A VIDA DOS AGENTES IMOBILIÁRIOS
Almoçam em restaurantes Michelin, jogam golfe e fazem turismo com os clientes. Para serem bem-sucedidos entram no estilo de vida dos milionários com quem negoceiam.
Almoçam em restaurantes de luxo, usam roupa de marca, jogam golfe e vendem casas de milhões
Onegócio pode começar numa lavandaria, em Moscovo, num salão de cabeleireiro, no Irão, ou num restaurante, no Brasil. Muitas vezes, para que alguém compre um imóvel de luxo em território nacional, basta que um dos influenciadores da rede da imobiliária Fine & Country fale sobre Portugal – e sobre as vantagens de aqui viver – a um dos seus clientes. “Já vendemos apartamentos e moradias a casais estrangeiros que decidiram vir para cá, porque, um dia, um deles estava a cortar o cabelo, em Teerão, e alguém lhe disse que aqui há qualidade de vida”, conta Nuno Durão, managing partner da empresa, revelando que esses parceiros são, depois, compensados com uma comissão. “Suscitado o interesse, é estabelecido o contacto connosco e agendada uma viagem a Portugal.”
Pelos valores associados – por norma superiores a 1 milhão de euros – e pela exigência dos clientes, a venda de imóveis de luxo tem um conjunto de particularidades que fazem com que as imobiliárias e os consultores deste segmento operem de maneira distinta do mercado mais tradicional. “Estes clientes estrangeiros, por exemplo, gostam de conciliar a visita aos imóveis com um tourturístico. De manhã vemos uma casa, depois almoçamos num bom restaurante – do José Avillez, por exemplo –, damos um passeio, eu explico onde fica o castelo de Lisboa, e voltamos a ver outro apartamento à tarde. Nestes casos, mais do que vender casas, vendo Portugal”, diz, referindo que brasileiros, espanhóis e franceses estão entre os que mais investem no nosso país. Os portugueses continuam a ser minoritários neste segmento. Em algumas imobiliárias representam menos de 30%.
Para selecionarem os imóveis mais indicados para cada pessoa ou família, os consultores procuram perceber a fundo as suas motivações e rotinas. Querem uma vida mais tranquila? Têm filhos e é importante ficar perto da escola? Deve ter jardim? Esta fase pode incluir reuniões, almoços e até viagens. “Tive um cliente que estava na Suíça e procurava uma casa apalaçada, em Lisboa, com tetos trabalhados, frescos, com vista para o Tejo e jardim. Para entender melhor o que pretendia, fiz várias viagens à Suíça, de três a quatro dias cada. Fiquei hospedado em casa dele, convivi com a família e foi assim que cheguei ao imóvel ideal”, conta Filipe Lourenço, CEO da Private Luxury Real Estate. E diz: “No fundo, somos consultores privados destas famílias e, por consequência, dos seus amigos”, afirma, contando que a moradia mais cara que a agência vendeu em Portugal custou 40 milhões de euros. Lisboa, Cascais, Estoril, Porto, Loulé e Lagos estão entre os locais mais procurados neste segmento. Isabela Figueiredo, da Engel & Völkers, sublinha a importância de conhecer o dia a dia do cliente. Recentemente foi contactada por uma família de portugueses que estava fora há 20 anos e ia voltar. “Queriam ver casas no Chiado, mas mudaram de ideias quando expliquei que, hoje em dia é, uma zona muito movimentada e que, às vezes, pode demorar muito a ir de carro de uma rua a outra, quanto mais a levar crianças à escola”, diz a consultora, contando que, em alguns casos, o primeiro contacto é feito por um assistente que faz logo uma pré-seleção dos imóveis. “Depois, quando o comprador chega até mim, procuro estabelecer uma relação próxima. Contrato o serviço de um Uber para nos transportar por um dia.”
Pedro Branco, CEO da mesma imobiliária, reitera a importância da preparação dos consultores. “Têm de conhecer muito bem o mercado, a variação de preços, as áreas com maior liquidez. É fundamental que falem vários idiomas – inglês, francês e espanhol – e que tenham um
sólido”, diz, explicando que todos passam por uma formação interna, antes de começarem. Isabela, por exemplo, é economista e trabalhou na área financeira e empresarial durante vários anos. “Estamos com um negócio de 4 milhões e 400 mil euros de um prédio na Baixa, de Lisboa. Há dois fundos envolvidos: um americano e um chinês. A minha formação e experiência tem-me ajudado muito a lidar com estes clientes”, diz a brasileira que foi profissional na banca, nos Estados Unidos.
