SÁBADO

JOÃO MIGUEL TAVARES AO PORMENOR

E algumas talvez fizesse cerimónia a perguntar. Nós não. O cabelo (ou a falta dele), os convites (idem), o que lhe disse Marcelo e a partida que Costa lhe fez quando tomou conta dos filhos.

- Por Maria Henrique Espada

Recebe hate mail? Marcelo comentou-lhe o discurso? Tudo o que não sabe sobre um colunista polémico

Fez o discurso mais elogiado e o mais criticado de sempre num 10 de junho. João Miguel Tavares (JMT), o comentador que a esquerda mais adora odiar, teve o discurso partilhado dezenas de milhares de vezes, com a crítica ao regime em que é preciso ”nascer na família certa” e o apelo aos políticos para que restaurem a meritocrac­ia e nos deem “algo em que acreditar”.

A QUESTÃO CAPILAR

Não íamos começar por aqui (há coisas mais importante­s), mas a verdade é que quando se pesquisa o nome de João Miguel Tavares no Google, as primeiras sugestões do motor de busca são coisas como “doente”, “careca”, “doença”, “saúde” e até “cancro”. É isso que as pessoas querem saber sobre ele. O próprio já tinha reparado no fenómeno, que nem o discurso do 10 de junho alterou para já, mas garante que está tudo bem. “Não estou doente”, ri-se. Teve apenas uma queda de cabelo atípica, um distúrbio capilar autoimune, que provoca peladas, que, assume, deixam o couro cabeludo a parecer “ratado pelos bichos do papel”. Mas nada de grave. A mulher obrigou-o a fazer uma biópsia para garantir isso mesmo, pelo que os internauta­s podem descansar.

MARCELO GOSTOU OU DESGOSTOU?

É impossível saber, o autor garante desconhece­r o estado de espírito de quem o convidou sobre a forma como desempenho­u a função. “O Presidente foi muito educado, muito simpático, mas conversámo­s pouco, quer antes quer depois, nunca houve aquele momento ‘ora então vamos lá agora sentar-nos aqui neste sofá a conversar’... E agradeço-lhe por isso.”

O GRANDE IRRITANTE

A avaliar pelas reações, tornou-se o comentador mais irritante para a esquerda nacional. Havendo outros comentador­es à direita, porquê ele? Responde o próprio: “Por causa também daquilo que referi no discurso, é uma questão elitista, de classe, não é de esquerda nem de direita. As pessoas mais snobes que conheço são de esquerda. A esquerda portuguesa é mais aristocrát­ica do que a direita em relação ao regime. Alguém que chega de fora, nota-se logo, não usa bem os talheres, acaba por dizer um há-des, por dar uma calinada. Depois, o meu estilo de escrita é considerad­o mal-educado – não por acaso, chamei à minha coluna no Público O Respeitinh­o Não É Bonito.” Vê essa atitude nas críticas de agora, ao discurso: “Por exemplo, a Inês de Medeiros [presidente da Câmara Municipal de Almada, do PS] disse que lhe faltou solenidade. Não tenho aqueles gongorismo­s. Faria uma aposta de que a maior parte dos críticos, se lhes desse o discurso a ler em prova cega, sem saber quem era o autor, iam achar ótimo.” HATEMAIL

h Recebe? “Muito.” Sem detalhes. MEXIA NÃO MEXEU

Houve insinuaçõe­s e afirmações de que teria sido o seu colega no programa Governo Sombra, Pedro Mexia, consultor cultural na Casa Civil de Marcelo Rebelo de Sousa, a meter uma cunha para o convite, e até a escrever-lhe parte do discurso. “Sou amigo do Pedro, mas isso é preciso não conhecer o Pedro. E não ver que não temos nada em comum a escrever e no estilo. Por causa talvez do upbringing.” É DIREITOLAS DE NASCENÇA? h Nem tanto, garante. Escrevia no Diário de Notícias, à vez com Pedro Mexia e Pedro Lomba, no espaço Geração de 70, mas a maior parte das vezes nem era sobre política. E o que o encostou para o lado direito do espectro foi o 11 de Setembro. Irritou-o o “mas” com o qual a maior parte dos comentador­es de esquerda iniciava o segundo parágrafo da análise do atentado – depois de um primeiro a condenar. “O esquema era sempre idêntico, ‘foi

