AUTOBIOGRAFIA NO ARMÁRIO
HISTÓRIAS
Nosintervalosdos ensaios que fizeram dela ícone da cultura americana, Susan Sontag (1933-2004) escreveu quatro romances, quatro peças de teatro e contos, oito dos quais foram compilados em 1978 no volume I, etcetera. O título remete para a natureza autobiográfica do conteúdo. Benjamin Taylor acrescentou três textos ao conjunto, chamou-lhes Histórias e, no prefácio de 2017, sublinha de forma ambígua o seu caráter ficcional: “Os contos representam as suas obras mais íntimas.” O organizador do volume não quer que Histórias seja lido como autobiografia da autora de Notes on Camp (1964), mas até do ponto de vista cronológico, não há como escapar da leitura pessoal, memorialística, destes 11 textos. Por exemplo, os factos narrados em Peregrinação, texto de abertura, remontam a 1947, ano da visita a casa de Thomas Mann, que à época vivia no Sul da Califórnia. Susan fez a visita na companhia de um namorado, sendo o conto um pretexto para discretear sobre A Montanha Mágica. Sem resquício de ficção, o suicídio de Susan Taubes, amiga íntima de Sontag, que foi quem identificou o corpo da amiga afogada em Long Island, deu origem a Declaração. O assédio em meio académico surge em
Doutor Jekyll, um retrato da realidade. Apesar do registo experimental, Projeto para uma viagem à China é uma espécie de diário e, ao contrário, o último texto, A maneira como vivemos agora, ilustrando o quotidiano dos nova-iorquinos no auge da epidemia da sida, obedece à estrutura clássica de uma novela.