Um estilo de vida a condizer
Ainda que nenhum dos consultores com quem a SÁBADO falou tenha revelado quanto ganha neste segmento, todos admitiram tratar-se de quantias que permitem ter uma vida confortável. Miguel Poisson, diretor-geral da Portugal Sotheby’s International Realty, diz que “se o brokerfor dedicado” não duvida que “seja das profissões mais bem remuneradas em Portugal”. Pedro Abecassis, da Coldwell Banker, agência que nos Estados Unidos tem, entre os seus clientes, estrelas como as atrizes Meg Ryan e Jane Fonda, diz apenas que os seus consultores “poderão ganhar 60% da comissão”. Já Vasco Diniz, da Quintela e Penalva, que até há seis anos era engenheiro zootécnico, revela que se vender 20 casas de luxo por ano, com valores entre 1,5 e 5 milhões de euros, consegue ter uma “vida desafogada”.
Para que possam fazer networking os consultores acabam por frequentar os mesmos meios dos clientes. Almoçam em restaurantes de luxo, vão a festas em casa de grandes executivos. “Frequentamos eventos de cavalos, jogamos golfe, temos barco. Costumo dizer que isto não é um trabalho, é um estilo de vida”, explica Filipe Lourenço, da Private Luxury Real Estate. “O meu dia pode come
LISBOA, CASCAIS, ESTORIL, PORTO, LOULÉ E LAGOS ESTÃO ENTRE OS LOCAIS MAIS PROCURADOS NESTE SEGMENTO
çar com um pequeno-almoço com um cliente, na Pastelaria Garrett [no Estoril]. Segue-se depois uma reunião com um proprietário que está interessado em vender a casa de família, por exemplo, e pode acabar com um jogo de golfe, ao fim tarde”, conta. “Tenho qualidade de vida. O mais importante é ser focado e trabalhar por objetivos”, diz, acrescentando que as viagens são um dos luxos que mais aprecia.
O mais importante neste negócio – diz Carlos Mangas, consultor da mesma imobiliária – é estar sempre atento. “Há uns dias fui a um concerto no Casino Estoril. Comecei a conversar com a pessoa que estava ao meu lado. Era um advogado aposentado, um dos primeiros portugueses a investir numa casa na ilha da Palmeira, no Dubai, que também tinha comprado um apartamento na Roménia para diversificar os investimentos”, afirma. “Gerou-se ali uma sintonia de interesses. Um dia, ele quererá a sua casa, e nessa altura poderá lembrar-se de mim.”
Luxo: onde está a fronteira?
Mas afinal o que distingue uma moradia ou um apartamento de luxo? “É um imóvel único. Traz consigo uma história. Muitas vezes, é uma verdadeira obra de arte”, explica Miguel Poisson, diretor-geral da Portugal Sotheby’s International Realty, acrescentando que o preço médio de venda da imobiliária no nosso país é de 1 milhão e 100 mil euros. Já Filipe Lourenço esclarece que há um conjunto de parâmetros a cumprir. “Para que uma casa faça parte do nosso portefólio tem de reunir 80% dos critérios de uma high-end
property [as propriedades mais luxuosas]. Tem de utilizar determinados materiais de construção, ter acabamentos de topo.” E exemplifica: “São casas em que prevalece a pedra natural.”
Carlos Mangas explica que de vez em quando se depara com proprietários que julgam ter um apartamento de luxo, quando não é assim. “Uma vez, fomos ver uma casa que reunia as características necessárias, mas reparámos que a junção entre o soalho da casa de banho e do corredor tinha sido pouco pensada. Não havia harmonia ali e isso foi um motivo de exclusão”, recorda. Neste segmento todos os detalhes contam, sublinha Vasco Diniz, consultor da Quintela e Penalva. “Uma vez, tinha um negócio praticamente fechado – era um apartamento de 2,5 milhões de euros, com uma vista fabulosa e acabamentos em mármore – que não se concretizou, porque a mulher do senhor reparou que não tinha estendal e disse que não queria pôr a roupa a secar sempre na máquina”, conta. E assume: “Foi uma variável que me escapou, mas que, desde então, passou a ser um requisito nas casas que vendo.”
Além da atenção às necessidades dos compradores, os consultores têm também de estar focados na angariação de imóveis. O contacto com um proprietário interessado em vender uma moradia pode ser feito através da rede do consultor, mas também da participação em feiras de luxo. Neste segmento é ainda comum lançamentos de condomínios de luxo, por exemplo, há alguns que nunca se tornam públicos. Outros proprietários, diz Filipe Lourenço da Private Luxury Real Estate, não querem expor a casa porque são figuras públicas.
A própria localização das imobiliárias é também um fator distintivo. A maioria tem lojas em zonas premium, como a Avenida da Liberdade, em Lisboa, ou os Aliados, no Porto. A Coldwell Banker, por exemplo, criou mesmo, na sua primeira agência no centro da capital, um espaço exclusivo para clientes acima de 850 mil euros. “Entendemos que este target exige maior discrição e privacidade. São salas com uma decoração especial e detalhes sofisticados”, diz o dono da agência Pedro Abecassis que, em 2019, espera realizar cerca de 100 transações.
“FREQUENTAMOS EVENTOS DE CAVALOS E TEMOS BARCO. COSTUMO DIZER QUE ISTO NÃO É UM TRABALHO, É UM ESTILO DE VIDA”