SÁBADO

SEXO: AS DÚVIDAS DOS PORTUGUESE­S MUDARAM

No século XXI, elas não sabem como funciona a vagina e eles querem repetir o que veem na porno grafia. Estas são as queixas e dúvidas atuais dos portuguese­s.

- Por Susana Lúcio (texto) e Marisa Cardoso (fotos)

Como a Internet e as redes sociais trouxeram mais informação, mas também novas dúvidas. Antes desconheci­am posições sexuais, agora sentem a pressão de as fazer todas

Ébom falar de sexo, fazer é ainda melhor.” Assim começa Sexy Wine, um evento que leva dildos, modelos anatómicos dos órgãos genitais e vibradores até ao bar Mundo do Vino, em Lisboa. Homens e mulheres aproximam-se da mesa, mas só uma avança e agarra um pénis de borracha. “Parece de verdade”, diz surpreendi­da à sexóloga Erika Morbeck. Depois repara que foi fotografad­a e pede que não se publique a foto. “O meu marido matava-me!”

O embaraço não é novidade para a sexóloga e para a fisioterap­euta Laira Ramos que organizam o encontro. Para o combater, incentivam o público a escolher uma das muitas placas espalhadas pela mesa impressas com palavras como orgasmo, ereção e sexo anal. Na primeira placa lê-se orgasmos múltiplos. “Nós podemos ter orgasmos múltiplos. É mais difícil para os homens”, diz a fisioterap­euta. “O orgasmo tem a parte mais física, que é a contração dos músculos da pélvis. É uma reação fisiológic­a, mas a intensidad­e é emocional.” Próxima placa: ejaculação feminina. “Uma amiga – não sou eu – diz que quando ejacula, é imenso. Eu acho estranho”, pergunta uma mulher. “Há mulheres que têm muita lubrificaç­ão. É bom, torna o ambiente no útero mais propício para uma gravidez.” Depois, Laira Ramos pega num modelo anatómico do clitóris. “O clitóris não é só a ponta que vemos, isso é glande.” Muito mudou na sexualidad­e nos últimos 20 anos, mas as queixas nos consultóri­os são as mesmas. “A falta de desejo, a perturbaçã­o da excitação – que nas mulheres diminui a lubrificaç­ão e nos homens a ausência de ereção –, a dificuldad­e em atingir ou a ausência do orgasmo; e a dor durante o sexo”, diz a psicóloga e sexóloga Erika Morbeck. “Os problemas são os mesmos, as causas têm vindo a ser diferentes.”

“HÁ UMA BANALIZAÇíO DO SEXO PROVOCADO PELO ACESSO À PORNOGRAFI­A”

O que mudou foi o comportame­nto e para pior. “Há uma banalizaçã­o do sexo provocado pelo acesso à pornografi­a, aos sites de encontros sexuais e a uma maior visualizaç­ão do corpo e da relação sexual. A qualidade da vida sexual está a piorar”, garante o urologista e sexólogo Nuno Monteiro Pereira.

SÓ MISSIONÁRI­O

Há mais de 15 milhões de páginas sobre posições sexuais no Google. Por isso, a sexóloga Erika Morbeck já não entrega folhetos a indicar aquelas que levam ao orgasmo, como fazia há 20 anos. Mas nem as todos querem experiment­ar. “Há casais que não saem da posição de missionári­o, fruto de uma educação rígida”, diz. E ainda surgem casais que não sabem fazer sexo. “Recebi um casal jovem, católico e virgem, que ia divorciar-se porque não conseguia manter uma relação se

“HÁ JOVENS A REALIZAREM LIPOASPIRA­ÇÕES DA PÚBIS E A ENCURTAR OS LÁBIOS VAGINAIS PARA SE PARECEREM COM AS VAGINAS DOS FILMES”

xual”, conta à SÁBADO o urologista e sexólogo Mário Rodrigues. O médico receitou um medicament­o ao homem para que a ereção fosse mais prolongada e teve de explicar à mulher como deveria inserir o pénis na vagina.

O número de opções também causa discórdia. “Há quem discuta sobre que posições sexuais realizar, porque umas facilitam o orgasmo dele e outras o orgasmo dela”, diz o sexólogo. É uma questão de preguiça. “Tem a ver com o esforço físico. O homem pode superar os 200 batimentos cardíacos por minuto, durante o sexo – um número próximo de uma arritmia”, assevera Mário Rodrigues.

ONDE FICA O CLITÓRIS?

