SEXO: AS DÚVIDAS DOS PORTUGUESES MUDARAM
No século XXI, elas não sabem como funciona a vagina e eles querem repetir o que veem na porno grafia. Estas são as queixas e dúvidas atuais dos portugueses.
Como a Internet e as redes sociais trouxeram mais informação, mas também novas dúvidas. Antes desconheciam posições sexuais, agora sentem a pressão de as fazer todas
Ébom falar de sexo, fazer é ainda melhor.” Assim começa Sexy Wine, um evento que leva dildos, modelos anatómicos dos órgãos genitais e vibradores até ao bar Mundo do Vino, em Lisboa. Homens e mulheres aproximam-se da mesa, mas só uma avança e agarra um pénis de borracha. “Parece de verdade”, diz surpreendida à sexóloga Erika Morbeck. Depois repara que foi fotografada e pede que não se publique a foto. “O meu marido matava-me!”
O embaraço não é novidade para a sexóloga e para a fisioterapeuta Laira Ramos que organizam o encontro. Para o combater, incentivam o público a escolher uma das muitas placas espalhadas pela mesa impressas com palavras como orgasmo, ereção e sexo anal. Na primeira placa lê-se orgasmos múltiplos. “Nós podemos ter orgasmos múltiplos. É mais difícil para os homens”, diz a fisioterapeuta. “O orgasmo tem a parte mais física, que é a contração dos músculos da pélvis. É uma reação fisiológica, mas a intensidade é emocional.” Próxima placa: ejaculação feminina. “Uma amiga – não sou eu – diz que quando ejacula, é imenso. Eu acho estranho”, pergunta uma mulher. “Há mulheres que têm muita lubrificação. É bom, torna o ambiente no útero mais propício para uma gravidez.” Depois, Laira Ramos pega num modelo anatómico do clitóris. “O clitóris não é só a ponta que vemos, isso é glande.” Muito mudou na sexualidade nos últimos 20 anos, mas as queixas nos consultórios são as mesmas. “A falta de desejo, a perturbação da excitação – que nas mulheres diminui a lubrificação e nos homens a ausência de ereção –, a dificuldade em atingir ou a ausência do orgasmo; e a dor durante o sexo”, diz a psicóloga e sexóloga Erika Morbeck. “Os problemas são os mesmos, as causas têm vindo a ser diferentes.”
“HÁ UMA BANALIZAÇÃO DO SEXO PROVOCADO PELO ACESSO À PORNOGRAFIA”
O que mudou foi o comportamento e para pior. “Há uma banalização do sexo provocado pelo acesso à pornografia, aos sites de encontros sexuais e a uma maior visualização do corpo e da relação sexual. A qualidade da vida sexual está a piorar”, garante o urologista e sexólogo Nuno Monteiro Pereira.
SÓ MISSIONÁRIO
Há mais de 15 milhões de páginas sobre posições sexuais no Google. Por isso, a sexóloga Erika Morbeck já não entrega folhetos a indicar aquelas que levam ao orgasmo, como fazia há 20 anos. Mas nem as todos querem experimentar. “Há casais que não saem da posição de missionário, fruto de uma educação rígida”, diz. E ainda surgem casais que não sabem fazer sexo. “Recebi um casal jovem, católico e virgem, que ia divorciar-se porque não conseguia manter uma relação se
“HÁ JOVENS A REALIZAREM LIPOASPIRAÇÕES DA PÚBIS E A ENCURTAR OS LÁBIOS VAGINAIS PARA SE PARECEREM COM AS VAGINAS DOS FILMES”
xual”, conta à SÁBADO o urologista e sexólogo Mário Rodrigues. O médico receitou um medicamento ao homem para que a ereção fosse mais prolongada e teve de explicar à mulher como deveria inserir o pénis na vagina.
O número de opções também causa discórdia. “Há quem discuta sobre que posições sexuais realizar, porque umas facilitam o orgasmo dele e outras o orgasmo dela”, diz o sexólogo. É uma questão de preguiça. “Tem a ver com o esforço físico. O homem pode superar os 200 batimentos cardíacos por minuto, durante o sexo – um número próximo de uma arritmia”, assevera Mário Rodrigues.
ONDE FICA O CLITÓRIS?
