HÁ UMA OUTRA LAS VEGAS PARA LÁ DOS CASINOS QUE VALE A PENA CONHECER
Azia Skeen descobriu por acaso o pouco conhecido (pelo menos para os turistas) Bairro das Artes em Las Vegas. O avião de regresso a casa, em San Diego, estava atrasado e, aos 19 anos, ela era demasiado nova para jogar nos casinos.
COM 12 HORAS para gastar, Azia Skeen acabou por ir parar ao Bairro das Artes, uma área de 18 quarteirões de atarracados edifícios comerciais e de antigas e atuais oficinas de automóveis, escondido entre o altaneiro Stratosphere e a glória desbotada que é hoje a Freemont Street. Na primeira visita de Skeen, o bairro estava no auge da Primeira Sexta-feira, um evento mensal que atrai milhares de visitantes a sítios como a Arts Factory, onde estão instalados os estúdios e pequenas galerias de cerca de duas dúzias de artistas locais. “Fomos imediatamente aceites e nunca tinha sentido isso”, conta Skeen, agora com 22 anos. Pouco depois, Skeen mudava-se para Las Vegas, onde vive atualmente, a pouca distância a pé do Bairro das Artes, na East Freemont Street. Trabalha como artista plástica e como curadora para pequenos empresários, como Derek Stonebarger, presidente da Associação de Moradores do Bairro das Artes e dono do ReBar, onde serve bebidas e enormes salsichas frescas do talhante local, John Mull, em pães de leite e que também funciona como loja vintage.
Também conhecido por 18b (pelos 18 blocos de edifícios que o compõem), em finais dos anos 90 o Bairro das Artes ostentava apenas uma mão-cheia de espaços de comércio e lojas, entre as quais a Arts Factory e a Casa Don Juan, um restaurante mexicano que serve burritos gigantes a pingar recheio e shots de licor aos seus clientes sempre que os Golden Knights, a equipa local da liga Nacio
nal de Hóquei [no gelo], marca um golo. Naquela altura, morreu a outrora tão pujante vida noturna de cafés que existia em Maryland Parkway, junto à Universidade do Nevada, Las Vegas. P. J. Perez, um cineasta que está a fazer um documentário de longa metragem, Parkway ofBroken Dreams, disse que “os mesmos 100 artistas, poetas e músicos que são sempre e em qualquer altura os líderes e impulsionadores” em Vegas começaram a migrar para a Baixa, para espaços como a Arts Factory. Bairros dinâmicos e de espírito independente são poucos e estão dispersos em Las Vegas. Isto pôs Pamela Dylag a pensar, quando decidiu abrir um bar de cocktails no Bairro das Artes, depois de ter vivido em Portland, Oregon e Tóquio. “Não havia realmente nada daquilo que pretendíamos oferecer”, diz Dylag, natural de Las Vegas. “Era só centros comerciais nas principais avenidas – não havia bares de
cocktails artesanais.”
Em 2013, Dylag e a irmã, Christina Dylag, abriram o Velveteen Rabbit, um sítio acolhedor e moderno na Main Street. Naquela época, o Bairro das Artes estava longe de arrancar na sua plenitude – isso só viria a acontecer por volta da altura em que Stonebarger abriu o ReBar, em 2016, situação que sofreu uma aceleração no outono, quando a cidade concluiu um projeto multimilionário de pavimentação e embelezamento das ruas no bairro. Mas Pamela Dylag ficou “agradavelmente surpreendida ao ver quão movimentado
“O que a Baixa artística de Las Vegas tem é que há sempre muitos visitantes que precisam de descomprimir de toda aquela tralha néon”
era [o seu bar] logo assim que abriu”. “Éramos uma espécie de ilha”, acrescenta ela. “As pessoas vinham realmente à nossa procura.”
Uma dessas pessoas era Clayton Waldhalm. Ele mudou-se para Las Vegas, vindo do estado de Dacota do Norte, quando tinha 16 anos porque o pai, um especialista em chaparia, tinha perspetivas de emprego muito melhores numa cidade onde, como Waldhalm disse, “deitam abaixo prédios perfeitamente bons”. Cliente habitual do ReBar, ele vive perto do Stratosphere e trabalha para o Condado de Clark. Ir a pé do emprego até ao ReBar, quando o dia de trabalho chega ao fim, leva-lhe sete minutos, por isso, quando Waldhalm anuncia, na sua popular página no Facebook, que estará lá às 18h37 podem ficar descansados que será a essa hora que ele vai entrar por aquela porta. “Noutras partes de Vegas, oferecem-nos um bom serviço e etc., mas não sabem quem somos”, disse ele. “Aqui, nós entramos no Artifice ou no ReBar e eles dizem: ‘Clay, tudo bem?’”
O Artifice é um bar escuro e espaçoso, instalado num complexo de edifícios chamado Art Square, onde os estabelecimentos seus vizinhos incluem o Cockroach Theatre [Teatro Barata], um recinto espartano que apresenta produções como Incognito – uma peça muito boa, a quatro atores, do dramaturgo Nick Payne e que esteve em cena no fim do ano passado.
Ver teatro ao vivo que não envolva homens azuis ou mulheres em topless em Las Vegas pode parecer surreal para alguns, mas não é nada fora do comum no Bairro das Artes, onde o Majestic Repertory Theater leva ao palco produções igualmente na vanguarda das tendências e o Velveteen Rabbit apresenta espetáculos de teatro com regularidade, incluindo o Bardo no Bar, que oferece aos clientes uma dose de Shakespeare com seus
cocktails de Campari.
Este tipo de experiências inesperadas é o que mais há no bairro menos Vegas de Las Vegas – não se encontra uma mesa de póquer, a não ser que se conte com aquelas que se podem comprar para levar para a nossa cave no Spinettis Gaming Supplies –, que prosperam no rescaldo do trágico massacre do Harvest Festival da Route 91, em 2017, que Stonebarger diz ter “unido Las Vegas inteira, a ponto de criar uma comunidade”.
Um velho motel, o Thunderbird, reabriu recentemente sob a forma de uma elegante opção de alojamento-boutique no South Las Vegas Boulevard, à distância de alguns passos de dois bares surrados, mas cheios de alma (o Dino’s Lounge e The Huntridge Tavern), um par de cafés (o Vesta e o Makers & Finders), uma microcervejeira (Hop Nuts) e um restaurante italiano (Esther’s Kitchen), onde deliciosos pratos parecem simplesmente materializar-se na nossa mesa, como se o sous-cheftivesse posto uma “escuta” na nossa língua.
Mas no cerne do Bairro das Artes está a arte e no âmago da Arts Factory, uma semana depois do Dia de Ação de Graças, estava Alex Huerta, a queimar incenso enquanto expunha uns quantos trabalhos, de um rudimentar bom gosto, num estúdio minúsculo que habita desde 2008. Sendo um dos elementos do coletivo de artistas 3 BAAAD Sheep, Huerta foi primeiro levado a virar-se para a arte depois de ter visto um Picasso, que pertencia ao magnata de casinos Steve Wynn, e desde então não parou de pintar.
“O que a Baixa artística de Las Vegas tem é que há sempre muitos visitantes que precisam de descomprimir de toda aquela tralha néon”, explica ele. “Essas pessoas não sabiam que havia arte em Las Vegas, por isso eu ofereço-lhes a melhor experiência de que sou capaz.”
Experiências inesperadas são aquilo que mais há no bairro menos Vegas de Las Vegas – aqui não encontrará mesasdepóquer que não sejam decorativas