SÁBADO

A VIDA DOS AGENTES IMOBILIÁRI­OS

Almoçam em restaurant­es Michelin, jogam golfe e fazem turismo com os clientes. Para serem bem-sucedidos entram no estilo de vida dos milionário­s com quem negoceiam.

- Por Ana Catarina André

Almoçam em restaurant­es de luxo, usam roupa de marca, jogam golfe e vendem casas de milhões

Onegócio pode começar numa lavandaria, em Moscovo, num salão de cabeleirei­ro, no Irão, ou num restaurant­e, no Brasil. Muitas vezes, para que alguém compre um imóvel de luxo em território nacional, basta que um dos influencia­dores da rede da imobiliári­a Fine & Country fale sobre Portugal – e sobre as vantagens de aqui viver – a um dos seus clientes. “Já vendemos apartament­os e moradias a casais estrangeir­os que decidiram vir para cá, porque, um dia, um deles estava a cortar o cabelo, em Teerão, e alguém lhe disse que aqui há qualidade de vida”, conta Nuno Durão, managing partner da empresa, revelando que esses parceiros são, depois, compensado­s com uma comissão. “Suscitado o interesse, é estabeleci­do o contacto connosco e agendada uma viagem a Portugal.”

Pelos valores associados – por norma superiores a 1 milhão de euros – e pela exigência dos clientes, a venda de imóveis de luxo tem um conjunto de particular­idades que fazem com que as imobiliári­as e os consultore­s deste segmento operem de maneira distinta do mercado mais tradiciona­l. “Estes clientes estrangeir­os, por exemplo, gostam de conciliar a visita aos imóveis com um tourturíst­ico. De manhã vemos uma casa, depois almoçamos num bom restaurant­e – do José Avillez, por exemplo –, damos um passeio, eu explico onde fica o castelo de Lisboa, e voltamos a ver outro apartament­o à tarde. Nestes casos, mais do que vender casas, vendo Portugal”, diz, referindo que brasileiro­s, espanhóis e franceses estão entre os que mais investem no nosso país. Os portuguese­s continuam a ser minoritári­os neste segmento. Em algumas imobiliári­as representa­m menos de 30%.

Para selecionar­em os imóveis mais indicados para cada pessoa ou família, os consultore­s procuram perceber a fundo as suas motivações e rotinas. Querem uma vida mais tranquila? Têm filhos e é importante ficar perto da escola? Deve ter jardim? Esta fase pode incluir reuniões, almoços e até viagens. “Tive um cliente que estava na Suíça e procurava uma casa apalaçada, em Lisboa, com tetos trabalhado­s, frescos, com vista para o Tejo e jardim. Para entender melhor o que pretendia, fiz várias viagens à Suíça, de três a quatro dias cada. Fiquei hospedado em casa dele, convivi com a família e foi assim que cheguei ao imóvel ideal”, conta Filipe Lourenço, CEO da Private Luxury Real Estate. E diz: “No fundo, somos consultore­s privados destas famílias e, por consequênc­ia, dos seus amigos”, afirma, contando que a moradia mais cara que a agência vendeu em Portugal custou 40 milhões de euros. Lisboa, Cascais, Estoril, Porto, Loulé e Lagos estão entre os locais mais procurados neste segmento. Isabela Figueiredo, da Engel & Völkers, sublinha a importânci­a de conhecer o dia a dia do cliente. Recentemen­te foi contactada por uma família de portuguese­s que estava fora há 20 anos e ia voltar. “Queriam ver casas no Chiado, mas mudaram de ideias quando expliquei que, hoje em dia é, uma zona muito movimentad­a e que, às vezes, pode demorar muito a ir de carro de uma rua a outra, quanto mais a levar crianças à escola”, diz a consultora, contando que, em alguns casos, o primeiro contacto é feito por um assistente que faz logo uma pré-seleção dos imóveis. “Depois, quando o comprador chega até mim, procuro estabelece­r uma relação próxima. Contrato o serviço de um Uber para nos transporta­r por um dia.”

Pedro Branco, CEO da mesma imobiliári­a, reitera a importânci­a da preparação dos consultore­s. “Têm de conhecer muito bem o mercado, a variação de preços, as áreas com maior liquidez. É fundamenta­l que falem vários idiomas – inglês, francês e espanhol – e que tenham um

sólido”, diz, explicando que todos passam por uma formação interna, antes de começarem. Isabela, por exemplo, é economista e trabalhou na área financeira e empresaria­l durante vários anos. “Estamos com um negócio de 4 milhões e 400 mil euros de um prédio na Baixa, de Lisboa. Há dois fundos envolvidos: um americano e um chinês. A minha formação e experiênci­a tem-me ajudado muito a lidar com estes clientes”, diz a brasileira que foi profission­al na banca, nos Estados Unidos.

Um estilo de vida a condizer

Ainda que nenhum dos consultore­s com quem a SÁBADO falou tenha revelado quanto ganha neste segmento, todos admitiram tratar-se de quantias que permitem ter uma vida confortáve­l. Miguel Poisson, diretor-geral da Portugal Sotheby’s Internatio­nal Realty, diz que “se o brokerfor dedicado” não duvida que “seja das profissões mais bem remunerada­s em Portugal”. Pedro Abecassis, da Coldwell Banker, agência que nos Estados Unidos tem, entre os seus clientes, estrelas como as atrizes Meg Ryan e Jane Fonda, diz apenas que os seus consultore­s “poderão ganhar 60% da comissão”. Já Vasco Diniz, da Quintela e Penalva, que até há seis anos era engenheiro zootécnico, revela que se vender 20 casas de luxo por ano, com valores entre 1,5 e 5 milhões de euros, consegue ter uma “vida desafogada”.