MARCELO “FOI MUITO SIMPÁTICO”, MAS NÃO LHE DISSE SE GOSTOU OU NÃO DO DISCURSO

terrível, isto não se faz’, e depois vinha ‘mas, os Estados Unidos isto e aquilo’.” Quis ficar do outro lado. Já não era uma criança, tinha 28 anos, com poucos posicionam­entos políticos convictos até aí. Admite algum contexto anterior: o pai era próximo do PSD; e terá gostado “vagamente” de Cavaco Silva como primeiro-ministro. E só acha que é de direita por estar onde está, num país que diz ter um viés para a esquerda: “Sou de direita em Portugal. Mas seria sempre democrata nos EUA.” A figura que mais admirou foi Barack Obama.

COSTA FOI BOM BABY-SITTER?

Os quatro filhos do colunista garantem que sim. Contam maravilhas. A filha mais nova, aliás, quer voltar – fica aqui a deixa. E as crianças não mentem. Em abril de 2017, JMT escreveu uma crónica em que sugeria que lhe tomasse conta dos filhos, já que a tolerância de ponto que decretara por causa da visita do Papa os deixava sem aulas de imprevisto. Costa enviou um email a oferecer-se para a missão. E as crianças lá foram. O primeiro-ministro esforçou-se, não os despachou para uma secretária. Até os levou ao parlamento, ter com Ferro Rodrigues, que os fotografou no plenário. O pai tem essa foto. Mas só agora, no 10 de junho, é que JMT, à conversa com Ferro Rodrigues, ficou a saber de um detalhe determinad­o por sugestão de António Costa: os petizes foram fotografad­os na bancada do BE. “O António Costa tem sentido de humor, reconheço-lhe essa qualidade.”

NUNCA O CONVIDAM: AINDA BEM

Tirando o discurso do 10 de junho, assegura que nunca foi aliciado para nada por gente dos partidos. Também não facilita, mantém uma distância higiénica: “Não tomo pequenos-almoços com... Acho até que os mundos do jornalismo e do comentário e da política estão demasiado próximos, e isso implica uma desvaloriz­ação do jornalismo.” Não aprecia o comentaria­do protagoniz­ado por gente que andou (anda, andará) no meio ou nos arredores da política. Portanto, qualquer intervençã­o política, não vá dar-se o caso de ainda alguém estar a pensar insistir, “só em caso de absoluto cataclismo”.

VEM AÍ MEDALHA NO 10 DE JUNHO?

“Quê, por causa do discurso? Não!” Nem o argumento de que já houve gente medalhada por feitos menores parece colher. “Nem pensar. Além disso, recuso-me a ser medalhado antes do Ricardo Araújo Pereira, que já fez muito mais por este país.”

O TESTE FINAL: AS NOTAS DO SECUNDÁRIO

Passou o discurso a falar de meritocrac­ia e de como estudou na escola pública, em Portalegre. E as notas? Era da turma A no liceu da cidade, ou seja, a dos bons alunos, e entre estes não era o melhor. Ainda assim, teve uma média a rondar o 18, o que lhe garantiu entrada direta para um erro: o curso de Engenharia Química no Instituto Superior Técnico, onde sofreu “dois anos e meio de grande infelicida­de”. Umas 14 ou 15 cadeiras feitas depois e muitas outras sem vontade para serem feitas, tentou mudar, e teve a ajuda da antiga escola em Portalegre. Que lhe permitiu assistir a algumas aulas de Filosofia, para se preparar para as provas e poder entrar na Universida­de Nova em Comunicaçã­o Social. Perdeu-se um engenheiro químico, ganhou-se um portalegre­nse a discursar no 10 de junho – para gosto de uns e desgosto de outros.

“RECUSO-ME A SER MEDALHADO ANTES DO RICARDO ARAÚJO PEREIRA, QUE JÁ FEZ MUITO MAIS POR ESTE PAÍS”

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O colunista sem pose O convite de Marcelo para presidir às comemoraçõ­es do 10 de junho gerou críticas. O discurso causou um impacto inédito no evento. JMT não fez humor, mas fora do púlpito continua informal

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