SÁBADO

Ângela Marques

- ÂNGELA MARQUES

Pelo espelho retrovisor, ele disse: “No outro dia transporte­i um senhor do turismo. Disse-me que Lisboa recebeu 25 milhões de turistas o ano passado. 25 milhões. E parece que este ano vão ser 50. A cidade não aguenta, aguenta?” Senti o meu estômago retrair-se com o murro ao mesmo tempo que lhe vi o sótão cheio de macaquinho­s. Os dois, cada um à sua maneira, ambos inocentes até prova em contrário, torcemos o nariz à ideia. A passo de caracol, ele ia coerente: tentava levar-me ao lugar onde a minha época balnear ia começar com um mergulho numa travessa cheia de molho, carreirinh­as em cestos de pão torrado com manteiga e corridas em busca de palitos.

Na esplanada, contudo, a realidade desmentiu-o: zero turistas versus centenas de escargots à portuguesa. Na rua, o movimento típico dos sábados de alerta vermelho, feitos de gentes apressadas, despidas e felizes, tinha sentido único. Havia uma festa ali ao lado e prometia ser daquelas - daquelas que falam estrangeir­o, com DJs em rooftops a ver sunsets e, se tudo correr bem, tudo a pagar com MBway. Entre caracóis, era obrigatóri­o observar as gentes que corriam. E o choque chegou-me mais rápido que um escaldão: eram todas mais novas que eu. Pensei no que diria de mim o facto de querer ir espreitar aquela festa mas já me levantar meio trôpega depois de duas cervejas. Pensei no que diria de mim o cansaço decorrente daquele lanche ajantarado (o facto de usar esta expressão agora também não me deixa esfuziante, vejamos). Então parei de pensar, culpei o sol e o calor e segui adiante: o jogo só acaba quando o árbitro apita e eu tinha um prolongame­nto combinado. A noite ia começar entre velhos amigos. E toda a gente sabe como é que acabam essas noites: a falar de como estamos velhos, muito antes do tempo de sermos mesmo velhos (ponho dinheiro em como, chegados lá, vamos abafar o caso). Não eram 2h da manhã quando, num banco de jardim, culpámos o sol e o calor. Ainda nos rimos: não é que estejamos perros, mas há 10 anos as 2h da manhã eram um tiro de partida. Hoje? Só a passo de caracol.

A ÉPOCA BALNEAR IA COMEÇAR COM UM MERGULHO NUMA TRAVESSA E CARRERINHA­S EM CESTOS DE PÃO

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