Apesar da informação na Internet, tanto elas como eles ainda não sabem como funcionam os órgãos sexuais. “O desconhecimento do próprio corpo é notório. Muitas jovens, com 25 anos, nunca viram a sua vagina ao espelho. Não sabem a diferença entre o clitóris e a uretra”, diz a fisioterapeuta Soraia Coelho, especialista em reabilitação pélvica que ajuda mulheres e homens com disfunções. Por isso, uma das primeiras coisas que faz em consulta é explicar a anatomia genital feminina e, para isso, pediu a uma amiga para costurar uma boneca em forma de vagina. Se as mulheres não conhecem a sua anatomia, os homens muito menos. “A culpa é delas. Têm receio de dizer quando eles não estão no sítio certo. E vergonha, porque eles podem pensar que elas têm demasiada bagagem sexual”, diz. Ainda assim, a fisioterapeuta considera que a masturbação feminina já não é um tabu. “Tenho uma paciente com 80 anos que vai à sex shop comprar vibradores. Não consegue masturbar-se, devido às artroses nas mãos.”
E A PORNOGRAFIA?
h O acesso à pornografia não é, necessariamente, prejudicial. “Eu recomendo filmes em terapia”, justifica Erika Morbeck. O problema surge nos adolescentes que limitam a sua experiência sexual ao que veem. “Os adolescentes até podem entender que o que veem nos filmes não é o que acontece na realidade, mas depois precisam daquele grau de excitação para atingir o orgasmo”, explica a sexóloga. Em 2001, já tinha pacientes com este problema, mas agora está mais disseminado. “Na altura, eles iam às sex shops buscar vídeos, agora a pornografia está mais acessível.”
A pornografia também está a tornar os jovens mais inseguros. “Há miúdos a pedir ajuda porque ejaculam menos quantidade do que veem nos filmes”, diz Soraia Coelho. As raparigas querem alterar os seus corpos. “Há jovens mulheres a realizarem lipoaspirações da púbis e a encurtar os lábios vaginais para se parecerem com as vaginas dos filmes.” E também se realiza preenchimento do ponto G, para aumentar o prazer. “Não faço ideia se resulta.”
É HOMO, BI OU TRANS?
Uma das grandes mudanças ocorreu no tratamento de quem não se sente confortável com o sexo com que nasceu. “Os transexuais diziam que tinham um problema: sentiam-se mulheres e eram homens”, conta a sexóloga Erika Morbeck. “Hoje sentem e sabem que não é um problema.” Acontecia o mesmo com a homossexualidade. “Reconheciam que tinham atração pelo mesmo sexo, mas não aceitavam. Isso está a acabar.” Nuno Monteiro Pereira diz mesmo que houve uma grande conquista. “Há 20 anos os transgénero estavam desesperados para mudar de sexo. Agora não precisam porque a sociedade aceita-os”, assegura o sexólogo. O pedido para fazer uma mudança de sexo é feito ao Colégio de Sexologia da Ordem dos Médi
cos, que preside. “No ano passado houve 86 pedidos. Este ano já recebemos 60 pedidos. O número aumentou, mas só querem o papel, já não fazem a cirurgia.”
SEDUÇÃO À DISTÂNCIA
As apps como o Tinder facilitaram a sedução, já não é preciso coragem para abordar outra pessoa olhos nos olhos. E até pode ser usado de forma terapêutica para casos de ansiedade extrema. “Através das mensagens cria-se um vínculo que torna mais fácil estar com a outra pessoa”, explica Erika Morbeck. Mas também pode provocar problemas. “O Tinder é um classificado, é um perfil com atributos de sedução e que não é totalmente real. Manter aquilo num encontro ao vivo pode dar trabalho”, explica a sexóloga. Estas aplicações estão mesmo a afetar a forma como interagimos. “As novas tecnologias estão a furtar as nossas competências sociais – como a capacidade de empatia – que são necessárias para manter uma relação.” A sexóloga considera mesmo que no futuro a sedução só se fará através da tecnologia, “para não corrermos o risco de ofender alguém”.
