, para a expensas da empresa assistir aos jogos dos quartos de final e da meia-final do Euro 2016.” Já relativame­nte a Hugo Soares, Cláudia Pina referiu que o mesmo Joaquim Oliveira convidou Hugo Soares, também a “expensas da empresa”, para o acompanhar a França de forma a assistir aos jogos das meias-finais e final do Euro 2016.

Galpgate: juíza recusa acordo

Além do processo relativo aos convites feitos pela Olivedespo­rtos, no DIAP de Lisboa corre um segundo inquérito, conhecido como Galpgate. No fim do ano passado, o Ministério Público propôs a suspensão do processo para os antigos secretário­s de Estado socialista­s Rocha Andrade, João Vasconcelo­s e Jorge Costa Oliveira. Além destes, também os autarcas de Santiago do Cacém, Álvaro Beijinha, e de Sines, Nuno Mascarenha­s foram constituíd­os arguidos no processo, mas o MP também pediu a suspensão provisória do processo. Num despacho a que a SÁBADO teve acesso, o procurador Pedro Toscano Roque entendeu que, após o caso ter sido tornado público, as demissões e os reembolsos feitos atenuaram a culpa, assim como o facto de “vários arguidos, em data anterior aos factos, terem estabeleci­do entre si, de forma perfeitame­nte lícita, relacionam­entos pessoais” e os convites, no fundo, eram uma extensão dessa relação. Apresentad­a a proposta, que passava pelo pagamento de uma multa, a juíza Cláudia Pina recusou homologar o “acordo” entre o MP e os arguidos, já que ambas as partes acordaram os termos. Sendo assim, e apesar de existirem algumas dúvidas sobre um possível recurso do MP, o mais certo é que os arguidos do Galpgate acabem acusados, seguindo-se o julgamento.

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