Para que possam fazer networking os consultore­s acabam por frequentar os mesmos meios dos clientes. Almoçam em restaurant­es de luxo, vão a festas em casa de grandes executivos. “Frequentam­os eventos de cavalos, jogamos golfe, temos barco. Costumo dizer que isto não é um trabalho, é um estilo de vida”, explica Filipe Lourenço, da Private Luxury Real Estate. “O meu dia pode come

LISBOA, CASCAIS, ESTORIL, PORTO, LOULÉ E LAGOS ESTÃO ENTRE OS LOCAIS MAIS PROCURADOS NESTE SEGMENTO

çar com um pequeno-almoço com um cliente, na Pastelaria Garrett [no Estoril]. Segue-se depois uma reunião com um proprietár­io que está interessad­o em vender a casa de família, por exemplo, e pode acabar com um jogo de golfe, ao fim tarde”, conta. “Tenho qualidade de vida. O mais importante é ser focado e trabalhar por objetivos”, diz, acrescenta­ndo que as viagens são um dos luxos que mais aprecia.

O mais importante neste negócio – diz Carlos Mangas, consultor da mesma imobiliári­a – é estar sempre atento. “Há uns dias fui a um concerto no Casino Estoril. Comecei a conversar com a pessoa que estava ao meu lado. Era um advogado aposentado, um dos primeiros portuguese­s a investir numa casa na ilha da Palmeira, no Dubai, que também tinha comprado um apartament­o na Roménia para diversific­ar os investimen­tos”, afirma. “Gerou-se ali uma sintonia de interesses. Um dia, ele quererá a sua casa, e nessa altura poderá lembrar-se de mim.”

Luxo: onde está a fronteira?

Mas afinal o que distingue uma moradia ou um apartament­o de luxo? “É um imóvel único. Traz consigo uma história. Muitas vezes, é uma verdadeira obra de arte”, explica Miguel Poisson, diretor-geral da Portugal Sotheby’s Internatio­nal Realty, acrescenta­ndo que o preço médio de venda da imobiliári­a no nosso país é de 1 milhão e 100 mil euros. Já Filipe Lourenço esclarece que há um conjunto de parâmetros a cumprir. “Para que uma casa faça parte do nosso portefólio tem de reunir 80% dos critérios de uma high-end

property [as propriedad­es mais luxuosas]. Tem de utilizar determinad­os materiais de construção, ter acabamento­s de topo.” E exemplific­a: “São casas em que prevalece a pedra natural.”

Carlos Mangas explica que de vez em quando se depara com proprietár­ios que julgam ter um apartament­o de luxo, quando não é assim. “Uma vez, fomos ver uma casa que reunia as caracterís­ticas necessária­s, mas reparámos que a junção entre o soalho da casa de banho e do corredor tinha sido pouco pensada. Não havia harmonia ali e isso foi um motivo de exclusão”, recorda. Neste segmento todos os detalhes contam, sublinha Vasco Diniz, consultor da Quintela e Penalva. “Uma vez, tinha um negócio praticamen­te fechado – era um apartament­o de 2,5 milhões de euros, com uma vista fabulosa e acabamento­s em mármore – que não se concretizo­u, porque a mulher do senhor reparou que não tinha estendal e disse que não queria pôr a roupa a secar sempre na máquina”, conta. E assume: “Foi uma variável que me escapou, mas que, desde então, passou a ser um requisito nas casas que vendo.”

Além da atenção às necessidad­es dos compradore­s, os consultore­s têm também de estar focados na angariação de imóveis. O contacto com um proprietár­io interessad­o em vender uma moradia pode ser feito através da rede do consultor, mas também da participaç­ão em feiras de luxo. Neste segmento é ainda comum lançamento­s de condomínio­s de luxo, por exemplo, há alguns que nunca se tornam públicos. Outros proprietár­ios, diz Filipe Lourenço da Private Luxury Real Estate, não querem expor a casa porque são figuras públicas.

A própria localizaçã­o das imobiliári­as é também um fator distintivo. A maioria tem lojas em zonas premium, como a Avenida da Liberdade, em Lisboa, ou os Aliados, no Porto. A Coldwell Banker, por exemplo, criou mesmo, na sua primeira agência no centro da capital, um espaço exclusivo para clientes acima de 850 mil euros. “Entendemos que este target exige maior discrição e privacidad­e. São salas com uma decoração especial e detalhes sofisticad­os”, diz o dono da agência Pedro Abecassis que, em 2019, espera realizar cerca de 100 transações.

“FREQUENTAM­OS EVENTOS DE CAVALOS E TEMOS BARCO. COSTUMO DIZER QUE ISTO NÃO É UM TRABALHO, É UM ESTILO DE VIDA”

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 ??  ?? Isabela Figueiredo, consultora da Engel & Völkers, e Pedro Branco, CEO da mesma imobiliári­a, num dos imóveis de luxo que têm para venda no Parque das Nações, em Lisboa
Isabela Figueiredo, consultora da Engel & Völkers, e Pedro Branco, CEO da mesma imobiliári­a, num dos imóveis de luxo que têm para venda no Parque das Nações, em Lisboa
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Os imóveis mais exclusivos não são divulgados pelas imobiliári­as, explica Vasco Diniz, da Quintela e Penalva
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Carlos Mangas e Filipe Lourenço: um pormenor mal pensado pode fazer com que uma mansão não possa ser considerad­a de luxo
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Os eventos de lançamento de novos empreendim­entos são um dos meios para angariar compradore­s. Em cima, Nuno Durão, da Fine & Country
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