DIZER NÃO
“Quando comecei a minha carreira em 2001, muitas mulheres tinham sexo quando não queriam, para que ele não ficasse chateado”, conta Erika Morbeck. Mesmo quando sentiam dor na relação sexual. “Era normal ter dor e ainda assim ter de satisfazer o companheiro”, acrescenta a fisioterapeuta Soraia Coelho. Agora tanto eles como elas tomam a iniciativa da relação sexual e procuram o orgasmo. Mas, para a sexóloga, as mulheres continuam a atribuir a responsabilidade do seu desejo sexual no companheiro. “A culpa é do marido: ‘ele não me seduz, ele não me leva a jantar.’ Não veem nelas próprias o agente provocador da sedução.” Também não valorizam a sua falta de desejo. “Consideram que o que têm é suficiente e muitas vezes não reclamam se ele tem ejaculação prematura, porque o sexo termina mais rápido”, garante Erika Morbeck. Também não há tempo para o sexo, com o trabalho, os filhos e as tarefas da casa. “A conjugalidade partilhada ainda não foi atingida.” Há quem resolva a dificuldade de forma racional. “Marca-se um dia na agenda para fazer sexo.”
Nos homens há uma diminuição de testosterona que explica a redução da libido. “Os estudos indicam que a testosterona é mais baixa agora nos jovens do que há 40 anos”, diz o sexólogo Mário Rodrigues. Mas agora são elas que dominam na relação sexual. “O homem jovem está muito determinado por aquilo que pensa ser o prazer da mulher”, diz o sexólogo Nuno Monteiro Pereira. “É o que aparece publicado nas redes sociais: que os homens são egoístas e que têm de dar prazer à mulher. Os homens têm medo das mulheres, cada vez mais, e atrasam a sua ejaculação.” O problema é que esta contenção pode, a longo prazo, provocar uma disfunção erétil.
DEPOIS DE SER MÃE
“Antes as mães viviam para o bebé. Agora tenho mulheres a perguntar quando podem iniciar a vida
“OS HOMENS TÊM MEDO DAS MULHERES, CADA VEZ MAIS, E ATRASAM A SUA EJACULAÇÃO”
sexual após o parto”, diz Erika Morbeck. Mas o sexo depois do parto pode não ser fácil porque o uso de fórceps e a episiotomia – a incisão feita no períneo para facilitar o parto – pode causar problemas musculares. “Se o músculo é mais fraco, o orgasmo não é tão intenso”, explica a fisioterapeuta Soraia Coelho. A reabilitação pélvica pode ajudar, mas são poucos os médicos que a recomendam. “A maioria dos ginecologistas não tem abertura para falar sobre sexo. Dizem coisas como ‘É mãe, estava à espera do quê!”, acrescenta a fisioterapeuta.
DISFUNÇÃO SEXUAL
h Entre 26 e 40% dos homens e das mulheres sofrem de algum tipo de disfunção e as estatísticas não se alteraram nas últimas décadas. Na mulher, as mais comuns são a falta de desejo, o vaginismo – a incapacidade de penetração devido a dor – e a dispareunia – dor durante o sexo. “Elas chegam à consulta com uma ideia do que têm, mas os médicos ainda desvalorizam”, assevera Soraia Coelho. A especialista está a tratar uma mulher de 26 anos que nunca conseguiu fazer sexo porque sente dor. “A ginecologista disse-lhe: ‘A minha mãe já dizia que sexo sem dor não vale a pena’”, conta a fisioterapeuta. “Há quem recomende que estas mulheres bebam um copo de vinho para relaxar.” O problema era provocado por má postura que tinha tornado os músculos da zona genitais muito tensos. O tratamento é feito com dilatadores vaginais, de cinco tamanhos diferentes, que a mulher vai colocando ao seu ritmo, para ir dilatando a vagina.
E DEPOIS DOS 70 ANOS
O Viagra e afins vieram animar a vida sexual dos idosos. “Tenho uma doente com 77 anos que tem vaginismo e está a ser tratada agora para poder ter uma vida sexual ativa com o namorado”, conta a fisioterapeuta Soraia Coelho. “Sempre teve desconforto no sexo, mas quando era nova tinham-lhe dito que era normal. Só agora, através da estimulação manual é que teve o seu primeiro orgasmo”, conclui.
NÃO HÁ TEMPO PARA O SEXO, COM O TRABALHO, OS FILHOS E AS TAREFAS DA CASA. HÁ QUEM MARQUE NA AGENDA UM DIA PARA O SEXO