JOSÉ PACHECO PEREIRA
1 PEDANTE
Há alturas em que me sinto pedante durante uns dias, e depois passa-me. Mas não esqueço. É o caso destes dias pós-10 de Junho em que assisto a uma espécie de embasbacamento colectivo, por causa de meia dúzia de inanidades e platitudes que, pelos vistos, funcionam num País em que cada vez mais a “cultura” é jornalística e pouco mais. O que é impressionante é ver que não valeu nada o Antero, o Eça, o Ramalho, o Pessoa, o Orlando Ribeiro, o Eduardo Lourenço, e muitos mais, terem estudado e discutido tudo isto, que não encontramos um grama do que disseram e pensaram nesta pobreza de debate, se é que se lhe pode chamar assim. Esta tentação do pedantismo já não é a primeira vez que me acontece. Uma outra foi quando Aguiar-Branco fez na Assembleia um discurso do 25 de Abril em que citou Rosa Luxemburgo. Era ver o ar embevecido dos comentários, por aquilo que era uma citação da Wikipédia, ainda por cima erradamente atribuída a uma declaração de Rosa Luxemburgo feita em 1921, ou seja dois anos depois de ter sido assassinada. Quem citou conseguiu os seus objectivos, mesmo que não faça a mínima ideia de quem foi Rosa Luxemburgo, porque atribuirlhe ter feito tal declaração naquela data é mesmo não saber nada da personagem. Lá fiquei pedante uns dias, acompanhado pelos meus companheiros parlamentares esquerdistas que também arregalaram os olhos ao ouvir tal asneira, mas o festim dos espantos durou o que tinha de durar e acrescentou-se àquilo a que chamamos experiência.
Nem vale a pena esperar que isto mude.
2 ARACIONALIZAÇÃO DAIMPOTÊNCIA
Não escapa a ninguém que esteja atento que as cerimónias do 10 de Junho representaram uma muito significativa racionalização da impotência anti-Costa, ou anti-PS, ou anti-“geringonça”, como lhe queiram chamar. Por muito que Cristas esbraceje, por muito que Rio alterne a calma própria com a fúria Rangel, por muito que se levantem várias frondas mais ou menos populistas, Costa parece sobreviver e avançar. Na realidade, avança mais ferido do que parece, só que não são estes ataques que atingem o seu corpo político, é com a autoconsciência dos impasses da sua política encarnada em Centeno. Porque é que a oposição não vai por aí? Porque a maioria do PSD e CDS nunca se demarcou da política da troika e dos seus executantes internos, e no núcleo das políticas de Costa e Centeno nunca tocam. Falam ao lado, nas minudências, por agressivas que sejam, mas deixam intacto o essencial da política de Costa. Como é que podem criticar as cativações, ou o descalabro dos serviços públicos, sem serem de imediato responsabilizados pela sua gigantesca parte num declínio que começou muito antes e que este governo, que segue a mesma política, prosseguiu, ou serem acusados de irresponsabilidade orçamental como aconteceu com os professores? Daí a impotência, cujo esplendor surgiu nos discursos do tandem do
10 de Junho, que tem nesta impotência aquilo que os sociólogos chamam as “presunções de fundo”, as backgroud assumptions.
3 O“REEQUILIBRADOR”
É suposto que Marcelo Rebelo de Sousa não tivesse de gostar ou desgostar dos resultados eleitorais das Europeias. Mas, na verdade, nós sabemos que não gostou, e não é por causa da abstenção. É por o PS ter ganho. E não gostou porque isso aumenta o poder de Costa e diminui o seu. Estas coisas não estão escritas na Constituição, mas nas leis invisíveis do poder. Costa aumenta a sua legitimidade com um refrescamento eleitoral e o Presidente diminui a sua margem de manobra política. Ele sabe, e nós sabemos. E, como a distância entre o PS e o PSD e o descalabro do CDS não oferecem os instrumentos para que o Presidente faça a política que quer, protegendo-se, Marcelo começou então uma interessante e reveladora conversa sobre a “crise da direita” e a necessidade de equilíbrio, que representa a assunção de um papel menos consensual da sua presidência.
E Marcelo começou a “equilibrar”, até porque a vontade já vinha muito de trás. Não é preciso ter qualquer teoria conspirativa para perceber que as escolhas do 10 de Junho já vinham nesse sentido, abrindo primeiro o caminho ideológico, para depois lhe dar expressão política. Duvido que o consiga fazer com eficácia antes das eleições legislativas, mas tudo indica que o seu segundo mandato vai ser, como aconteceu com Soares, muito diferente do primeiro. Levará todos à arreata até às urnas para consagrar o “Presidente dos afectos”, mas depois vai “reequilibrar” interferindo no PSD, promovendo as vozes da direita, e fazendo a vida negra a um futuro governo do PS e da “geringonça”, num contexto económico e social muito mais favorável à crise política à esquerda.