SÁBADO

O QUE FEZ AGORA ESTE TROVADOR DE LISBOA?

O cosmopolit­ismo lisboeta deu lugar à quietude da paisagem natural em O Sol Voltou, o terceiro álbum em nome próprio em que Luís Severo apresenta as canções pop mais sinceras, detalhadas e orquestrad­as que alguma vez escreveu.

- Por Pedro Henrique Miranda

ELE TINHA-SE TORNADO uma espécie de trovador da Lisboa contemporâ­nea. A mistura entre a estética DIY típica das novas gerações de compositor­es da capital, uma calibrada sensibilid­ade pop e versos grandiloqu­entes (“Amor, és Penha de França”) e singelos (“Esperei-te a demora a contar trocos para o café”) captou de maneira pessoal uma realidade com que toda uma geração de lisboetas se conseguia identifica­r. E apesar de, hoje, o classifica­r como um “registo que vai estar datado daqui a uns anos”, foi este disco, homónimo e de 2017, a colocar o nome de Luís Severo na lista das grandes promessas da nova pop portuguesa. Passou o ano seguinte a dar concertos por todo o País, a anotar versos e colher inspiraçõe­s – “O contacto com a vida e o movimento da cidade dá-me muitas ideias, mas cada vez mais preciso de algum isolamento para as organizar” –, e já que, como o próprio o coloca, “às vezes

O disco “que precisava de fazer para me sentir bem” foi fruto da vontade de sairdeLisb­oae “saborearca­da nota,iracada pormenor, sem pressas nem prazos”

estar em Lisboa pede não estar em Lisboa”, recolheu-se em São Miguel, nos Açores, para dar forma a estes pensamento­s. Depois de tanta correria, sabia que “tinha de tirar um tempo”, que “era um disco que precisava de fazer para me sentir bem”.

Virado, desta feita, mais para a natureza do que para a cidade, eis que lhe surge O Sol

Voltou, nome com que Luís contava remeter para “a relação entre o dia e a noite, a luz

e a escuridão”, e passar “aquela sensação de estares a ouvir o disco tranquilam­ente e, de repente, ‘olha, o título!’”. Acontece na terceira faixa, Maio, que, à semelhança de Joãozinho ou da inaugural Primavera, dedilhada à guitarra e coberta de versos como “Só me reconheço em beijos teus”, é apenas um dos temas que soa a banho de sol numa tarde de verão. Em relação às letras, diz que “nunca tinha recebido tantas mensagens de identifica­ção” – conta, com entusiasmo, como “uma pessoa disse que gostou do verso ‘Se a manhã cheira a champô’ porque a lembrava o cheiro dos autocarros de manhã, e era exatamente nisso que estava a pensar!” Musicalmen­te, a reclusão a compor foi acompanhad­a do desafio de tentar tocar todos os instrument­os, o que culminou num álbum “muito ligado ao som”, fruto de uma vontade de “saborear cada nota, ir a cada pormenor, sem pressas nem prazos”. Trabalhand­o sozinho – com a preciosa ajuda, não se cansa de dizer, do produtor Eduardo Vinhas, dos estúdios Golden Pony, Diogo Rodrigues e Rodrigo Castaño –, conta que se fez valer das suas qualidades: “Não sou o músico mais virtuoso e tecnicamen­te evoluído, mas tenho algum jeito para trabalhar os detalhes do som. Não me custa ficar as horas que forem precisas a aperfeiçoa­r cinco segundos de uma música”.

Não é mais do que a consequênc­ia, conclui, do “elevado grau de exigência” a que se tem vindo a sujeitar ao longo da carreira. Com 26 anos, já edita música há 11 (“Quando chegar aos 35 já posso fazer o meu DVD de 20 anos de carreira no Coliseu!”), como Cão da Morte, nos tempos de escola e faculdade, e com a sua banda, os Flamingos. O resultado de “ter crescido e evoluído em público” pode nem sempre ser positivo: “Lancei muita música que hoje em dia não consigo sequer ouvir”, admite –, mas a colheita dos “anos livres e experiment­ais, sem datas, regras ou grandes exigências” está, ao terceiro álbum, enquanto Luís Severo, mais do que à vista: “Fazer música com o objetivo de ser acabada e perfeita” implica, afinal, “aceitar que a imperfeiçã­o vai sempre existir”.

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O SOL VOLTOU Indie pop/alternativ­o • Cuca Monga €10,99
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Ao terceiro álbum como Luís Severo, o compositor troca a nativa Lisboa pela inspiração da natureza em O Sol Voltou

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