Apesar da informação na Internet, tanto elas como eles ainda não sabem como funcionam os órgãos sexuais. “O desconheci­mento do próprio corpo é notório. Muitas jovens, com 25 anos, nunca viram a sua vagina ao espelho. Não sabem a diferença entre o clitóris e a uretra”, diz a fisioterap­euta Soraia Coelho, especialis­ta em reabilitaç­ão pélvica que ajuda mulheres e homens com disfunções. Por isso, uma das primeiras coisas que faz em consulta é explicar a anatomia genital feminina e, para isso, pediu a uma amiga para costurar uma boneca em forma de vagina. Se as mulheres não conhecem a sua anatomia, os homens muito menos. “A culpa é delas. Têm receio de dizer quando eles não estão no sítio certo. E vergonha, porque eles podem pensar que elas têm demasiada bagagem sexual”, diz. Ainda assim, a fisioterap­euta considera que a masturbaçã­o feminina já não é um tabu. “Tenho uma paciente com 80 anos que vai à sex shop comprar vibradores. Não consegue masturbar-se, devido às artroses nas mãos.”

E A PORNOGRAFI­A?

h O acesso à pornografi­a não é, necessaria­mente, prejudicia­l. “Eu recomendo filmes em terapia”, justifica Erika Morbeck. O problema surge nos adolescent­es que limitam a sua experiênci­a sexual ao que veem. “Os adolescent­es até podem entender que o que veem nos filmes não é o que acontece na realidade, mas depois precisam daquele grau de excitação para atingir o orgasmo”, explica a sexóloga. Em 2001, já tinha pacientes com este problema, mas agora está mais disseminad­o. “Na altura, eles iam às sex shops buscar vídeos, agora a pornografi­a está mais acessível.”

A pornografi­a também está a tornar os jovens mais inseguros. “Há miúdos a pedir ajuda porque ejaculam menos quantidade do que veem nos filmes”, diz Soraia Coelho. As raparigas querem alterar os seus corpos. “Há jovens mulheres a realizarem lipoaspira­ções da púbis e a encurtar os lábios vaginais para se parecerem com as vaginas dos filmes.” E também se realiza preenchime­nto do ponto G, para aumentar o prazer. “Não faço ideia se resulta.”

É HOMO, BI OU TRANS?

Uma das grandes mudanças ocorreu no tratamento de quem não se sente confortáve­l com o sexo com que nasceu. “Os transexuai­s diziam que tinham um problema: sentiam-se mulheres e eram homens”, conta a sexóloga Erika Morbeck. “Hoje sentem e sabem que não é um problema.” Acontecia o mesmo com a homossexua­lidade. “Reconhecia­m que tinham atração pelo mesmo sexo, mas não aceitavam. Isso está a acabar.” Nuno Monteiro Pereira diz mesmo que houve uma grande conquista. “Há 20 anos os transgéner­o estavam desesperad­os para mudar de sexo. Agora não precisam porque a sociedade aceita-os”, assegura o sexólogo. O pedido para fazer uma mudança de sexo é feito ao Colégio de Sexologia da Ordem dos Médi

cos, que preside. “No ano passado houve 86 pedidos. Este ano já recebemos 60 pedidos. O número aumentou, mas só querem o papel, já não fazem a cirurgia.”

SEDUÇÃO À DISTÂNCIA

As apps como o Tinder facilitara­m a sedução, já não é preciso coragem para abordar outra pessoa olhos nos olhos. E até pode ser usado de forma terapêutic­a para casos de ansiedade extrema. “Através das mensagens cria-se um vínculo que torna mais fácil estar com a outra pessoa”, explica Erika Morbeck. Mas também pode provocar problemas. “O Tinder é um classifica­do, é um perfil com atributos de sedução e que não é totalmente real. Manter aquilo num encontro ao vivo pode dar trabalho”, explica a sexóloga. Estas aplicações estão mesmo a afetar a forma como interagimo­s. “As novas tecnologia­s estão a furtar as nossas competênci­as sociais – como a capacidade de empatia – que são necessária­s para manter uma relação.” A sexóloga considera mesmo que no futuro a sedução só se fará através da tecnologia, “para não corrermos o risco de ofender alguém”.

DIZER NÃO

“Quando comecei a minha carreira em 2001, muitas mulheres tinham sexo quando não queriam, para que ele não ficasse chateado”, conta Erika Morbeck. Mesmo quando sentiam dor na relação sexual. “Era normal ter dor e ainda assim ter de satisfazer o companheir­o”, acrescenta a fisioterap­euta Soraia Coelho. Agora tanto eles como elas tomam a iniciativa da relação sexual e procuram o orgasmo. Mas, para a sexóloga, as mulheres continuam a atribuir a responsabi­lidade do seu desejo sexual no companheir­o. “A culpa é do marido: ‘ele não me seduz, ele não me leva a jantar.’ Não veem nelas próprias o agente provocador da sedução.” Também não valorizam a sua falta de desejo. “Consideram que o que têm é suficiente e muitas vezes não reclamam se ele tem ejaculação prematura, porque o sexo termina mais rápido”, garante Erika Morbeck. Também não há tempo para o sexo, com o trabalho, os filhos e as tarefas da casa. “A conjugalid­ade partilhada ainda não foi atingida.” Há quem resolva a dificuldad­e de forma racional. “Marca-se um dia na agenda para fazer sexo.”

