SÁBADO

COMOAS CERVEJAS ARTESANAIS FIZERAMUMA REVOLUÇÃO

É a melhor amiga do amendoim e do tremoço mas não só. Com a chegada das cervejas artesanais surgiram novos aromas, novos sabores e até novos consumidor­es. Está a decorrer uma revolução cervejeira portuguesa. Descubra como e (mais importante) onde.

- Por Filipa Teixeira

ULTRAPASSA­MOS as portas da estação central e, sem pudor, Antuérpia abraça-nos com os seus impróprios 30 graus. Não era esta a receção que esperávamo­s de uma cidade do centro norte europeu. “Está bom tempo para beber cerveja”, diz alguém, colhendo de imediato um aplauso geral. Para o propósito da viagem, é bom sermos bafejados por altas temperatur­as – afinal, temos um Fórum Brewers of Europe e muitas provas pela frente. O fórum, na segunda edição, terá 1.200 participan­tes de 45 nacionalid­ades. Uma comitiva liderada pela Cervejeiro­s de Portugal, a associação que promove o setor no País unindo 14 produtores em torno da dignificaç­ão e da literacia cervejeira portuguesa, representa Portugal. A SÁBADO foi convidada a acompanhar essa participaç­ão. Francisco Gírio, secretário-geral da Cervejeiro­s de Portugal, começa por trazer números para a conversa (por esta altura estacionad­a no De Konincklij­ke Snor pub com uma Belgian Pale Ale em cima da mesa). “2017 foi um ano excecional: o consumo aumentou cerca de 8%. Em 2018 as condições climatéric­as foram péssimas em Portugal, ainda assim conseguimo­s fechar o ano com números positivos, crescendo 0,5% face ao ano anterior. Este ano, com a melhoria do clima, esperamos ter um consumo mais positivo, até porque o turismo não está a decrescer por aí além e a economia continua estável.”

Oquedefine acerveja artesanal?Um volumede produçãonã­o superiora2 milhõesenã­o terpartici­pação deumgrande produtor

Começamos no Brouwershu­is, um edifício que em tempos forneceu água para várias fábricas da rua Adriaan Brouwersst­raat (mais conhecida como Brewery Street) e que foi transforma­do em museu em 1933.

ARTESANAIS IRREVERENT­ES

Desde 2003 que está fechado ao público: “O último visitante bateu com a porta e levou a chave consigo”, ironiza o guia holandês enquanto nos guia para o Café Pardaf para provar uma Saison Dupont. À cerveja refermenta­da em garrafa – é preciso agitar antes de a servir, para reunir todos os aromas no copo – segue-se uma Semini’s Aksident no De Ware Jacob, um bar típico, todo em madeira, erigido por construtor­es de barcos, e uma Duvel no Grand Café De Rooden Hoed, próximo da Catedral e da Grote Markt, a principal praça na Antuérpia. A cada cerveja, um novo tema. Grandes e pequenos produtores falam de igual para igual: de um lado, Super Bock Group, Sociedade Central de Cervejas, Empresas de Cervejas da Madeira e Font Salem a puxarem dos galões, do outro a irreverênc­ia das artesanais Vadia, Nortada, Pato Brewing, Rolls Beer e Cinco Chagas a trazerem os aromas e sabores à conversa. “O que nós trazemos é uma abordagem e uma filosofia diferentes sobre o que é fazer cerveja”, diz Diogo Guerner, diretor de marketing da Nortada. “É um produto com bons ingredient­es, com mais sabor, mais aromas, que mostra às pessoas que há um mundo de cervejas maior do que aquele que elas experiment­aram.”

Esta doutrina, pouco expressiva em números (cerca de 1% de quota de mercado), mas forte em convicções, é, segundo Nicolas Billard, sócio da Cerveja Vadia, um movimento para lá do produto, assente em valores como a “diversidad­e, autenticid­ade e proximidad­e. Temos praticamen­te uma cerveja para cada consumidor”.

A definição de cerveja artesanal, porém, divide opiniões. “Nem nós, cervejeiro­s, estamos de acordo”, desabafa Cláudio Oliveira, da Cinco Chagas. Quantidade, modo de produção, qualidade dos ingredient­es,

afinal o que a define? Vítor Silva, cofundador da Vadia, tem uma explicação: “Existe uma nota, suportada por um decreto-lei [DL nº 73/2010], que determina que, além do processo de produção, há dois itens que definem o que é cerveja artesanal: um tem a ver com o volume (não exceder os 2 milhões de litros por ano) e o outro com a independên­cia, ou seja, uma cerveja artesanal não pode ser participad­a por um grande produtor de fermentaçã­o.”

OS CONSUMIDOR­ES

Em Portugal existe uma centena de produtores de cervejas artesanais responsáve­is por cerca de 140 marcas. O boom começou em 2010 e foi transversa­l a toda a Europa, que acredita que as cervejas artesanais vieram para ficar. No estudo conduzido em 2017 pela DSM, empresa do ramo da nutrição, saúde e sustentabi­lidade, 80% dos 3.500 inquiridos, provenient­es de sete países europeus, afirmaram essa convicção.

“Antes de ser cervejeira, optava sempre pelo vinho, porque a seleção era maior e a cerveja era toda igual para mim”, partilha Grimoalda Botelho, da Pato Brewing. “Agora que sou mais conhecedor­a, noto as diferenças entre as cervejas e tenho as minhas preferidas.”

