O QUE FEZ AGORA ESTE TROVADOR DE LISBOA?
O cosmopolitismo lisboeta deu lugar à quietude da paisagem natural em O Sol Voltou, o terceiro álbum em nome próprio em que Luís Severo apresenta as canções pop mais sinceras, detalhadas e orquestradas que alguma vez escreveu.
ELE TINHA-SE TORNADO uma espécie de trovador da Lisboa contemporânea. A mistura entre a estética DIY típica das novas gerações de compositores da capital, uma calibrada sensibilidade pop e versos grandiloquentes (“Amor, és Penha de França”) e singelos (“Esperei-te a demora a contar trocos para o café”) captou de maneira pessoal uma realidade com que toda uma geração de lisboetas se conseguia identificar. E apesar de, hoje, o classificar como um “registo que vai estar datado daqui a uns anos”, foi este disco, homónimo e de 2017, a colocar o nome de Luís Severo na lista das grandes promessas da nova pop portuguesa. Passou o ano seguinte a dar concertos por todo o País, a anotar versos e colher inspirações – “O contacto com a vida e o movimento da cidade dá-me muitas ideias, mas cada vez mais preciso de algum isolamento para as organizar” –, e já que, como o próprio o coloca, “às vezes
O disco “que precisava de fazer para me sentir bem” foi fruto da vontade de sairdeLisboae “saborearcada nota,iracada pormenor, sem pressas nem prazos”
estar em Lisboa pede não estar em Lisboa”, recolheu-se em São Miguel, nos Açores, para dar forma a estes pensamentos. Depois de tanta correria, sabia que “tinha de tirar um tempo”, que “era um disco que precisava de fazer para me sentir bem”.
Virado, desta feita, mais para a natureza do que para a cidade, eis que lhe surge O Sol
Voltou, nome com que Luís contava remeter para “a relação entre o dia e a noite, a luz
e a escuridão”, e passar “aquela sensação de estares a ouvir o disco tranquilamente e, de repente, ‘olha, o título!’”. Acontece na terceira faixa, Maio, que, à semelhança de Joãozinho ou da inaugural Primavera, dedilhada à guitarra e coberta de versos como “Só me reconheço em beijos teus”, é apenas um dos temas que soa a banho de sol numa tarde de verão. Em relação às letras, diz que “nunca tinha recebido tantas mensagens de identificação” – conta, com entusiasmo, como “uma pessoa disse que gostou do verso ‘Se a manhã cheira a champô’ porque a lembrava o cheiro dos autocarros de manhã, e era exatamente nisso que estava a pensar!” Musicalmente, a reclusão a compor foi acompanhada do desafio de tentar tocar todos os instrumentos, o que culminou num álbum “muito ligado ao som”, fruto de uma vontade de “saborear cada nota, ir a cada pormenor, sem pressas nem prazos”. Trabalhando sozinho – com a preciosa ajuda, não se cansa de dizer, do produtor Eduardo Vinhas, dos estúdios Golden Pony, Diogo Rodrigues e Rodrigo Castaño –, conta que se fez valer das suas qualidades: “Não sou o músico mais virtuoso e tecnicamente evoluído, mas tenho algum jeito para trabalhar os detalhes do som. Não me custa ficar as horas que forem precisas a aperfeiçoar cinco segundos de uma música”.
Não é mais do que a consequência, conclui, do “elevado grau de exigência” a que se tem vindo a sujeitar ao longo da carreira. Com 26 anos, já edita música há 11 (“Quando chegar aos 35 já posso fazer o meu DVD de 20 anos de carreira no Coliseu!”), como Cão da Morte, nos tempos de escola e faculdade, e com a sua banda, os Flamingos. O resultado de “ter crescido e evoluído em público” pode nem sempre ser positivo: “Lancei muita música que hoje em dia não consigo sequer ouvir”, admite –, mas a colheita dos “anos livres e experimentais, sem datas, regras ou grandes exigências” está, ao terceiro álbum, enquanto Luís Severo, mais do que à vista: “Fazer música com o objetivo de ser acabada e perfeita” implica, afinal, “aceitar que a imperfeição vai sempre existir”.