A imbecilidade ao poder
Éevidente que tudo isto pode dar um excelente pedaço de comédia de costumes. À falta de Eça, André Brun e dos Monty Python, outros. Mas convém não rir demasiado: o corso que aí passa é a continuada tragédia nacional. O primeiro quadro do funeral é o chamado Caso Berardo. Aparentemente, é apenas uma variação das coisas espantosas que já víramos na Operação Marquês, na falência do BPN, BPP e BES, no descaminho da CGD, no balão de oxigénio ao Banif, na pauperização da PT. Mas estamos agora num patamar de maior desfaçatez,
e mais sincera admissão de desmandos múltiplos.
É evidente que as astúcias organizadas por Berardo – e que resultam num “cidadão sem dívidas e sem bens próprios”, criador de empresas ultraendividadas – foram sendo criadas ao abrigo da lei.
Mas mais evidente é a exposição vergonhosa da forma de atribuição de grande crédito pelos grandes bancos, durante muito tempo, de forma ainda impunida.
Todos conhecem as regras draconianas de concessão de crédito ao chamado “homem da rua”, seja para habitação própria, seja para criação empresarial, seja para despesas de educação e saúde, seja para aumento do nível de vida familiar.
Causa assim espanto o mecanismo de empréstimo bancário a Joe Berardo, sobretudo da parte da instituição pública de excelência, a CGD. Fez-se sem garantia, sem aval e sem explicação técnica da avaliação da “fortuna” do beneficiário pela mesma Caixa. Outros bancos concederam
crédito debaixo de uma nebulosa semelhante: ou garantias inseguras ou inexequíveis, ou mera confiança pessoal, ou avaliações injustificadas. O resultado, até agora progressivamente escondido do público (ou revelado ao mesmo), é uma dívida de mais de 900 mil milhões de euros. Mas não se sabe que mecanismos a CGD desencadeou para responsabilizar os que, internamente, colaboraram nesta operação opaca, que configura um caso grave de gestão danosa. Também não se compreende o contorno exato dos contratos entre o Estado, o CCB e as instituições Berardo (chamemos-lhe assim), e as razões da dificuldade/impossibilidade de penhorar os ex-quadros alegadamente do empresário, como parte do processo de satisfação das dívidas. Nem se entende o papel do Banco de Portugal em toda a epopeia, a não ser que as conversas de Berardo com as suas autoridades seriam (segundo o mesmo), secretas. Os parlamentares tentaram, mas não só não houve esclarecimentos , como se criaram montanhas de novas dúvidas.
A impressão geral é a de uma série de negócios ruinosos para o Estado e para a sociedade nacional, que o povo contribuinte paga diretamente (através da Caixa), ou indiretamente, através da ajuda pública a bancos empobrecidos por estes males. Os aspetos teatrais e de comédia só pioram tudo.
Quanto aos professores, o ministro das Finanças disse – candidamente – que descongelar todo o tempo de serviço seria abrir a “Caixa de Pandora”. Por outras palavras: o fim da austeridade, mas devagar. PSD e CDS fizeram o papel de troca-tintas. PCP e BE mantiveram-se “fiéis” a si próprios: afirmam apoiar os docentes, mas mantêm-se na “geringonça” que os agride. O mesmo na questão dos ordenados “extensíveis” dos eurodeputados: o PCP é totalmente, historicamente, irredutivelmente, “contra”, mas ficamos sem saber em que obra social deposita o partido os mesmos salários de um cargo que, cito, não devia ser “profissão” mas “função de representação política”.
Quanto a Tancos, as coisas pareciam simples: uma rede criminosa subtraiu material militar, com cumplicidade de pessoas que desonraram a farda. Foi descoberta e desmantelada pela PJ. Mas suspeita-se agora de que o crime era conhecido. Por quem? Não continuem a tomar-nos por parvos. Mesmo os parvos podem organizar revoluções. Ou pior, revoltas. Aquelas fundamentam-se em visões. Estas podem simplesmente inspirar-se na raiva.