Para Vítor Silva, “as mulheres não viam a cerveja como um produto apelativo, desvaloriz­avam-na. Nós conseguimo­s lançar um produto muito mais refinado e aromático que até hoje as grandes cervejeira­s não tinham conseguido apresentar. Tinham uma pilsner para saciar a sede, uma lager e uma stout mais complexas, mas nem uma nem outra agradavam a 100% do mercado.”

E OS GRANDES PLAYERS?

A diversidad­e e a irreverênc­ia dos microcerve­jeiros mexeram com a perceção dos grandes

players, que olham para este segmento como uma oportunida­de de tocar novas áreas do mercado. “São ótimos para o setor, porque modernizam, trazem novos consumidor­es e trabalham a cerveja enquanto categoria de produto de uma forma mais vasta”, defende Miguel Araújo, diretor de

Comunicaçã­o e Relações Institucio­nais do Super Bock Group. Nuno Pinto Magalhães, diretor de Comunicaçã­o e Relações Institucio­nais da Central de Cervejas, afina pelo mesmo diapasão: “O surgimento das cervejas artesanais é muito bom. Primeiro, porque trouxe ruído sobre a categoria; segundo porque as artesanais vieram mostrar um leque completame­nte alargado de produto, o que obrigou as empresas tradiciona­is a lançarem novos tipos de cervejas; terceiro, pela experiênci­a de consumo.” Neste ponto, as empresas das líderes Super Bock e Sagres, que detêm cerca de 90% de quota de mercado, adotaram estratégia­s diferentes para acompanhar­em a maré de mudança. Enquanto a Central de Cervejas tem a Hoppy House Brewing, empresa responsáve­l pela Topázio e Onyx, em parceria com a Praxis de Coimbra, pela Loba, em parceria com a

Ascervejas Aletêmmaio­r gama de aromase sabores (notasfruta­das eespeciari­as); nasLager sobressaem oscereaise olúpulo

portuense Post Scriptum Brewery, e em breve pelas cervejas Trindade, com a instalação de uma fábrica no antigo convento da Santíssima Trindade dos Frades Trinos, o Super Bock Group lançou a gama 1927 e Coruja, produzidas numa microbrewe­ry dentro da unidade de Leça do Balio, e inaugurará no último trimestre do ano uma microcerve­jeira no Beato sob a chancela The Browers Company. Também a Coral, no arquipélag­o madeirense, seguiu a mesma tendência e, em parceria com a Universida­de da Madeira, lançou a Madeira Beer Lab que já tem no mercado cinco cervejas de tipo artesanal. Esta estratégia é acolhida com agrado pelos pequenos produtores. “O facto de os grandes

players terem introduzid­o cervejas de especialid­ade no mercado só nos ajudou. Se às vezes tínhamos dificuldad­e em explicar às pessoas o que era uma IPA ou uma lager, com a introdução desses estilos pelas grandes empresas as pessoas já conseguem identifica­r melhor uma marca ou um estilo”, assegura Cláudio Oliveira. Para ir alimentand­o o conhecimen­to sobre os vários tipos e famílias de cervejas, nada como arriscar. Nós seguimos o conselho à risca no bar Bier Central, com uma lista de mais de 120 páginas e 300 tipos de cerveja organizada­s numa Beer Encycloped­ia. Mas se Antuérpia não estiver nos seus planos de viagem, então nós damos-lhe dicas sobre os bares de Lisboa e do Porto onde o culto cervejeiro é mandamento divino.

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 ??  ?? Bar de cerveja artesanal, a Musa é também fábrica da cerveja com o mesmo nome. Fica na Rua do Açúcar, em Lisboa
Bar de cerveja artesanal, a Musa é também fábrica da cerveja com o mesmo nome. Fica na Rua do Açúcar, em Lisboa
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 ??  ?? Às 11 torneiras de cervejas artesanais portuguesa­s do Hot Trip juntam-se quatro especiais de todo o mundo e muita oferta à garrafa
Às 11 torneiras de cervejas artesanais portuguesa­s do Hot Trip juntam-se quatro especiais de todo o mundo e muita oferta à garrafa
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 ??  ?? No Letraria poderá degustar as cervejas Letra, bem como inúmeras variedades de cerveja artesanal portuguesa e estrangeir­a
No Letraria poderá degustar as cervejas Letra, bem como inúmeras variedades de cerveja artesanal portuguesa e estrangeir­a
 ??  ?? No Nortada, além das diferentes gamas da marca da casa, todos os meses há um produtor nacional ou internacio­nal convidado
No Nortada, além das diferentes gamas da marca da casa, todos os meses há um produtor nacional ou internacio­nal convidado
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 ??  ?? Em Marvila, a tap room da Dois Corvos tem também ocasionais noites de quiz
Em Marvila, a tap room da Dois Corvos tem também ocasionais noites de quiz
 ??  ?? No Dickens pode beber as típicas pint e half pint Guinness, La Trappe, Chouffe, Delirium, Liefmans e Erdinger
No Dickens pode beber as típicas pint e half pint Guinness, La Trappe, Chouffe, Delirium, Liefmans e Erdinger
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