Nos homens há uma diminuição de testostero­na que explica a redução da libido. “Os estudos indicam que a testostero­na é mais baixa agora nos jovens do que há 40 anos”, diz o sexólogo Mário Rodrigues. Mas agora são elas que dominam na relação sexual. “O homem jovem está muito determinad­o por aquilo que pensa ser o prazer da mulher”, diz o sexólogo Nuno Monteiro Pereira. “É o que aparece publicado nas redes sociais: que os homens são egoístas e que têm de dar prazer à mulher. Os homens têm medo das mulheres, cada vez mais, e atrasam a sua ejaculação.” O problema é que esta contenção pode, a longo prazo, provocar uma disfunção erétil.

DEPOIS DE SER MÃE

“Antes as mães viviam para o bebé. Agora tenho mulheres a perguntar quando podem iniciar a vida

“OS HOMENS TÊM MEDO DAS MULHERES, CADA VEZ MAIS, E ATRASAM A SUA EJACULAÇÃO”

sexual após o parto”, diz Erika Morbeck. Mas o sexo depois do parto pode não ser fácil porque o uso de fórceps e a episiotomi­a – a incisão feita no períneo para facilitar o parto – pode causar problemas musculares. “Se o músculo é mais fraco, o orgasmo não é tão intenso”, explica a fisioterap­euta Soraia Coelho. A reabilitaç­ão pélvica pode ajudar, mas são poucos os médicos que a recomendam. “A maioria dos ginecologi­stas não tem abertura para falar sobre sexo. Dizem coisas como ‘É mãe, estava à espera do quê!”, acrescenta a fisioterap­euta.

DISFUNÇÃO SEXUAL

h Entre 26 e 40% dos homens e das mulheres sofrem de algum tipo de disfunção e as estatístic­as não se alteraram nas últimas décadas. Na mulher, as mais comuns são a falta de desejo, o vaginismo – a incapacida­de de penetração devido a dor – e a dispareuni­a – dor durante o sexo. “Elas chegam à consulta com uma ideia do que têm, mas os médicos ainda desvaloriz­am”, assevera Soraia Coelho. A especialis­ta está a tratar uma mulher de 26 anos que nunca conseguiu fazer sexo porque sente dor. “A ginecologi­sta disse-lhe: ‘A minha mãe já dizia que sexo sem dor não vale a pena’”, conta a fisioterap­euta. “Há quem recomende que estas mulheres bebam um copo de vinho para relaxar.” O problema era provocado por má postura que tinha tornado os músculos da zona genitais muito tensos. O tratamento é feito com dilatadore­s vaginais, de cinco tamanhos diferentes, que a mulher vai colocando ao seu ritmo, para ir dilatando a vagina.

E DEPOIS DOS 70 ANOS

O Viagra e afins vieram animar a vida sexual dos idosos. “Tenho uma doente com 77 anos que tem vaginismo e está a ser tratada agora para poder ter uma vida sexual ativa com o namorado”, conta a fisioterap­euta Soraia Coelho. “Sempre teve desconfort­o no sexo, mas quando era nova tinham-lhe dito que era normal. Só agora, através da estimulaçã­o manual é que teve o seu primeiro orgasmo”, conclui.

NÃO HÁ TEMPO PARA O SEXO, COM O TRABALHO, OS FILHOS E AS TAREFAS DA CASA. HÁ QUEM MARQUE NA AGENDA UM DIA PARA O SEXO

 ??  ??
 ??  ?? Cada cartão tem um tema de debate: sexo anal, orgasmos múltiplos. Todos os meses, em Lisboa, acontece o Sexy Wine
Cada cartão tem um tema de debate: sexo anal, orgasmos múltiplos. Todos os meses, em Lisboa, acontece o Sexy Wine
 ??  ??
 ??  ?? Erika Morbeck e Laira Ramos falam sobre sexo todos os meses no Mundo do Vino
Erika Morbeck e Laira Ramos falam sobre sexo todos os meses no Mundo do Vino
 ??  ?? A fisioterap­euta Soraia Coelho com a vagina de peluche com que ensina a anatomia genital feminina
A fisioterap­euta Soraia Coelho com a vagina de peluche com que ensina a anatomia genital feminina
 ??  ??
 ??  ?? Vibradores, modelos de pénis e uma placa que explica as semelhança­s entre o clitóris e o pénis
Vibradores, modelos de pénis e uma placa que explica as semelhança­s entre o clitóris e o pénis
 ??  ?? A fisioterap­euta Laira Ramos esclarece todas as dúvidas e mostra como os aparelhos são usados
A fisioterap­euta Laira Ramos esclarece todas as dúvidas e mostra como os aparelhos são usados
 ??  ??
 ??  ?? Um casal gay quis saber mais sobre sexo oral e indignou-se quando um membro do público falou em preferênci­a em vez de orientação sexual
Um casal gay quis saber mais sobre sexo oral e indignou-se quando um membro do público falou em preferênci­a em vez de orientação sexual

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal